31.10.11

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OS BEATLES E STEVE JOBS


(última parte)




Por Olsen Jr.

A Apple Corporation (dos Beatles) foi fundada em janeiro de 1968. A ideia era criar uma empresa que gerenciasse os negócios dos Beatles e que se constituísse em uma alternativa para promover artistas de talento dando-lhes uma primeira oportunidade, algo que “eles” próprios não tiveram quando começaram a carreira. Adotar a maçã como logotipo foi sugestão do Paul McCartney que afirmou ser apaixonado por arte moderna da primeira metade do século XX, em especial pelo artista belga René Magritte de quem adquiriu vários quadros, em um deles havia uma bela maçã verde e não foi difícil convencer os outros Beatles em aceitá-la.

A Apple Computer (do Steve Jobs) foi fundada em 1976. Criadora dos computadores Mac, do popular iPod e o iTunes.

O primeiro processo da Apple Corps contra a Apple Computer veio em 1981, pelo uso do mesmo nome e do mesmo logotipo (a maçã). Jobs pagou US$ 80.000 e fez um acordo de que ficaria fora do ramo da música.

Em 1989 veio outra ação porque a Apple Computer lançou um software de edição de música. Novo acordo e Jobs pagou US$ 26.000.000 e a garantia de que só a Apple Corps teria o direito do uso da maçã e do nome em “criações cujo principal conteúdo é música” e a Apple Computer os direitos em “bens e serviços”.

O terceiro processo teve o seu desfecho neste mês. Graças à iTunes Store. A Apple Corps processou novamente a Apple Computer, alegando que a empresa quebrou o segundo acordo feito em 1989.

O juiz Edward Mann rejeitou a ação da Apple Corps alegando que tanto o iPod e o iTunes não violam o acordo porque se limitam a transmitir dados.

O iPod e o iTunes (programa de download de canções pela internet) já vendeu mais de um bilhão de músicas desde 2002. O aparelho iPod já vendeu mais de 14 milhões de unidades e estima-se que a cada dia são baixadas três milhões de músicas através do iTunes.

A Apple Corps prometeu levar o caso ao Tribunal de Apelações.

Afirmar que os aparelhos se “limitam a transmitir dados” é o mesmo que dizer que uma obra literária (um livro) é um mero reprodutor de caracteres tipográficos... Sim, é isso também, mas é mais que isso, afinal, tem alguém ordenando aqueles signos em palavras, as palavras em frases, estas em períodos, estes em capítulos e todos compondo uma história (de ficção ou não) capazes de prender a atenção de alguém que sem aquele ordenamento (estilo) não teria qualquer significado ou importância.

Talvez a marca da mordida na maçã do logotipo da Apple Computer indique nestes tristes tempos, o mercado predador do qual Steve Jobs (gênio ou não) fazia parte.





Sobre “Besame Mucho”

Quando acompanharam Tony Sheridan em Hamburgo (1961) os Beatles se chamavam “Beat Brothers” e fizeram algumas gravações que foram antológicas, entre elas, “My Bonnie”, “Cry for a Shadow” (a única música dos Beatles que não possui letra, apenas um solo de guitarra de George Harrison) e “Besame Mucho”, entre tantas...

Na época os “Beat Brothers”, The Beatles depois, apenas acompanhavam o cantor Tony Sheridan, o nome do grupo mal aparecia no cartaz anunciando o evento... Agora em 2011, anunciado para o dia 08 de novembro, deve sair uma edição especial com dois CDs com a gravação completa “The Beatles with Tony Sheridan: First Recordings”, de acordo com o site da revista Variety.

Todas as preciosidades anunciadas estão lá, o baterista é ainda o Pete Best que foi substituído por Richard Starkey (Ringo Starr) a partir da primeira gravação do primeiro disco dos Beatles.

Os dois CDs que serão lançados agora trazem as fotos tiradas por Astrid Kirchner, que acabou ficando noiva - na época – do Stuart Sutclif (que acompanhava os Beatles, tocava baixo no grupo, e que acabou ficando na Alemanha quando os Beatles retornaram... Posteriormente morreu de aneurisma cerebral) que era muito amigo do John Lennon e sua morte causou uma comoção...

A música “Besame Mucho” é da compositora e intérprete, Consuelo Velásquez.

Foi professora de piano já aos 15 anos. Aos 16 compôs este bolero “Besame Mucho”, sua criação mais conhecida. Seguiram-se outras, entre elas, destaque para “Cachito” que foi gravada por Nat King Cole.

Nascida no dia 29 de agosto de 1924 na Ciudad Guzmán (Zapotlán El Grande) no México e faleceu em Cidade do México em 2005. (Olsen Jr.)

30.10.11

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ENTARDECER NO SAMBAQUI

Fotos: Celso Martins (29.10.2011)
















26.10.11

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T E M P O

(E os 15 minutos de fama)


Por EMANUEL MEDEIROS VIEIRA

Arte: Uelinton Silva. Base: Imagem de Karl Dolenc/iStockphoto



Um homem sensato acreditará que é mais importante o que o
destino lhe concedeu do que o ele lhe negou.” (Baltasar Gracian)



Vivemos num tempo de enorme velocidade e de escassa concentração.

Tudo parece descartável, como as engenhocas eletrônicas que tantos amam.

Pois se você não tem uma vida interior profunda, vai buscar no “exterior” o que não consegue dentro de si.

Tem medo de sua própria interioridade.

Buscará o que não tem de si, “saindo de si mesmo”, em festas e baladas contínuas, em drogas de todas as espécies.

Não digo nada de novo? Eu sei. Parece platitude sentimental? Paciência.

É o chamado mecanismo de alienação (no conceito usado por Marx).

“Transfiro” para a vida dos outros (celebridades, cantores famosos) a minha própria vida. Renuncio a ela.

Cristo se recolheu no deserto para pensar.

Buda também.

E apesar de todo o maquinário, poucas vezes as pessoas pareceram tão solitárias e tão pouco solidárias.

É preciso começar lá de baixo.

É necessário educar nossos filhos desde cedo.

Não há milagre. É trabalho lento, paciente, difícil. Que não cessa.

Mas as pessoas preferem os tais 15 minutos de fama.

E depois? O que resta?

As meninas querem serem modelos, garotas do “Fantástico”, e os garotos jogadores de futebol.

É importante que nos fixemos em outro tipo de “tempo” (que fica internalizado através da memória).

Um tempo que deixe para os jovens o que Italo Calvino deixou escrito sobre essa “rapidez” deste milênio:

O tempo que importa é esse: “O tempo que flui sem outro intento que o de deixar as ideias e sentimentos se sedimentarem, amadurecerem, libertarem-se de toda a impaciência e de toda contingência efêmera.”

(Salvador, outubro de 2011)

Arte: Uelinton Silva

24.10.11

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Emanuel manda notícias
Olsen, Jobs e os Beatles
Imagens dos pinheirais


Traços da paisagem no Oeste. Irani-SC. Fotos: Celso Martins

STEVE JOBS E OS BEATLES

(Primeira parte)

Por Olsen Jr.

Recebo um texto de Renato Cruz, do “Estadão” falando do recém falecido Steve Jobs e associando-o a movimentos típicos da contracultura, afirmando que fez uma viagem à Índia (para conhecer o guru Neem Karoli Baba), participou de sessões de terapia do grito (no Centro Zen de Los Altos) e defendeu o uso do LSD afirmando que foi “uma das duas ou três coisas mais importantes que fez na vida”.

Coincidências à parte, a vida de Jobs (que nasceu em 1955) vem colada a existência dos Beatles...

Foi o dentista de George Harrison que estava com John Lennon (acompanhados de suas esposas) na primavera de 1965, quem adicionou uma droga no café de ambos, sem que soubessem, iniciando-os no ácido lisérgico... Eles acreditaram que estavam “ficando loucos”... Mas o “Dr. Robert” foi homenageado em uma bela canção.

Em 1968, os Beatles foram para Rishikesh, Uttar Pradesh, na Índia estudar Meditação Transcendental com o Maharishi Yogi.

Após a experiência no Ashram do Maharishi, os Beatles fundam naquele mesmo ano, a Apple Corporation (Apple Corps.) da qual a Apple Records viria a ser o braço melhor sucedido.

O primeiro disco com o novo selo, a maçã verde, foi um compacto com “Hei Jude” no lado “A” e “Revolution”, no “B” (está aqui comigo, em 45rpm). A boça era: no lado “A” a maçã estava inteira, no “B” ela vinha cortada ao meio.

Em 1970, John Lennon participou sob a orientação do Dr. Artur Janov, de uma experiência do autoconhecimento chamada de Teoria do Grito Primal. O grito como sugere a técnica para libertar o indivíduo de traumas de infância, no caso de Lennon, o abandono pelo pai e os distúrbios mentais da mãe. Daí saiu dois álbuns: “John Lennon/Plastic Ono Band” e “Imagine”, este último, um fenômeno de vendas.

A Apple Computer foi criada por Steve Jobs e outros, em 1976.

A Apple dos Beatles é britânica; a Apple do Jobs é norte-americana.

Neste momento só pretendi mostrar que embora Steve Jobs tenha feito como ninguém a ponte entre a contracultura beatnik (da qual fez parte tardiamente) que até hoje tem como referência a Livraria City Lights (fundada pelo poeta Lawrence Ferlinghetti ainda em atividade no alto de seus mais de 90 anos) em San Francisco e os nerds que deram origem à era digital (nas garagens do Vale do Silício) na California com um estilo de vida criativo e autossustentável, em termos de comportamento ele “bebeu” muito nos Beatles, tanto que chegou a nomear a empresa que ajudou a criar com o mesmo nome: Apple e, como se não bastasse, com o mesmo logotipo: uma maçã verde!






O papel de Tony Sheridan

O cantor britânico Tony Sheridan que foi o primeiro artista a tocar uma guitarra elétrica num programa ao vivo da TV britânica, final da década de 1950 e que excursionou com cantores norte-americanos, entre eles, Gene Vicent e Eddie Cochran e também em uma de suas exibições em Hamburgo, contou com uma banda de apoio que ganhou notoriedade, posteriormente, como The Beatles e por quem os “rapazes” como eram conhecidos, sempre tiveram apreço, gravou a música do folclore americano chamada “My Bonnie”...

O disco com outras composições incluindo Tony Sheridan e os Beatles saiu pela Polydor em 1961...

Esta relíquia que está aqui comigo, traz também a única música que os Beatles fizeram e que não tem letra, um solo de guitarra do George Harrison chamado “Cry for a Shadow”... (Mas essa já é outra história)...

Curioso é que foi por causa da música “My Bonnie” que o empresário Brian Epstein descobriu os Beatles...

Ele tinha uma loja de discos e se ufanava de ter tudo o que se procurasse, com o slogan “se não tiver, nós conseguimos”...

Logo depois da primeira excursão dos Beatles (acompanhando Tony Sheridan) em Hamburgo...

Houve uma procura avassaladora por uma música chamada “My Bonnie”, com os Beatles...

Aí, Mr. Epstein foi atrás, descobriu os quatro rebeldes num local chamado “Cavern Club” e o resto, bem o resto nós já sabemos...

Eles pegaram aquela música que todos cantavam na primeira aula de inglês do ginásio, para exercitar a pronúncia e para tornar o aprendizado mais fácil e, em ritmo de rock, está aí... (Olsen Jr.)

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EMANUEL
MANDA
LEMBRANÇAS


Dileto amigo Celso
(Emanuel Medeiros Vieira)

Chega de fundamentalismos.
O fundamental é a gente.


Queria fazer um relato da minha viagem (luminosa e bela) e de minha mulher à Europa.
Será apenas um resumo fragmentário e incompleto.
Foram 15 dias, de 4 a 18 de outubro. Chegamos na terça-feira, dia 18.
De ônibus, fomos de Lisboa a Paris.
Mas sem agonia, parando, dormindo em vários lugares, aprendendo, batendo perna (como andei!), amando.
Em Lisboa, estive pela terceira vez: bondes, caminhadas, Chiado, Rossio, Belém. Que beleza andar em ruas conservadas, em calçadões, visitando igrejas góticas.
No fundo, o estilo gótico, com aquela "imensidão" e a "altura" (algumas igrejas demoraram 200 anos para serem construídas) querem revelar a nossa finitude, a nossa “pequeneza” DIANTE DO INFINITO E DE DEUS.
Celso: fui convidado a falar na monumental Igreja de Santo Antônio, de Lisboa, perto da Catedral.
É claro: defendi o humanismo, o pluralismo e a tolerância.

Uma belíssima Procissão das Velas, em Fátima - que mesmo um marxista, como Luchino Visconti, gostaria de filmar.
Dormimos em Fátima. Depois, Braga, Nazaré.
E é de arrepiar: Santiago de Compostela.
Compostela é o terceiro maior centro de peregrinação cristã do mundo, depois de Jerusalém e de Roma.
A Catedral é do século XI, construída em homenagem ao apóstolo Tiago.
Uma cidade também universitária, com estudantes do mundo todo. Peregrinos chegando sem parar.
Belíssima e cosmopolita.
(Com 20 anos "de novo", gostaria de estudar lá.)
É monumental. Visitamos a cripta, onde estão só restados de São Tiago e seus discípulos.
Mais tarde: Oviedo, antiga capital das Astúrias.
Visitamos o belíssimo (pouco conhecido) Santuário de Covadonga.
Bordeaux, Tours (esta cidade, foi o principal centro religioso durante a idade Média, com peregrinações vindas para adorar a Tumba de Saint Martin) - porta de entrada ao Vale do Loir.
Paris: é preciso um texto especial.
Andando de metrô, a pé, de bonde, revistando um bairro que amei muito: Montmartre, as igrejas de Sacre Couer, Madaleine e outras.
Um belo passeio de barco pelo Sena.
Na primeira vez, aos 30 anos, fui no inverno europeu, fugindo da ditadura brasileira.
Mas, Celso (estás "também" em Santo Antônio): queria dizer que "discursei" na monumental Igreja de Santo Antônio, em Lisboa, perto da catedral da cidade, defendendo o humanismo e a tolerância.
Repito: Paris ficará para depois.
Bati muita perna e revistei um lugar que amei muito: Montmartre, caminhando muito também às margens do Sena, percorrendo a cidade de metrô, de ônibus de linha, de bonde. E sola de sapato...
Não esquecendo de Madaleine, da Sacre Coeur, do Louvre, hierarquizando os locais que me interessavam mais, lembrando da visita no inverno europeu de 1976.
É pouco e fragmentário o que escrevi? É.
Mas queria falar da luz que foi irradiada, da bênção que me foi propiciada. É pouco. Mas também "muito".
Perdoa, amigo, o lugar-comum: sinto cada vez mais que a vida é uma dádiva, mesmo tendo plena consciência desta finitude, das injustiças, da inveja e das deslealdades. Mas a gente se "blinda" e isso tudo fica menor.
Acordo e agradeço. Mais um dia! Mais um!
Quem enfrentou a ditadura militar e uma jornada hospitalar na qual se esteve desenganado, entenderá o que escrevo.

Repito Leminski: "Escrever é só uma das coisas que o ser humano sabe fazer. E eu me sinto mais humano depois disso." Um abraço fraterno e saudoso do Emanuel.

(Emanuel Medeiros Vieira - outubro de 2011)

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TAPIOCA
BALANÇA MAS NÃO CAI.
(NÃO?)


Por Emanuel Medeiros Vieira


O escândalo do ministro Orlando Silva e do PCdoB não acabará em pizza.

Vai acabar mesmo em tapioca...

(Rememorando: lembram-se quando o ministro pagou uma tapioca com cartão corporativo do governo?)

Orlando Silva pode continuar: mas será um “pato manco”, como se diz na política norte-americana, totalmente desmoralizado e fragilizado.

A pergunta que se faz sempre: o que leva um homem a renunciar à dignidade e à auto-estima para se manter no cargo?

Claro, o poder. Mas que poder?

Agnelo Queiroz – atual governador do Distrito Federal – a gente já conhecia bem.

Como lembra Janio de Freitas, a primeira trama para desvio de verba pública, por meio do programa Segundo tempo, é de seu período como ministro.

Durval Barbosa, o delator do mensalão do finado DEM, em Brasília, apresentou todas as provas de corrupção em primeira mão para Agnelo.

O que o levou a ficar calado, a não denunciar a quadrilha à Polícia Federal e ao Ministério Público? Mistérios...

É claro: a guarda pretoriana do PT desqualifica o acusador e não investiga as denúncias.

A sucessão de escândalos teria deixado a sociedade anestesiada?

Mas percebemos focos organizados de repulsa. Basta!

E O GOVERNO DA BAHIA...

O governador baiano, Jacques Wagner e sua equipe (que vivem no mundo virtual da propaganda maciça – ACM fez escola...) prometeram mundos e fundo aos baianos, sobre o circo da Copa do Mundo de 2014.

Wagner e companheirada ficaram mal após o anúncio da Fifa sobre as subsedes da Copa e da Copa das Confederações.l

Criou uma Secretaria Especial para a Copa (Secopa), vendeu a ideia de que a Fonte Nova era o estádio com a reconstrução mais avançada do País, fez a campanha Abre a Copa Salvador, realizou seminários em locais distantes do palco dos acontecimentos, como Juazeiro e Vitória da Conquista, como lembra o jornalista Levi Vasconcelos.

Resultado?

Salvador não foi escolhida sequer para os jogos da Copadas Confederações, em 2013, pela qual brigou para sediar a abertura.

Comentam que na Copa, a capital baiana terá três jogos de seleções mixurucas.

E o governador se gaba de sua amizade com Lula e Dilma...

Triste Bahia!

(Salvador, outubro de 2011)


17.10.11


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A CRÔNICA DO VIKING
E O LABOR DA GRALHA


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Dia chuvoso em Sambaqui.

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NUNCA MAIS

Por Olsen Jr.

Estou em casa, tendo a minha frente à imensa varanda, e aos fundos, a Lagoa da Conceição. Fim de tarde, a placidez daquela água ali em frente me empresta uma sensação de paz. Estou pensando em como é bom ser brasileiro, catarinense, morar em Florianópolis, na Lagoa da Conceição, Avenida das Rendeiras, beco dos Poetas... Quando descubro que estou sentindo algo que nunca havia sentido, embora nada tenha mudado na minha vida nos últimos cinco anos, a não ser, claro, o que de fato me prostrou ali, como um exilado em minha própria terra, mas isso já passou, penso, ou deveria ter passado. Subitamente, uma sensação de que tenho uma casa, um lar, uma família, pô! Mas o que se passa? Lembro de Ortega Y Gasset - "no sabemos lo que nos pasa y eso es lo que pasa" - e tenho a consciência de que estou sendo enganado pelos meus próprios sentidos.

Alguma coisa mudou, sinto, é só isso, mas o que? De repente, meus olhos se detêm em uma cadeira solitária ali na varanda. Acredito, minha filha deve tê-la trazido enquanto lia o indefectível Stephen King (é duro competir com a "rapaziada" que detém a fórmula, o marketing e o monopólio do "gosto" universal, mas é a vida) e esqueceu-a ... não podia ser outra coisa. O fato é que a cadeira vazia num ângulo de 45 graus, voltada para a Lagoa da Conceição, como se alguém a tivesse abandonado recentemente, talvez, para buscar um café, um chá, ou simplesmente para ir a algum lugar com a intenção de voltar logo... Aquela cadeira estava fazendo toda a diferença. Nunca tinha percebido o quanto de "doméstico" tem uma cadeira sozinha numa varanda num final de tarde, é como diria o Sartre, é preciso que se repita de uma só vez "uma cadeira sozinha, numa varanda, num final de tarde, num domingo" poderia acrescentar-se na casa do "poeta" na Lagoa da Conceição... Mas é outra história, desgraçada de cadeira, tinha que me fazer lembrar que já tive uma casa, um lar, uma família... pô! Por que nós humanos temos essa coisa de "sermos" o somatório de nossas lembranças? Por que temos que carregar o "nosso" passado para onde vamos? Por que diabos uma desgraçada de uma cadeira sozinha numa varanda evoca toda uma vida? E por que tinha de ser comigo? Por que não é com aquele bestalhão que entra de moto aqui no beco todos os dias, fazendo barulho e acabando com a harmonia do dia? Talvez porque ele seja apenas um bestalhão... a noite vai tomando conta de tudo e continuo ali na varanda contemplando aquela cadeira, não tenho iniciativa para arredar o pé dali, sua presença já evocou toda a minha vida, o som do último CD de George Martin com as músicas dos Beatles me mantém ligado, a canção "Ticket to Ride" com as "Meninas de Petrópolis" alimenta a minha nostalgia. Fecho a porta porque já não suporto mais aquela viagem solitária. Desligo o som porque preciso me sentir, saber que existo, além daquele passado que não me abandona... Depois sinto baterem na vidraça ali na sala, aproximo-me com temor, estou no segundo andar, vejo um vulto escuro, parece uma ave negra, um bico insistente no vidro da janela... Penso em Edgar Allan Poe, na felicidade, e percebo um ruflar de asas e um grasnar repetindo... "Leonor" ou "never more!"





Sobre “Without You”

A música é esta “Without You”, do Badfinger (Peter Ham e Tom Evans), na interpretação mais intimista, altamente emocional num crescente, de Harry Nilsson...

Em 1966 o jovem compositor Harry Nilson já tinha músicas interpretadas por Fred Astaire,

Yardbirds e também pela banda americana The Monkees...

Também fez várias trilhas para filmes, na televisão e cinema. Destaque para “Midnight Cowboy” com “Everybody’s Talkin” (1969).

Quando os Beatles lançaram em 1968 a “Apple Corp.” John Lennon
foi instigado em uma entrevista a citar o seu artista americano favorito e não hesitou, disse logo Harry Nilsson...

Na mesma entrevista, Paul McCartney quando indagado sobre qual era sua banda americana favorita, afirmou: Harry Nilsson...

A interpretação de Nilsson nesta música lhe rendeu o segundo

Grammy Award considerado o Melhor Vocal Pop por “ Whitout You”, de 1972. (Por Olsen Jr.)

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O labor das gralhas


Outubro chega e as gralhas-azuis começam a preparar seus ninhos para a reprodução. Os galhos são escolhidos com paciência, quebrados e levados até as copas das árvores.




Esperando as gralhas.

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A chuva regando as folhas do araçá. Fotos: Celso Martins

13.10.11

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Dois imortais
OLSEN Jr. e
AMÍLCAR NEVES


Textura. Foto: Celso Martins

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QUASE COMPLÔ!

Ilustração: Uelinton Silva

Por Olsen Jr.

Na minha infância quando as “coisas” não iam bem era comum se ouvir a expressão “Quando o circo vai mal até o anão cresce”. Em outras palavras, quando você imagina que nada mais pode acontecer, ainda assim, alguma coisa acontece... Ah! Quase esqueço e acrescento, para pior!

Parece mentira ou algo de quem possui imaginação, mas a realidade está constantemente competindo com a nossa capacidade criativa. Vejamos, esperei a minha vida toda para encontrar uma “agente literária” (por que somente mulheres se dão bem nesta área é algo para ser discutido outro dia) e, finalmente, quando menos esperava, embora estivesse atento sempre, eis que “ela” se apresenta.

Por e-mail digo da minha satisfação por estar em contato diretamente com ela e gostaria de conversar... Ela me responde afirmando que para não “ficar só na conversa” eu poderia enviar uma coleção dos meus livros para serem avaliados e uma síntese de cada um, assim já ganharíamos tempo...

Apreciei aquela desenvoltura e vou atrás das obras. Algumas (pelo menos três) estão esgotadas e aí me ocorreu procurá-las nos sebos aqui da Capital. Depois de alguns dias, consigo recuperar duas delas e a terceira, pego da minha coleção particular para não atrasar o processo. Junto com as outras quatro, num total de sete, tudo arrumado numa caixa de sedex, anexo uma carta com uma pequena sinopse de cada livro e no dia 13 de outubro de 2011 despacho na agência da Lagoa da Conceição.

No final daquela tarde, celebrando o fato de que só na metade da minha existência (sou um otimista) estava dando, finalmente, um encaminhamento científico para a minha carreira literária, fui celebrar sozinho bebendo um espumante (ver Blog Enoteca Le Pic) e saborear aquele acontecimento.

Não comentei com ninguém porque era apenas o início do que se poderá constituir uma grande parceria.

Na manhã seguinte abro os jornais e me deparo com a Greve dos Correios... Quase 30 dias depois e a paralisação perdura.

O pessoal do Correio me pergunta (via e-mail) o que penso da greve, respondo:

A "greve" é um direito democrático e estou solidário, espero que desta vez o pleito seja atendido e tudo volte à normalidade... Enviei um sedex (protocolo SZ904391519BR) era algo importante e urgente... Bem a encomenda ainda não foi entregue embora já esteja na cidade do destinatário... Como disse, estou solidário com a Greve, talvez o coletivo deva prevalecer sobre o individual, neste caso, o meu problema é o menor... Sorte para vocês...

Parece um complô... Aconteceu o mesmo com os bancos... Com o Detran, com a saúde, com os professores... Todo mundo fazendo greve simultaneamente... Alguém me alertou, mas tem um lado positivo, ainda bem que a AMBEV é uma empresa privada... Está bem, a boemia está salva, menos mal!





Sobre Bridge over troubled water

A música é esta “Bridge over troubled water”, da dupla Simon & Garfunkel.

Paul Frederic Simon e Arthur Ira Garfunkel são amigos desde os tempos de escola.

Simon era filho de um professor universitário e também músico e a mãe professora primária. Formou-se em literatura.

Garfunkel era filho de uma dona de casa com um caixeiro-viajante. Ganhou um Bachelor of arts grau com especialização em história da arte e também era mestre em matemática. Foi ator.

Ambos se conheceram na interpretação da peça “Alice no País das Maravilhas”. O gosto pela música foi despertado quando Simon ouviu Garfunkel interpretar “Too Young”, de Nat King Cole num show de talentos da escola.

Eles fizeram uma parceria que produziu grandes sucessos, “America”, “I’m a Rock”, “The Boxer”, “Sound of Silence”, entre outras.

Lançaram num total de seis discos. Todos ganharam “Discos de Ouro” por recordes de vendas.

Nas composições há uma sensibilidade para as contradições do homem urbano e que explica o sucesso da dupla. Iniciaram a caminhada no início dos anos 1960, influenciados por Bob Dylan e também pela dupla “Everly Brothers” conseguindo harmonizar o folk e o rock.

Estão na estrada até hoje, com shows beneficentes e outros reunido multidões como o feito no Central Park em Nova York em 1981. (Olsen Jr.)

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Morar num shopping

Ilustração: Uelinton Silva


Por Amílcar Neves*

Começou a se incomodar com aquele negócio de cortar a grama duas vezes por mês. Pagava para o Gumercindo fazer o serviço, sentou, fez as contas e viu que era mais barato comprar uma máquina e ele mesmo aparar o gramado. Até uma terapia, como de fato foi no início. Depois virou obrigação, e aí é como ir trabalhar com horário fixo e ter um chefe fungando na nuca. Tinha a mulher, que não tolerava mato no quintal, folha alta demais saindo do chão. Chovesse ou fizesse sol, no frio invernal ou no calor infernal, tinha a grama para cortar a cada 15 dias.

Impermeabilizou o terreno ele mesmo, após umas buscas na internet, a compra de pisos cerâmicos, de cimento cola, de rejunte e de uma cortadeira elétrica de azulejos. Semanas de labuta seguindo o manual que imprimiu no escritório, lá eles têm papel que nunca acaba e tinta de impressão à vontade. E a qualidade profissional que sai daquela impressora. Aproveitou para aterrar a piscina, cobrindo o local com um piso azul cinzento em memória do equipamento de lazer que, nos últimos tempos, não foi mais usado e só dava uma trabalheira insana para deixar a água nos padrões mínimos de sanidade com químicas e produtos caríssimos.

Seu quintal ficou uma beleza, lisinho e brilhante, zero de grama, tendo sobrevivido apenas uma pitangueira, uma goiabeira e uma ameixeira. As duas primeiras emporcalhavam o chão: metade do ano com folhas, a outra metade com frutos enjoativamente maduros. A ameixeira juntava morcegos como um hotel de alta rotatividade. E os bichinhos não paravam de lambuzar tudo em sua incontinência intestinal. Um fedor, a mulher não se conformava, abateu as três árvores e tapou com restos de piso o que restava de terra à vista em sua casa.

O diabo, porém, são os vizinhos. Não adianta falar, pedir que cuidem das folhas geradas em seus quintais e das sementes de todos os tipos que as plantas largavam do outro lado do muro. Ia-se solicitar providências e eles riam, primeiro pelas costas, a gente sabe, depois na cara mesmo. Morar em casa e reclamar da sujeirinha que os gatos alheios fazem de noite no quintal, eles falavam, melhor então mudar para um apartamento.

Quando um vizinho sugeriu que o denunciassem à secretaria do meio ambiente e o processassem na Justiça porque se recusava a abater uma araucária estéril que tinha, decidiram, ele e a mulher, que chegara a hora de partir, venderam a casa, aplicaram o dinheiro e escolheram um shopping para morar.

Num grande centro de compras tem-se de tudo e não se precisa levar quase nada para lá: cafés para um farto desjejum, bancas com jornais e revistas de todo o país, televisões ligadas por todos os lados, praça de alimentação tão variada que se pode passar meses sem repetir cardápio, os lançamentos do cinema internacional, lavanderias, bancos, banda larga gratuita, serviço de cerzidos, academia, agência de turismo para o caso de uma viagem de férias e segurança quase absoluta. Há uma farmácia para tratar de resfriados e cefaleias, banheiros sempre limpos e uma livraria para abastecer-se de livros de autoajuda, com frases inteiras que ele sublinha e destaca como orientação para sua vida particular, dele e da mulher, e como subsídio para sua atividade profissional.

Quanto ao verde, o mais próximo que eles chegam é das árvores de Natal, que não largam folhas nem abrigam bichos que sujam. Vivem muito felizes morando no shopping de sua eleição: não tem igual, proclamam, satisfeitos da vida, e não tem vizinho por perto.

*Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados, membro da Academia Catarinense de Letras. Crônica publicada na edição de 12.10.2011 do jornal Diário Catarinense (Florianópolis-SC). Reprodução autorizada pelo autor.

7.10.11

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O carreiro de Santo Antônio e
o
Cidadão comum de Olsen Jr.


Enclosed Field with Ploughman/Van Gogh. Fonte: Domínio Público


Santo Antônio terá neste sábado
1º Encontro de Carreiros de Boi

Um desfile carros de bois e apresentações de violeiros marcam o 1º Encontro de Carreiros do Distrito de Santo Antônio de Lisboa que acontece neste sábado (8.10). A largada será às 7 horas no Engenho dos Andrade (Caminho dos Açores, nº1180). No trajeto em direção à Barra do Sambaqui outros carros de bois irão se incorporando.

Na Barra do Sambaqui serão recebidos pela família do comerciante Carlito da Luz com um café da manhã, junto os carreiros locais. Nesse momento todos os participantes estão reunidos.

Em seguida haverá o deslocamento até a Casa Paroquial em Santo Antônio de Lisboa, no início da Praia Comprida/Caminho dos Açores, com chegada prevista para as 10 horas. No local haverá infra-estrutura para um grande churrasco, animado com modas de viola e canções caipiras.

“É a primeira experiência que estamos fazendo. Esperamos que a iniciativa possa ganhar corpo”, assinala Cláudio Andrade, presidente da Associação de Moradores de Santo Antônio de Lisboa (Amsal) e coordenador do Encontro junto com Beto Andrade. “É um embrião de evento que vai definir seu perfil pelos interesses e gostos dos participantes”, complementa.

O evento encerra o Circuito Cultural do Distrito de Santo Antônio de Lisboa “De Coração Aberto”, iniciativa da Amsal com o apoio da Prefeitura de Florianópolis.

INGRESSO: Aquisição de camiseta do Encontro a R$ 10,00.

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CIDADÃO COMUM

Por Olsen Jr.


Indague para qualquer pessoa quando ela estiver “down” (como dizem lá na matriz) o que é necessário para alguém ser feliz? Você ficará surpreso com as respostas. A maioria dirá que se precisa de pouco: salário, carro, um “cantinho” para chamar de seu... E até aquela ex-modelo no alto da experiência de seus 21 anos afirmando que “se estou apaixonada moro até embaixo da ponte”.

Curioso é que “Ela”, esta “felicidade”, sempre vem associada a um “ter” qualquer, como no exemplo, mas nunca a um “ser ”que poderia ser compartilhado. O fato é que este estado de espírito ou de “alheamento” se preferirem, precisa de uma sustentação (evito falar em dinheiro) porque não há paixão que resista a ausência de condições materiais... A moçoila que no dizer do Cartola “Mal começaste a conhecer a vida”, apesar do romantismo implícito, está condenada.

Uma vida é composta de momentos, do somatório deles... Juntando-se aí, bons e maus... O enfrentamento de ambos com a nossa capacidade esgrimir com situações antigas e novas... O colorido pode (ao menos deveria) estar nos detalhes, o sorriso, um afago, aquele abraço, no aperto de mão, na empatia sincera de se por no lugar do outro no momento do desamparo e na valorização do que cada ser é... Porque ninguém é bom o tempo todo e poucos são ruins sempre.

Há alguns momentos em que você consegue reconciliar-se com a própria natureza e a outra, uma enlevação interior plena a ponto de dizer “o mundo poderia acabar agora e estaria bem” mesmo sabendo que tal fato poria um fim àquela plenitude. Esta conjunção existencial que possibilita o êxtase pode ser construída, requer para tanto uma consciência sem a qual o ato em si não faz sentido. Não se trata de conformismo, mas de uma trégua ou um armistício com a vida.

Reconhecer estes momentos quando se compartilha deles em grupo é uma arte. Na família se pode constatá-los com maior frequência. Mesmo nas altercações porque todas as pessoas trazem dentro de si uma fera que está encarcerada e que sem o perceber vamos alimentando enquanto vivemos. Um animal que se contenta com pouco. Tudo o que vamos sublimando durante a nossa existência lhe serve: o ódio, rancores, egoísmos e uma memória que não permite o arrefecimento dos sentidos e quando uma realidade reproduz a situação que lhes engendrou, é como abrir a jaula e a fera toma conta... Poderíamos domá-la fazendo com que esta animália se tornasse uma companheira de jornada e não uma algoz... Bastaria que assumíssemos as fragilidades humanas (que nos distinguem dos outros bicho na natureza) que todos carregamos e (só que ao contrário deles) ainda podemos continuar procurando, quem sabe “Ela” (não a fera), a tal felicidade, esteja por aí a espreita para nos poupar de novas buscas?





Sobre a música

A música é esta “It’s too late”, da Corole King...

Ela produziu grandes clássicos da música popular. Agora em 2011 está fazendo 40 anos do lançamento do disco “Tapestry” , dado ao público em 1971 e que faturou quatro Prêmios Grammy: o álbum do ano, melhor performance vocal pop, a gravação do ano (música “It’s too late”) e também a canção do ano (“You’ve got a friend’), permanecendo 15 semanas em primeiro lugar na parada norte-americana.

Deve-se a Carole King a instituição e a criação de raízes no estilo hoje definido como Singer/songwriter “então baseados em escolhas de melodias simples e levemente adornados de pop/rock”, segundo a crítica especializada.

Em parceria com o marido, Gerry Goffin, escreveram e emplacaram vários hits, entre eles a música “Chains” que foi gravada pelos Beatles no disco “Please, please me”.

Neil Sedaka fez a música “Oh Carol” (1959) para homenageá-la quando Carole King tinha 17 anos, só uma curiosidade. (Olsen Jr.)

5.10.11

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Detalhe de uma bromélia caseira. Foto: Celso Martins


Um cenário

Por Amílcar Neves*

Cocal do Sul, SC - O Bin Laden Guinchos situa-se logo após a ponte sobre o Rio Cocal, à esquerda de quem sai da cidade em direção a Urussanga pela rua principal, com a qual se confunde a rodovia estadual enquanto corta o perímetro urbano. Na manhã modorrenta de domingo, alguns carros passam sem olhar para os lados. As motos também cruzam o rio, mas só olham para as moças, quando as há por ali: nem todo mundo está na rua, apesar do clima morno e sonolento de início da primavera.

Na véspera houve, na cidade, uma reunião de mulheres Osórias, primas entre si vindas de todos os municípios do Sul do Estado (à exceção de Imaruí, onde não vingam Osórios de quaisquer gêneros): muitas não se viam há anos, décadas até, e tinham muito a se conferir e se contar. A tarde e a parte da noite destinadas ao evento foram insuficientes para colocar os assuntos em dia. Todas as tardes e noites da vida nunca serão bastantes para dar conta de tamanha tarefa.

Na casa ao lado do encontro Osório, uma festa de aniversário tomou a tarde de sábado com parabéns entusiásticos renovados a cada convidado que chegava: um pai, uma avó, uma madrinha. O casal mirava com carinho e atenção o aniversariante, seu irmãozinho e os amiguinhos que acorreram: tanto a mãe dos dois pequenos, separada do pai deles que, dizem, a espancava, quanto a sua amada companheira, uma mãezona para as crianças.

Tomando à esquerda em ângulo reto logo após o Bin Laden Guinchos (haverá lá uma Bin Laden Demolições?), cruza-se adiante o mesmo Rio Cocal, que confirma seu caminho pelo relevo ondulado do lugar. Debruçando-se alguém sobre o parapeito desta segunda ponte, haverá de ver um pequeno remoinho com muitas penas brancas e, de permeio, umas vísceras cruas (supostamente de ave) girando em círculo na água. Vem de baixo um cheiro desagradável. Não convém meter o nariz ali.

Próxima à margem oposta, uma pequena construção, um dia modesta casa de material, teve a porta e as janelas da frente, de contornos ainda aparentes, lacradas com alvenaria. A parede resultante da operação foi pintada com tinta escassa e diluída que deixa ler o nome de uma sorveteria. No lado que dá para o rio, duas aberturas apenas: uma janela de venezianas hermeticamente fechadas e uma porta, já perto da parede dos fundos, aberta de todo. Aberta, permite ver pessoas em atitude de respeito, de pé desde a parede de trás, voltadas para a frente da casa e seguindo os gestos de um suposto celebrante.

Duas quadras além, a Rua Tubarão termina junto ao mesmo Rio Cocal, bem ao lado da Sociedade Recreativa Cocal do Sul, um largo prédio meio abandonado, meio em reformas, que ostenta a vistosa placa de um convênio com a Secretaria Estadual do Bem-Estar da Família. À margem do rio, leivas recém-colocadas e, a espaços regulares de menos de dois metros, buracos abertos na grama logo antes da chuva da véspera feitos como para instalar postes de luz. Abaixo, em espreita, o rio continua passando.

No jornal local, a manchete e a notícia: "Dono de bar é morto a facadas em Cocal do Sul - Aldoir Anga, de 46 anos foi morto com quatro facadas no próprio bar na tarde de ontem (29)..." Indignada, Samanta S. diz que é tudo mentira e escreve: "o nome dele não é esse a idade dele não é essa ele não é dono do bar e a causa não foi essa quando não tiver certeza não falem do assunto ha e não foi quatro facadas". Aldoir talvez tenha se safado dessa.

Tudo leva a crer que algo está para explodir de súbito na manhã bucólica de domingo.


*Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados. No dia 26 de setembro de 2011 foi eleito para a cadeira nº32 da Academia Catarinense de Letras (ACL). Crônica publicada na edição de hoje (5.10) do jornal Diário Catarinense (Florianópolis-SC). Reprodução autorizada pelo autor.

2.10.11

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PASSADO1

PASSADO

Por Emanuel Medeiros Vieira*

O passado está aí,
não se foi,
não se vai,
não quer partir.

(Um dia – quando se for – nada mais importará.)

Nele estamos atolados.

Estamos?

O presente é fragilidade
O futuro: velhice e morte.

Sempre queremos alguém (que nos importe/nos ame) quando anoitece.

E quando amanhece, aspiramos um sentido, foco, projeto – que a vida valha a pena, não seja carbono de ontem.

Meu pai – olhar principesco e generoso – está na soleira da porta.

O que é uma ponte?

É um homem numa ponte.

(Alguém já escreveu isso – ninguém é o Adão literário).

Comigo – na noite, no vento, contemplando o mar –, caminham os poetas que “pilhei”.

(Salvador, outubro de 2011)

*Estimado amigo Celso
Saudações, saudades.
Não desapareci.
Passei uma longa temporada em Brasília (longe do poder, longe da capital tão estigmatizada, com pessoas queridas, revendo amigos, fazendo algumas tarefas, dando uma longa entrevista para a TV Legis, que não assisti ainda ) SEM INTERNET. Não tenho computador portátil.
Resolvi, abandonar o celular. Já não usava. Dei para a minha mulher.
Tenho projetos e vários textos nos quais trabalho para te remeter.
MAS PREFIRO COMEÇAR com um poema inédito (anexo: "Passado1"), que mando em primeira mão para ti [...].
Abração do Emanuel




Flor da casa. Foto: Celso Martins
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Campeche em pé-de-guerra

Comunidade do Campeche indignada com obra sobre as dunas no lugar onde funcionou o Bar do Chico. Passarela de madeira foi arrancada durante passeata. A Prefeitura Municipal de Florianópolis defende e legalidade da obra. Confira o texto da jornalista Elaine Tavares e a repercussão do caso da rede.

Foto: Divulgação/CangaBlog


Comunidade do Campeche faz
ouvir sua voz: cai a passarela


Por Elaine Tavares*

De repente, no meio das dunas, entre o verde da mata e o amarelo da areia começou a crescer um monstro de pau. Misteriosamente vinha de um condomínio de luxo, construído na beira da praia. Por dias, o que se via da areia era uma profusão de madeiras, pregos e homens. A comunidade espiava, no seu jeito ilhéu, cismando. E o monstro vindo.

Então, numa manhã, aquela língua de madeira chegou à praia, destacando-se nas dunas como uma ferida aberta, uma grotesca chaga, um manifesto separatista. Desembocava cinicamente, e sem pudor, no exato lugar onde por anos vicejou o bar do Chico, espaço solidário da comunidade do Campeche, lugar das conspirações, das lutas e das festas populares. O bar que foi derrubado numa manhã chuvosa e gris, sem que as gentes do lugar pudessem fazer nada, depois de levar anos em luta para mantê-lo onde estava. Vieram as máquinas e os homens do poder. “Está sobre as dunas, tem que cair”, diziam.

Agora, o Condomínio Essence, um pequeno monstrengo moderno, de dezenas de apartamentos espremidos entre si, mas de alto padrão, reafirmava seu poder, tripudiando da comunidade na qual pretende incluir mais de mil moradores. O monstro de madeira era uma passarela que ia desde a saída dos prédios até a beira da praia, serpenteando por entre as dunas. Um refúgio seguro para os privilegiados moradores. Uma caminhada de 300 metros sem colocar o pé no chão. A natureza servindo utilitariamente apenas como paisagem.

A comunidade que cismava, decidiu agir. Vieram reuniões, idas aos órgãos ambientais, prefeitura, secretarias. Se o bar do Chico caíra, porque a passarela haveria de ficar nas dunas? “Vai proteger”, alardeavam alguns defensores da natureza. Mas, quem vive no Campeche sabe muito bem o que é que protege as dunas e a natureza. É a gente do Campeche, pessoas que amam o lugar e que amam viver num bairro jardim, onde a natureza não é coisa, é parte de cada um. Esse povo não protege a natureza porque é bonito ver o verde, as dunas e a praia. Protege porque o verde, as dunas, a praia estão entranhados no modo de ser de quem vive nesse lugar, nativo ou não.

Todos os caminhos institucionais foram trilhados, mas ninguém ouviu o clamor. O secretário do “desenvolvimento” ainda ameaçou: “Isso é o futuro. Virão outras”. Isso porque o projeto dessa gente que administra a cidade é fazer uma Florianópolis só para quem pode pagar bem caro por ela. E isso inclui a natureza. Nos enormes cartazes das construtoras, a praia, a areia, o sol, tudo está à venda, incluído no preço. E com um sabor a mais. A pessoa ainda não precisará viver o incômodo de sujar o pé. Pode pegar sua cadeirinha na porta de casa e ir até a beira do mar protegida pela passarela. Haverão de banhar-se?

Na última sexta-feira (30) o povo protestou. Nada aconteceu. No dia seguinte, voltaram as gentes. Desta vem em maior número. Sábado de sol. Praia bonita. Passarela terminada, bem nos destroços do bar do Chico. Era coisa demais. Uma instalação artística re-construiu o velho bar, com uma foto do seu Chico. Alguns choravam. Outros reclamavam, indignados. Então alguém gritou: “ao chão”. O mesmo grito dos homens do poder ao histórico bar numa manhã chuvosa. Mas, nesse sábado, não teve máquina. Teve gente. Teve comunidade. Uma a uma, unidas em pequenos grupos, as pessoas foram arrancando os paus, na mão mesmo, puxando, quebrando, libertando a duna do monstro de pau. Em pouco tempo já havia uma montanha de madeira e o malfadado “deck” já era. Ouvia-se o riso, corriam as lágrimas, palmas. “Foi um dia histórico. A comunidade mostrou que, unida, pode fazer valer a sua voz”.

A passarela foi arrancada da duna, mas a luta não acabou. Essa é uma queda de braço entre dois projetos muito claros: um deles prega o desenvolvimento predador, ainda que só de alguns, os clientes. O outro insiste em manter um modo de vida que avança com o tempo, mas que não destrói. Que preserva cultura, jeito de ser, simplicidade e harmonia com a natureza. É uma batalha titânica que cabe agora ao sul da ilha. O norte já passou por isso e perdeu. Aqui no Campeche, agora que é noite e cai uma chuva fina, as pessoas estão em casa, cismando e fazendo planos. Conheço meus vizinhos e sei: se depender de cada um, a passarela não volta mais.

*Elane Tavares é jornalista



Repercussão do caso

Blog Jacko Campeche
Empreendimento imobiliário avança sobre as dunas na Praia do Campeche

CangaBlog (1)
Comunidade do Campeche acaba com passarela do Essence

CangaBlog (2)
O implacável futuro chegou ao Campeche

No ClicRBS
Moradores do Campeche fazem segundo protesto contra construção de passarela em APP - Deck fica no local onde funcionava o Bar do Chico, demolido por falta de licença ambiental. PMF defende legalidade da obra. Confira.