24.4.12


CENTRO INTEGRADO DE CULTURA (CIC) OCUPADO POR PRODUTORES CULTURAIS INDIGNADOS COM O GOVERNO DO ESTADO. Saiba mais no Daqui na Rede e no blog do Movimento Ocupa CIC.

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 Paraíso dos fotógrafos

Sambaqui e Santo Antônio de Lisboa, com sua gente, o casario, a natureza e a luz, atraem fotógrafos profissionais para os mais diferentes tipos de trabalhos. Foto: Celso Martins (22.4.2012)

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20.4.12

 
 
 
 
                                      Cenas na praia das Flores (Sambaqui, 19.4.2012) Fotos: Celso Martins

 
TAREFA

Por EMANUEL MEDEIROS VIEIRA

“Só há uma coisa importante: fazer: o repique das palavras soar na mente de algumas poucas pessoas exigentes.”
(Logan Pearsall  Smith)
Insulto atirado na cara da morte: poema.
Velho peregrino
Eterno inquilino
(uma rima – não solução, não é  Drummond?)
Leão cansado – ainda arfante.
Ainda?
Nada haverá depois:
deste sol, deste pássaro, deste  menino com boné.
Reaprender a coragem – e a inocência.
Sim – é tempo de disfarces
            hora de representações.
(Ter nascido em Santiago de Compostela, também não seria uma rima – nem solução.)
Acabamos todos antiquados.
Escrever do fundo do coração– onde só Deus pode enxergar.
É inútil? Não importa. Não?
Pressagio calamidades?
Também o arco-íris.
 “A tarefa que me resta: reunir relatos, organizar as partes dispersas. Poeta, tocador de lira, mago, senhor da ressurreição, é isso que me caber ser”.
(J.M. Coetzee –“O Mestre de Petersburgo”)
Pronto estou para cruzar o escuro rio.
Sem ver o que os outros viam, tentei ver o que ninguém mais via.
“Toda morte é uma simplificação da vida para os sobreviventes: ela os exonera de serem gratos ou de serem obrigados a fazer visitas”.
Marcel  Proust – ”O Tempo Redescoberto”)
Mortalidade e memória.
Sempre: mortalidade e memória.

SATURNO

Por EMANUEL MEDEIROS VIEIRA

Merecemos o que não merecemos?
Incompletos fragmentos de nossos ímpetos: capturamos.
Grãos de areia,
Inúteis (inúteis?) e inapelavelmente mortais.
Insuportavelmente finitos?
Sopro de juventude aspirado.
(Basta o sonho?)
E sempre passamos – agora já é  passado.
O pó que se vai:
algo na Lagoinha, na Ilha natal.
Outro tanto, na Praça Castro Alves, em Salvador,
Um pouco na Paulicéia, e no Alto da Bronze, em Porto Alegre.
(Em 1631, era publicado na Inglaterra o livro “Anatomia da Melancolia”, de Robert Burton.)
Saturno, saturnino:
o sexto planeta do sistema solar.
O tempo (no sentido cronológico).
O tempo – sempre Ele (que não sei o que é).
Sombrio e melancólico?
Feito de chumbo (essa matéria).
Em outubro de 1347 uma frota genovesa vinda do Oriente entrou no porto de
Messina, na Sicília. Não foi uma chegada festiva, antes um tétrico espetáculo: quase todos os marinheiros haviam morrido ou estavam agonizantes. De peste
.”
(Que exterminou um terço da população da Europa.)
É o início de “Saturno nos Trópicos”, obra de Moacyr Scliar (1937-2011).
A Inquisição – estabelecida na Espanha em 1478, e em Portugal em 1536 –,  foi a instituição mais temida do mundo durante trezentos anos.
Mais tarde, chegaram a penicilina, o antibiótico, luzes, e outras pestes.
Primeira Guerra Mundial.
Segunda Guerra Mundial.
(Ainda bem que nos amamos – uns aos outros...)
(Papai falava na Gripe Espanhola (1918-1919), que matou de  50 a 100 milhões de pessoas.)
Melancólico, depressivo, ciclotímico.
“Uma  uivante  tempestade no cérebro”, escreve William Styron (“A Escolha de Sofia”) sobre o sofrimento causado ela depressão.
Para ele, as pessoas não se dão conta do sofrimento pelo qual passa o deprimido.
Também solar – somos.
Tantos somos.
Ser.
Sempre flutuante.
E já chegou o domingo: e já passa das dezoito horas.
Espesso tempo, e sinto o cheiro da morte.
E tudo é domingo.
E anoitece.
Saturno, saturnino:
Ainda estou no planeta, mas a maior parte da estrada já foi andada.
Somos feitos de outros chumbos, outras melancolias, morrendo de tudo a cada dia, e um pássaro canta na janela do quarto em que escrevo, pousa, num domingo de junho – uma manhã de sol, a vida, pequena, rápida – mas vida –, numa cidade que foi a primeira capital do meu país. E contemplo uma vela que se apaga.

18.4.12

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O jornalismo de Moacir Pereira
em estudo de César Luiz Pasold

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A crônica de Amílcar Neves e o
discurso de posse na Academia


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César Pasold analisa em livro o
“Jornalismo de Moacir Pereira”


Pasold e Moacir em solenidade no IHGSC. Foto: Celso Martins

“O jornalismo de Moacir Pereira” é o título da obra do professor César Luiz Pasold sobre o conhecido profissional de comunicação com 48 anos de carreira. O livro editado pela Insular tem 488 páginas, com lançamento confirmado para estar quinta-feira (19,4), às 19 horas, no auditório da sede da OAB.
No dia 27 de março do ano passado o jornalista Moacir Pereira deu uma entrevista ao programa Preto no Branco, da rádio Nereu Ramos, de Blumenau. Residente em Indaial, César Pasold, ouviu atentamente a entrevista, quando surgiu a idéia de escrever um livro sobre o jornalismo deste profissional.
“Eu já conhecia os princípios éticos do Moacir”, recorda Pasold, “mas ao ouvir aquela entrevista fiquei impressionado com a segurança e a maturidade com que ele manifestava as suas opiniões”. O passo seguinte foi enviar um e-mail a Moacir Pereira e receber um sinal verde para o início do trabalho.
“Não é uma biografia dele, mas sobre o jornalismo que ele pratica”, assinala. “Moacir Pereira é um multimídia, trabalhou em rádio, jornal e TV, escreve livros e mantém blog e Twitter. Escrevi um trabalho científico para que daqui a 30 ou 40 anos um acadêmico de jornalismo possa usar esse livro em alguma dissertação ou tese”. (Celso Martins)

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“Rigorosamente profissional”

Por Nelson Rolim de Moura*

Certamente estamos diante do mais conhecido e conceituado jornalista político de Santa Catarina, o Mestre Moacir Pereira, cuja trajetória nos apresenta neste livro o Professor Doutor Cesar Luiz Pasold. Uma carreira construída ao longo de décadas, nas quais foi aperfeiçoando uma notória capacidade de atrair com as palavras, escritas ou faladas e sua consagrada imagem, seus atentos leitores, ouvintes, telespectadores e agora blogueiros e tuiteiros.
O autor qualifica este livro como uma “base de dados”, um “registro istórico” com “momentos de análise”, criando um prudente distanciamento crítico das tradicionais biografias e atendo-se aos férteis aspectos da vida profissional de Moacir Pereira.
Frise-se que esta não é uma obra para ser guardada a sete chaves - precioso acervo de nossa cultura que retrata na atualidade o jornalista e escritor que já garantiu um honroso lugar na memória jornalística nacional -, pois deve servir de espelho para os milhares de jovens que todos os anos se preparam e ingressam na prática jornalística. Um exemplo ético, fidedigno, rigorosamente profissional e, acima de tudo, de incansável produtor, não só de grandes reportagens e comentários, mas de jornalista multimídia e autor de livros históricos e biográficos. De seus 34 livros escritos, a Editora Insular tem o privilégio de ter publicado 22 deles, e agora, sobre sua obra, este que honrosamente vos apresentamos.
*Orelha do livro escrita por Nelson Rolim de Moura, jornalista e editor da Editora Insular.
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O movimento
internacional
contra as coisas-lixo
(junk things)


Por Amílcar Neves*

A partir de um desconforto crescente, a ideia surgiu recentemente na velha Albion, o nome que teve em tempos remotos a ilha da Grã-Bretanha, assim batizada talvez pelo aspecto que causavam aos argonautas, à entrada Sul do território, os penhascos escarpados de Dover, que caem na vertical, branquíssimos, direto sobre o mar. O estopim da causa foi o tema da obesidade: "48% dos homens e 43% das mulheres do Reino Unido serão obesos em 2030".
Não só lá, cá também.
Cá: "No Brasil, 40% da população está acima do peso. Estudo recente realizado pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia revelou que 15% das crianças brasileiras são obesas." Há quem diga, porém, que a situação tupiniquim seja muito mais lancinante:
"Segundo dados da pesquisa Vigitel (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico), do Ministério da Saúde, divulgados no dia 10 de abril do corrente, o número de brasileiros acima do peso passou de 42,7%, em 2006, para 48,5%, em 2011. No mesmo período, a proporção de obesos aumentou de 11,4% para 15,8%."
Lá: num manifesto velado em que abordam o aspecto mais nobre, ou mais passível de aceitação, do movimento, "cirurgiões, psiquiatras, pediatras e médicos de todas as especialidades do Reino Unido lançaram neste domingo, 15 de abril, uma campanha contra a obesidade e centraram suas críticas às empresas de junk foods (comidas-lixo, em livre tradução). A Real Academia das Faculdades de Medicina do Reino Unido, que representa cerca de 200 mil dos profissionais do país, pediu a proibição de marcas como McDonald's e Coca-Cola patrocinando eventos esportivos como os Jogos Olímpicos e que famosos façam propaganda de comidas que não são saudáveis para as crianças."
A proposta do movimento, em suma, é bastante simples e eficaz: que se crie um suculento "imposto sobre a gordura", ideia surrupiada de alguns países escandinavos que já a aplicam, no sentido de inibir o consumo de produtos não saudáveis. A fórmula é conhecida: mais tabaco, mais álcool, mais sódio, mais colesterol, mais açúcar ou mais gordura = mais imposto.
A gordura é apenas a parte visível do iceberg, para usar uma imagem batida e desgastada que volta à tona por ocasião das celebrações do centenário de naufrágio do Titanic. O objetivo, depois, é mobilizar os povos do planeta contra todas as coisas cujo consumo faz um mal danado à saúde, ao bom senso, à inteligência e à sanidade das pessoas. Passaremos então para as fases de combate às músicas-lixo (junk musics), com perdas enormes, no Brasil, para a indústria dos sertanejos, sertanejos-universitários, axés, pagodes e gêneros afins. Em seguida, entrarão na linha de fogo as propagandas enganosas (junk marketing, o lixo da publicidade), com a quebra de milhares de publicitários maiores e menores ao redor do globo; os políticos que já deveriam ter sido expurgados da vida social (junk politicians, os políticos-lixo, espécie da qual todos nós conhecemos ao menos uma vintena de espécimes); os malditos livros-lixo (junk books), a fim de isolar do mundo todas as obras, no sentido de obrar, defecar, de autores de bestsellers que só fazem mal à saúde; e assim por diante. A lista vai longe, podemos bem imaginar o seu incomensurável tamanho.
Por fim, alçaremos o topo, o máximo, a purificação santificante: combateremos e eliminaremos do alcance dos olhos os junk people, a gente-lixo que, claro, não vale nada.

*Crônica publicada na edição de hoje (18.4) do jornal Diário Catarinense
(Florianópolis-SC). Reprodução autorizada pelo autor.

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Entardecer na Ponta do Sambaqui.
17.4.2012. Fotos: Celso Martins

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AMÍLCAR NEVES

(Discurso à moda de ficção)
Discurso de posse da Cadeira nº 32
da Academia Catarinense de Letras,
proferido em 12.04.2012

Amílcar (centro) na solenidade de posse na ACL. Foto: JB Vidal.

Senhoras e Senhores,

Preciso pedir-vos desculpas antes mesmo de proferir as primeiras e pobres palavras que tenho para vos dirigir. Desculpai-me pela data escolhida para esta solenidade, especialmente se ela vos comprometeu outros melhores afazeres: não tenho tanta culpa assim que este evento ocorra no dia de hoje. O presidente Péricles Prade reuniu a diretoria desta Casa de José Boiteux e o escritor e acadêmico Mário Pereira ficou encarregado de me telefonar, dizendo que a Academia sugeria o dia 12 de abril de 2012 para que novo inquilino tomasse posse da Cadeira de Santos Lostada, a Cadeira de número 32. A mim me cabia apenas concordar com a sugestão feita ou propor outra ocasião, e eu aceitei este 12 de abril.

Ninguém sabe disto, mas exultei com a data escolhida. Conto-vos agora, contista que me considero ser, em primeiríssima mão, o motivo dessa minha estranha satisfação.

Houve outro 12 de abril em minha vida, há precisos 25 anos. Há exatamente um quarto de século eu me encontrava na cidade de Acapulco, estado de Guerrero, na costa do México, às margens do Pacífico. Participava da convenção latino-americana da empresa para a qual então trabalhava, uma grande multinacional da área de informática; na verdade, a maior empresa do mundo nesse segmento da tecnologia que tanto crescia e tão mais cresceu de lá para cá. Naquele dia, em 1987, faltavam 12 dias para que eu completasse meus 40 anos de vida. Era um domingo, a tarde iniciara-se belíssima, ensolarada, com um ar temperado e muito agradável para sair meio ao acaso. Pela manhã, houvera a última sessão de trabalho da convenção e, à noite, teríamos a cena de clausura, que é como os espanhóis confinantes e os espanhóis distantes chamam o nosso jantar de encerramento. No dia seguinte, bem cedo, um pequeno grupo daqueles que ali se encontravam, mais precisamente 12 analistas de sistemas, entre os quais contava este que vos fala, partiria para um périplo de 10 dias por fábricas e laboratórios da empresa ao longo da costa Oeste dos Estados Unidos, em Vancouver, no Canadá, terminando o circuito tecnológico no estado de Nova York, com ponto final da viagem programado para Manhattan.

A tarde dominical ficou reservada para o lazer. Muitos preferiram, como sempre preferiam nessas ocasiões, beber à beira da piscina do hotel 6 estrelas – tratava-se do Acapulco Princess – em que nos puseram hospedados, um conjunto que efetivamente se proclamava, à época, detentor daquela avaliação raríssima, a máxima possível. Eu, porém, não sairia do meu cultivado canto ilhéu para deixar-me quedar por horas a tomar aperitivos hexa-estrelados à beira de uma enorme piscina, protegido por toda a segurança possível e inimaginável contra o mexicano suspeito. Pois mexicano pobre é mexicano suspeito. E o mexicano asteca, para complicar mais ainda sua situação, nem branco é. Portanto, a segurança se fazia imprescindível para resguardar centenas de cabeças privilegiadas e premiadas, posto que alcançar o direito de ir a uma convenção era, antes de tudo, um prêmio cobiçadíssimo e muito valorizado por toda a linha gerencial da empresa de origem estadunidense. Não, recusei-me a ficar na piscina, mesmo porque não foi necessária nenhuma atitude heroica, de supremas coragem e ousadia, para exercer tal recusa: bastou-me escolher outra opção de programa das muitas oferecidas pela organização.

Outros colegas das Américas preferiram passar a tarde na praia, programa que nada sensibilizava alguém que mora o ano todo em uma ilha atlântica. Terceiros resolveram ir para o apartamento, ligar a televisão – vício indomável para muita gente – a esperar o sono e dormir, ocupando assim o enorme tempo ocioso que lhes destinaram. Houve também naquele domingo, como de hábito, um bocado de conversa ao pé do ouvido que definiu, ou alterou, transferências, promoções, chefias e cotas de venda, essas coisas capitalistas.

Transbordantes de civismo, grupos de quatro ou cinco convencionais se deslocavam já em direção à área de esportes do hotel a fim de, em defesa das cores pátrias, ainda mais sagradas e saudosas quando se está no exterior, incentivar os atletas ou participar da indefectível partida de futebol entre Brasil e Argentina, com camisas oficiais e tudo o mais. Tampouco me seduziria essa pequena guerra contra los hermanos. Ou deles contra los macaquitos brasileños. Não; o cardápio de opções oficiais de lazer oferecia mais.

Oferecia uma frota de ônibus saindo a intervalos regulares do hotel e parando em pontos predeterminados ao longo das franjas da belíssima Baía de Acapulco, pelas quais se espalha a região mais charmosa e turística da cidade, até o lado oposto, em frente ao porto, onde se situa o Fuerte de San Diego. Em tais pontos, os convencionais, identificados, podiam descer do ônibus e visitar as atrações das redondezas, geralmente com guias à disposição, enquanto o ônibus continuaria circulando. Ou abordar o veículo, embarcar e seguir até a parada adiante que lhes interessasse conhecer. Pensando nos fortes portugueses da Ilha de Santa Catarina, obviamente optei pelo forte espanhol, que espreita o mar sobre a Avenida Costera Miguel Alemán.

Perdoai-me, distintas Senhoras, desculpai-me, nobres Senhores, já chego lá: é que sempre gostei muito de viajar. Por isso me apanho quase viajando de novo ao falar de viagens.

Eu já estivera em Acapulco no ano anterior. Nunca planejei ir àquela cidade criada a propósito para atrair estadunidenses ricos – e, no entanto, voltava ali um ano depois. Em 1986 foi a Literatura que me levou até ela. Era o ano da segunda Copa do Mundo de Futebol a se realizar no México e o selecionado brasileiro, sem dúvida alguma, seria outra vez campeão mundial. Num concurso literário promovido pela finada Rede Manchete de Televisão e patrocinado por uma grande multinacional do tabaco, entre doze mil concorrentes de todo o Brasil, um texto meu, um pequeno conto de 20 linhas ou menos (essa era a condição imposta pelos organizadores: somente seriam aceitos contos com o mínimo de dez e o máximo de 20 linhas), um conto de título Galera oito foi o quinto colocado, o que me valeu um aparelho de televisão.

Entretanto, o meu Galera sete ficou em primeiro lugar nesse mesmo concurso, dando-me como prêmio a viagem ao México para assistir, à minha escolha, fosse em Guadalajara ou na Ciudad de México, jogos das semifinais e finais da Copa do Mundo: um carro me apanhava no mesmo Acapulco Princess do ano seguinte, me levava ao aeroporto, eu voava até o destino escolhido, onde outro carro já me aguardava com o ingresso na mão, deixava-me no estádio e, terminada a partida, repetia-se o trajeto, agora invertido, para me deixar em casa, digamos assim. Para as despesas fora do hotel, a multinacional do cigarro deu-me, livre de prestação de contas, isenta de recibo e em dinheiro vivo, a quantia de 500 dólares dos Estados Unidos. Preciso fazer as contas para descobrir quanto me rendeu cada linha daquele conto.

Esses meus dois contos, aos quais juntei as demais Galeras de um até onze (um time de futebol) e o Camisa doze (a torcida), estão publicados no livro Relatos de Sonhos e de Lutas.

Permiti-me, suplico-vos, duas anotações mais, rápidas, sobre a primeira viagem a Acapulco. Uma façanha que logrei foi ter encontrado – e comprado – na Sanborns, uma pequena loja da Avenida Costera que também vendia alguns livros, uma bela edición íntegra, encadernada em vermelho e baratinha, de El Ingenioso Hidalgo Don Quijote de la Mancha, ilustrada con grabados de Gustavo Doré. Aposto que não existe muita gente que tenha algum livro comprado em Acapulco. Ninguém compra livros em Acapulco. Aliás, até me parece que ninguém lê livros em Acapulco. Talvez em outros lugares esse fastio também aconteça, não sei.

A segunda anotação: à época eu fumava. Fui um bom fumante, ocupação que me dava enorme prazer, especialmente quando me punha a escrever e mantinha uma dose de uísque à mão. Hoje continuo com o uísque no gelo e a escritura, muitas vezes manuscrita, o que igualmente me dá profunda satisfação. Pois então eu fumava, à época, e faz-se escusado dizer que não gastei, em toda a viagem, um centavo sequer de cruzado, um cent que fosse de dólar, com a compra de cigarros. Comecei a fumar Camel brasileiro já em São Paulo, antes da partida, depois Camel americano na escala em Miami, Camel mexicano no país da Copa e até Camel da Alemanha, pois havia em paralelo, no Princess, uma convenção da filial alemã do fabricante – e, subitamente, esses dias agora, me dei conta de que aquela marca de cigarros pagou a minha viagem de 1986 por causa de um texto literário e, hoje, vejo-me, aqui, prestes a sentar-me à Cadeira 32 deste elevado sodalício, desta ilustre sociedade de homens e mulheres de letras – e o 32, no jogo do bicho, é precisamente um dos quatro números do camelo...

Avancemos um ano, ou pouco menos do que isso, para retornarmos ao 12 de abril de 1987.

Era domingo, fazia sol, o clima punha-se ameno e eu estava a ponto de desembarcar em frente ao Fuerte de San Diego. Aquela viagem começava com a convenção no México, passaria pelos Estados Unidos e Canadá e, de Nova York, concluída a fase profissional da turnê, precisamente chamada pela empresa de Tour Tecnológico, já tudo planejado, eu viajaria até Miami, onde encontraria Maria Vitória, que chegava da Ilha de Santa Catarina. Naquele momento, eu entraria em férias por um mês, gastando-o todo em um circuito a dois que seguia direto para os meus 40 anos na cidade do México e prosseguia depois pela costa Oeste dos Estados Unidos (Los Angeles e San Francisco), cruzando para Leste até a província de Québec, no Canadá (Montréal e dali, por carro, até a Ville de Québec, ida e volta), para terminar outra vez em Nova York. Ainda em casa, nesta Ilha que tantas ideias interessantes nos sugere a todo instante, decidi que 40 dias de viagem, 5 semanas fora do País, mereciam que eu finalmente fizesse o que sempre pensara fazer e nunca tinha efetivamente realizado: escrever toda santa noite, onde quer que estivesse e à hora que fosse, ao menos dez linhas sobre os acontecimentos, sensações e observações do dia – o que me rendeu, eu vos confesso, mais de 170 laudas de texto bruto que guardo comigo, escondido dos olhos do mundo (assim como outros trabalhos literários mais), com zelo e orgulho – orgulho por ter cumprido à risca o compromisso solene que assumira comigo mesmo, inclusive naquele dia 12 de abril, quando cheguei ao meu quarto de hotel, devido às circunstâncias, apenas às 4 horas da madrugada (para viajar às 8 com um braço imobilizado).

Subi os degraus da escadaria de granito que leva da avenida até o pórtico de entrada do forte e, mais tarde, na delegacia do Distrito Judicial de Tabares, afirmei, com toda a segurança e convicção, que os fatos se deram precisamente às 4 horas e 12 minutos, conforme mostrava o meu relógio digital que travara com aqueles números estáticos no visor de cristal líquido. Em verdade, por virtude de uma pancada recebida, o relógio passara do modo relógio para o modo calendário, este no formato inglês, e aí "congelara", ao mesmo tempo em que todos os seus botõezinhos de controle ficaram presos e inoperantes: as 4 horas e 12 eram, de fato, abril, dia 12.

O pórtico de entrada do San Diego é como se fosse um pequeno túnel de pedra medindo cerca de oito a dez metros de comprimento e largo bastante para grupos de pessoas entrarem e saírem com folga. Ao chegar à metade da travessia, ouvi às minhas costas passos de gente correndo; instintiva, porém despreocupadamente, olhei e vi dois garotos, de 15 e 18 anos presumíveis, aproximando-se de mim, ambos com longos e grossos porretes de madeira erguidos nas mãos. O mais velho trazia um segundo cacete em cuja ponta encrustava-se, de alguma maneira, uma baioneta. E chegaram batendo para valer, sem ameaças nem intimações.

Bailamos um longo tempo, ou durante o que me pareceu ser, na hora, quase uma eternidade. Eles batiam e eu me protegia com o antebraço esquerdo dobrado em frente ao rosto, preocupado em não ser golpeado na cabeça; a baioneta estocava insistente e cruzava-me à frente, procurando a macieza do abdômen para mais facilmente me abater. Eu me esquivava e dançávamos, os três, uma dança de morte. Uma estocada melhor aplicada varou minhas defesas, chegou-me à camisa, pressionou-me a pele da barriga – mas não conseguiu perfurá-la, deixando-me de lembrança apenas uma pequena equimose arredondada. Antes ou depois desta investida (cuja impressão epidérmica só fui perceber mais tarde), a baioneta zuniu de novo à minha frente, eu pulei para trás – havia também a preocupação máxima de não me deixar cair; no chão, eu seria vítima por demais fácil para os adolescentes –, pulei para trás mas não o suficiente: a ponta de metal da arma branca alcançou a camisa, cortou o tecido na horizontal e atingiu a pele na altura do estômago; atingiu a pele, produziu nela um pequeno risco que fez aflorar alguma gordura superficial ou um soro transparente – e foi embora. Certamente que, por uma questão de frações de milímetro, não cheguei a sangrar.

Os dois adolescentes me deixaram, talvez um pouco assustados pela demora da ação, assim que um deles conseguiu arrancar-me do ombro a máquina fotográfica com um filme inteiro quase completamente batido, a partir de uma escuna, na véspera, dos saltos para mergulho em La Quebrada, por parte de garotos pobres mexicanos ou de rapazes exibicionistas, entre as rochas íngremes e sobre o pedregal do fundo assim que o mar preenche a falésia.

Tive as mãos muito inchadas, especialmente a esquerda, e o antebraço engessado num hospital depois de limpas do sangue coagulado todas as áreas atingidas pelos golpes. Nem um só dos meus ossos se partiu. Às 4 horas, não direi morto de cansado, mas vivo e cansado, eu cumpria responsavelmente a minha obrigação das dez linhas. Depois dos 40 dias, já no Brasil, em casa, recuperei em detalhes os acontecimentos daquele 12 de abril, colocando-o em palavras escritas. É incrível como, muito perto da morte, sai-se de um episódio assim com lembranças tão persistentemente vivas e minuciosamente detalhadas. Mais tarde, arrisquei muito ao pegar esse acontecimento real, vivido por mim, para tentar, com ele, fazer ficção – expediente que, no geral, não funciona bem: um excelente, ou interessante, ou engraçado, ou dramático, ou assustador fato real de hábito dá péssima literatura. Ainda assim, mesmo receoso, fui em frente e escrevi um conto. Mais tarde ainda, mandei esse conto, inédito, para um concurso literário. Algumas semanas depois, recebo, junto com um cheque de 350 dólares, a notícia de que o conto foi premiado em primeiro lugar e, traduzido, saiu em edição bilíngue português e espanhol na revista Plural – uma maravilhosa publicação cultural mensal do Excelsior, o maior jornal exatamente do... México.

Fascínio, o conto em questão, também está em Relatos de Sonhos e de Lutas, possivelmente o mais mexicano dos livros que escrevi até agora...


JB Vidal e Amílcar. Foto: Divulgação.

Senhoras e Senhores,

Devo dizer-vos que os riscos que assumi na vida não pararam por aí. O mais recente deles aconteceu há umas poucas semanas, quando solicitei ao escritor e presidente Péricles Prade, dirigente maior desta mui respeitável Academia Catarinense de Letras, que designasse o escritor e acadêmico João Nicolau Carvalho para me receber nesta Casa. Vós vistes o resultado da minha imprudência...

O risco, a exposição a que me submeti agora, decorre do fato de que o João Nicolau é meu amigo de uma época na vida em que não se esconde nada de ninguém, menos ainda dos amigos do peito. E assim fomos nós na Tubarão da década de 60 do século passado – o que explica, também, os exageros engrandecedores que ele me atribuiu. De tudo o que ele disse de mim, para o bem e para o mal, tiremos 90% antes de tirarmos conclusões.

Algumas das melhores experimentações a que frequentemente nos dedicávamos lá, naquela época, foram discutir literatura, escrever literatura (o João bem mais do que eu, já com um romance na gaveta só para me causar inveja) e escrever sobre literatura. Onze anos depois desses dias na terra que Virgílio Várzea batizou de Cidade Azul, e após passar dez anos sem escrever uma só linha de texto literário, após fazer um curso de Engenharia Mecânica, após concluir uma pós-graduação em Fabricação, após iniciar-me profissionalmente nos mistérios e entranhas da informática, após morar um ano em Curitiba e quatro em Londrina, e após retornar a Santa Catarina em meados de 1975, indo morar em São José porque a Ilha não tinha espaço disponível para abrigar uma família de casal e dois filhos, decidi investir algum tempo, esforço e dedicação no velho sonho de escrever contos e, com eles escritos, tentar a publicação de um livro, um apenas, para atender a uma aspiração secreta de juventude. Publicar um livro me deixaria realizado como escritor – eu assim pensava, de verdade.

Autodidata, comecei a escrever do jeito que eu achava que deveria ser um conto, da maneira como eu gostaria de ler um texto de ficção. Guiei-me pelas leituras que, essas, não cheguei jamais a interromper. Lembro-me muito bem, por exemplo, da profunda impressão que me causaram no espírito os contos de Rubem Fonseca: O Homem de Fevereiro ou Março, O Cobrador e, especialmente, Feliz Ano Novo. Eram horizontes que se rasgavam, possibilidades infindas que se abriam, ideias audaciosas postas a borbulhar.

Assim, de 1975 a 1978 produzi um punhado de contos, desses meus contos autodidatas, mas não tinha ideia do que fazer com eles – mais ainda, não sabia que valor teriam aqueles textos, se é que eles tinham algum valor. Precisava desesperadamente de um escritor (de um crítico, na verdade, de um Lauro Junkes) que me avaliasse o material, que me indicasse como proceder, que me apontasse quais caminhos trilhar, mas eu não conhecia nenhum espécime dessa gente. Só o João. Mas, para mim, o João, antes de ser escritor, era amigo. Mas era o único escritor que eu conhecia pessoalmente, com livro publicado e tudo. E era reitor da UDESC e havia criado a UDESC Editora, mas isso não significava objetivamente nada. Pedi-lhe o obséquio de ler aquelas páginas e dar-me uma opinião, tão dura e sincera quanto precisasse ser. Ele leu e deu sua opinião.

- Manda para a editora da Universidade, ele falou, acho que o teu trabalho tem algum mérito e, quem sabe, até pode ser publicado. Lá temos um conselho editorial que dará um parecer. Vamos ver o que eles acham.

Eles acharam horrível e mandaram jogar tudo fora.

Na realidade, foi, coincidentemente, um acadêmico desta Confraria, já falecido, que não gostou do tom ideológico do conjunto e dos aspectos eróticos de uns tantos contos: "Despropósitos que a editora de uma universidade oficial jamais poderá publicar!", ele decretou. Estávamos ainda sob a ditadura, lembremo-nos disto. Mas havia também um fado padrinho, a versão masculina da fada madrinha. Ele também atendia pelo nome de batismo de João, João Paulo Silveira de Souza, o grande escritor brasileiro, um dos maiores dos nossos ficcionistas de todos os tempos, e, por acaso, igualmente acadêmico desta Casa. O Silveira, de quem (suponho eu) mais tarde virei amigo, pediu vistas do projeto de livro e deu um parecer que, em votação, acabou prevalecendo, frontalmente contrário ao anterior. Por culpa exclusiva dele, pois, acabou saindo, em 1979 (33 anos passados, já!), o meu primeiro livro, com o inspirado título de O Insidioso Fato – algumas historinhas cínicas e moralistas.

De acordo com minhas mais caras ambições juvenis, esse era para ser o único e bastante, mas até o momento são oito os livros de ficção que publiquei, supondo que o meu amigo, escritor e acadêmico Francisco José Pereira me empreste, apenas para efeitos estatísticos, sua coautoria no livro O Tempo de Eduardo Dias – Tragédia em 4 tempos, uma peça de teatro que escrevemos sobre a vida do grande pintor catarinense. Este livro nos rende três processos judiciais, com pedidos de sua virtual retirada de circulação e de indenização por danos morais, nenhum deles da parte de familiares do artista, que eventualmente poderiam julgar-se ofendidos pela aparente realidade retratada – escrever biografias hoje, no Brasil, mesmo que ficcionais, é garantia de aborrecimentos profundos. A menos, naturalmente, que se tratem dessas obras laudatórias tão em voga, em regra encomendadas, as quais versam sobre personagens impolutos, nobres e desprendidos, mesmo quando o biografado é um político, ou um empresário, ou um ser humano. Dos processos a que eu, o Francisco e sua Editora Garapuvu respondemos, dois já foram arquivados com decisões a nosso favor. Pelo terceiro deles, entretanto, penamos as possibilidades da condenação ao pagamento de pesada indenização por conta de um fatos marginais relatados na obra, plenamente verídicos e totalmente documentados, narrados em forma de conversa de bar entre personagens secundários da peça. No entanto – pasmai, Senhores!, enrubescei, Senhoras! –, fatos tais ocorridos nesta cidade no ano da graça de 1919! Um ano antes, pois, da fundação desta excelsa Casa de Cultura! Estamos a pique de sermos penalizados porque um juiz decretou que, "ainda que verdadeiros os fatos, ainda que documentados os acontecimentos, a família do ofendido sofre demais ao ver assim tratado um seu antepassado".

Senhoras e Senhores,

Caso o Francisco me conceda esse favor estatístico, serão oito os livros que terei publicado até aqui, até o momento da minha surpreendente aceitação por esta magna Sociedade – e oito, não nos esqueçamos, dizem, posto que nada conheço do assunto nem o utilizo, é o grupo do camelo no jogo do bicho, bicho que simboliza a Cadeira de Manoel dos Santos Lostada, a qual teve o fecundo jornalista Gustavo Neves como fundador e o admirável professor e incomparável ser humano Lauro Junkes como antecessor deste que vos fala (já há tanto tempo, há tempo demais, é verdade). Não é nada fácil desmembrar didaticamente a Cadeira de número 32, tamanho o entrelaçamento existente, e muito forte, entre seus vários ocupantes. Gustavo Neves, por exemplo, era genro adotivo de Santos Lostada, posto que casou com Benta dos Santos, filha adotiva do patrono. Como fruto das suas minuciosas pesquisas, Lauro nos ensina que Gustavo viveu na casa de Santos Lostada desde 1914, ou seja, a partir dos 15 anos de idade – quase um irmão, pois, de Benta, com quem veio a casar e ter filhos. Por outro lado, Lauro não nos informa os nomes dos pais de Gustavo Neves, situação similar à que ocorre com os pais de Ataliba Gonçalves das Neves, que vem a ser o avô paterno deste Amilcar, também Neves, que ora vos fala: ninguém me disse até agora quem são os meus bisavós Neves, nem de onde eles teriam vindo.

E há ainda os números e as datas que envolvem toda essa gente.

Algumas curiosas constatações: o patrono Manoel dos Santos Lostada nasceu em 8 de março (de 1860), enquanto Lauro Junkes, o terceiro na linha de sucessão, digamos assim, nasceu a 9 de março (de 1942). Ambos, porém, morreram em um 20 de outubro: Lostada em 1923, Lauro em 2010 – aliás, Lauro teve o capricho de escolher uma data de morte absolutamente redonda: 20 de 10 de 20-10, ou de 2010. Já os dois Neves da 32 nasceram em meses de abril: Gustavo em 10 de abril de 1899 (há 113 anos, pois, anteontem completados) e Amilcar a 24 de abril de 1947. Como os outros dois morreram no mesmo 20 de outubro e Gustavo se foi desta para melhor em 1º de abril de 1980, existe uma substancial possibilidade de que Amilcar venha a morrer também num primeiro de abril; estatisticamente, tal probabilidade é de 0,3%, só que o problema não é, claramente, de fundo estatístico, mas factual. Assim, caso isto se confirme, sinto-me aliviado pelo fato de acabar de superar mais um 1º de abril – o que, aqui entre nós, considerando o calendário gregoriano, me dá um bom fôlego, pelo menos até o finalzinho de março próximo.

Santos Lostada foi um nome que, do interior da minha ignorância, sempre me soou agradável e instigante pelo seu timbre espanholado, mas fazia-se difícil, para mim, à distância no tempo, conhecer algo da sua produção literária, a qual nem foi tão extensa. No seu discurso de posse nesta Academia, em 23 de junho de 1983, Lauro assumiu o compromisso: "Como está dispersa e quase inacessível para o leitor, proponho-me ao compromisso de, como homenagem a meu patrono, reunir futuramente o que for possível de sua obra e dar-lhe publicação em alguma forma de livro." Homem de palavra e homem de pesquisa minuciosa, nosso notável Lauro, a quem muito deve a cultura literária deste Estado, resgatou em 2008 o solene compromisso publicamente assumido um quarto de século antes. E o fez através do volume 35 da Coleção ACL (coleção que, de forma magistral, ele tanto impulsionou, especialmente através do seu laborioso trabalho de resgate das raízes da nossa Literatura, compilando e nos trazendo obras quase esquecidas dos fundadores das letras catarinenses). Ao livro de Manoel dos Santos Lostada, Lauro Junkes deu o título de Minutos de Mar, uma referência direta à coluna de mesmo nome que nosso Patrono comum assinou no jornal Folha do Commercio pelo menos entre 1909 e 1910. E, desse livro, ressaltam as qualidades embrionárias do contista, com três obras promissoras de um gênero que lamentavelmente ele não desenvolveu mais, e, em especial, destacam-se as virtudes do cronista – no caso, obviamente, crônicas publicadas às quartas-feiras, como hoje o imita este também cronista semanal no Diário Catarinense.

Agrada-me sobremaneira a abertura da crônica Os crótons, publicada há 112 anos completados quatro dias atrás (A Página, Florianópolis, 08.04.1900): "Madalena, a esfíngica Magdá dos íntimos, profunda, austera, de ironias lacônicas e olhos em cismas, teve o extraordinário capricho de estar alegre. Recebeu-me em risos, de coração aberto. […] Jamais a vira assim, tão palavrosa e gárrula. Toda de branco, no festival do jardim, suavizava-lhe o rosto o cabelo abundante e negro, solto pelas espáduas."

Erotismo, parece-me.

Magdá, Lostada... Ele foi grande amigo, íntimo, de João da Cruz e Sousa e de Virgílio dos Reis Várzea. Juntos, os então três jovens poetas publicaram, em 1883, o livreto dedicado "à Julieta dos Santos", uma atrizinha de nove anos que passou pela Ilha derrubando corações. Cruz é o nome maior do simbolismo brasileiro, nosso negro sublime, o marco da poesia barriga-verde. Várzea, na prática, deu formas ao conto catarinense, além de ser considerado um marinhista de escol, votado ao culto das coisas do mar, mar ao qual nossa Capital sempre foi, estranhamente, por estar numa ilha, tão avessa. E o Manoel, Manoel dos Santos Lostada? Será que não seria o caso de pensarmos nele como o patrono, não só daquela Cadeira 32, que daqui vislumbro, como da crônica catarinense?

Senhoras e Senhores,

Entrego a palavra àqueles que detiverem a necessária autoridade para dirimir a questão – deixando claro que a melhor pessoa a fazê-lo teria sido o nosso inesquecível Lauro Junkes.

Este Lauro, que sempre foi tão gentil comigo – mas que o era com todos os que o procurassem; este Lauro, que está aqui muito perto de todos nós que o conhecemos tão bem e que dele tanto admiramos a sagaz inteligência; este Lauro, que nos deixou esparsa em jornais, revistas e livros alheios uma obra com o registro fundamental da produção literária catarinense; este Lauro, que tantas pessoas, tantos intelectuais, tantos escritores melhor do que eu teriam a necessária competência para sucedê-lo na Cadeira 32; este Lauro, de quem não fui aluno formal, nem colega de magistério, nem comandado na Academia, mas que mesmo assim vez ou outra me chamou cá para dentro desta augusta Casa para ouvir e, até, suprema audácia!, para falar; este Lauro que tanto respeitamos e que tanto valorizou a Literatura feita em Santa Catarina, por insignificante que ela fosse – por insignificante que ela seja – , porque acreditava que não seria na Universidade do Acre que as nossas letras seriam estudadas academicamente, mas apenas aqui, no seu espaço nativo, nas faculdades e universidades locais é que ela encontraria espaço, um espaço que ele tão soberanamente valorizou e pelo qual tanto brigou, nem sempre com o merecido êxito; este Lauro Junkes olhou para mim um dia e disse, em palavras candentes que me marcam até hoje e que me marcarão até um primeiro de abril desses aí:

- Tudo bem que escrever crônicas e publicá-las em jornal é interessante, divulga o teu nome, torna-te conhecido onde o jornal for lido. Entretanto, isso, a crônica, é passageiro, tão passageiro como o jornal que a veicula. Se queres algo das Letras, se desejas a tua obra inserida na Literatura, concentra-te no conto, na novela e no romance. Isto é o que permanece um pouco mais, isto é o que poderá trazer algum respeito pelo teu trabalho literário.

Ele me falava de imortalidade, a pequena imortalidade que buscamos todos os que escrevemos com seriedade, sem concessões, fieis a nós mesmos, aos nossos princípios, às nossas ideologias. Preciso ouvir o Mestre – ouvir no sentido de seguir suas palavras.

Senhoras e Senhores,

Acreditai em mim, rogo-vos: eliminei mais de 80, talvez 90% do que, ingenuamente, planejara dizer-vos. Talvez um livro dê conta da tarefa – um livro que, como costumeiro, poucos lerão (mas, ainda assim, teimamos em escrever livros).

Quero aqui, agora, agradecer, e agradecer de coração: agradecer aos acadêmicos que, sei lá por quais motivos, escolheram votar no meu nome para ocupar esta prestigiosa Cadeira 32; agradecer, com igual ênfase e reconhecimento, a todos aqueles que preferiram outros nomes para sufragar: uma unanimidade, se ocorresse, deixar-me-ia muito mal: só é unânime quem nada diz, quem nunca se posiciona, quem espera o vento soprar para escolher o lado para o qual pular; agradecer aos eventuais leitores que me prestigiam no jornal, no livro e na sala de aula: o que eles verdadeiramente prestigiam é a obra, não o autor, que pouco importa frente ao trabalho que este possa ou consiga desenvolver; agradecer a vós todos aqui presentes, e a muitos outros daqui ausentes pelos mais sérios e justos motivos, que poderiam destinar este tempo todo a tarefas bem mais gratificantes e prazerosas; agradecer aos amigos, parentes, conhecidos e seres humanos que a gente encontra e desencontra pelas esquinas da vida, pelos cantos do mundo; agradecer à Maria Vitória, um enigma: começamos a namorar no mesmo ano em que comecei a escrever, e agora já não sei mais se escrevo porque a amo ou se a amo porque escrevo, e assim não posso, sob pena de grave risco, prescindir, bígamo, nem dela nem da Literatura; agradecer a paciência e compreensão, ainda que forçadas, dos filhos Amilcar, Maria Alice e Lúcia Helena, dos netos Caio e Gabriel, do genro Nathan e da nora Mônica: esse povo todo sofre, sofreu, uns mais e outros menos, por causa dessa circunstância que faz os escritores necessariamente alhearem-se um tanto do mundo para criarem um outro mundo, fictício e mais real, de que outras pessoas, absolutamente estranhas e desconhecidas, é que eventualmente irão desfrutar; agradecer, por fim, a todos aqueles que aqui não citei por absoluta desmemória, inaceitável, da minha parte.

Senhoras e Senhores,

Assumo todas as responsabilidades desta honrosa investidura e coloco-me desde agora ao serviço das Letras, da Cultura e desta Academia de Santa Catarina.

Obrigado.

13.4.12

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Álamo revisitado
Olsen Jr.

Rosário dos Pretos
Emanuel Medeiros Vieira

Deus e a Evolução
Leonardo Boff


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O ÁLAMO REVISITADO

Por Olsen Jr.

Foi durante o café, no restaurante aqui perto de casa, que a pergunta me surpreendeu. Já deveria estar vacinado contra certos tipos de interpelações. Todas às vezes que alguém começa afirmando “oh, fulano, você que é mais esclarecido”... Vem um pedido em seguida. Bem, mas o garçom se limitou em afirmar: o que é o Álamo? O que esta palavra significa? Olhei para ele, esquisito, partindo de quem partiu. Lembrei na hora do conto bem humorado de Artur de Azevedo em que o garoto pergunta para o pai, o que é plebiscito? Começo a rir sozinho enquanto o garçom, sem entender nada, tenta acompanhar-me acreditando que fosse com ele. Desculpe, digo, me veio à cabeça uma história que li quando criança e depois eu conto.
- Tudo bem, diz o garçom, só queria saber...
- É que, assim solta, a palavra fica a mercê de várias possibilidades, brinco, tentando adivinhar de qual contexto aquilo tinha saído. Como ele não esclareceu, fui dizendo as primeiras coisas que me ocorreram. Tinha que começar por algum lugar, o Álamo é uma árvore, é um conhecido estúdio de gravação e dublagem... Também é o nome de um forte no Texas. Na verdade, uma Vila que tinha sido colonizada por espanhóis e quando o território foi disputado por americanos e mexicanos, serviu de palco para uma das mais conhecidas batalhas da história onde cerca de 400 pessoas, entre agricultores e pecuaristas e mais alguns pequenos grupos de voluntários resistiram por quase 20 dias o cerco de um exército com mais de seis mil homens. Aliás, deu um belo filme com John Wayne e Richard Widmark... E no final, acrescento, tendo súbita lembrança, como a ordem era não deixar sobreviventes, restou algumas mulheres e crianças, também, alguns homens, entre eles, talvez um dos poucos heróis (com tudo o que esta palavra significa) da história norte-americana, o David Crockett, que acabou sendo executado. Também, digo, era um dos meus gibis favoritos, num tempo em que estes “heróis” ainda tinham caráter. Para concluir, aqueles quase 20 dias de resistência no Álamo, permitiram que se fizesse uma Constituição para o Texas, e que foi, em seguida, anexado aos outros Estados da União.
O garçom se deu por satisfeito e foi cuidar dos seus afazeres. Ainda bem, pensei, porque não me ocorre mais nada envolvendo a palavra Álamo. Depois que ele se afastou, fiquei imaginando aqueles heróis dos gibis, tirados da história, do guia e pioneiro Kid Carson, do caçador William Sidney Cody, o Búfallo Bill como ficou conhecido porque matava búfalos para alimentar os homens que construíam as estradas de ferro, do Daniel Boone... Do Roy Rogers e do Rex Allen, tirados do cinema, e claro, do Gordon Scott, Lex Barker e Johnny Weissmüller interpretando o famoso Tarzan, do Edgar Rice Burroughs... Não temos o hábito, nem a tradição, de cultuar nossos homens célebres, mas vejo o que poderia ser feito com o Cândido Rondon, a Coluna Prestes, e naturalmente, o bom e velho Monteiro Lobato, mas aí seria baratear os nossos sonhos, talvez, ficam as dúvidas.
O que eu não confessei para o Cleber, no restaurante, foi que “O Álamo” tinha sido o primeiro filme que assisti, em Curitiba, Cine Vitória (final de 1969), por isso estava impregnado na minha memória, tinha 14 anos e marcou muito. Está bem, mas a gente não precisa contar tudo sempre, pô!
Ah! E o Arthur de Azevedo ficou para outro dia...


*Olá, camaradas, salve!
Tendo de viajar em breve, talvez amanhã mesmo, para Florianópolis, antecipo a crônica...
Talvez consiga enviar mais um texto, além deste porque nunca sei quando vou voltar...
Tudo vai acontecendo assim, como no texto, basta tirar partido, na condição de observador...
A música poderia ser esta, a mesma da trilha sonora do filme.
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Composta por Dimitri Tiomkin com letra de Paul Francis Webster...
O filme ganhou o “Oscar” de 1961 na categoria de Melhor Som, a Melhor Trilha Original...
Dimitri era norte-americano naturalizado, de origem judaico-ucraniana...
Compôs grandes trilhas para filmes como: “O Velho e o Mar”, “Os Canhões de Navarone”, “Disque M para Matar”, “Um Fio de Esperança”, “A Queda do Império Romano”, entre outros... (Olsen Jr.)
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ROSÁRIO DOS PRETOS
(NOVAS CARTAS BAIANAS)
IGREJA DO ROSÁRIO DOS PRETOS
(E BARUCH DE SPINOZA)

Por EMANUEL MEDEIROS VIEIRA*

Os membros da Irmandade dos Homens Pretos “perderam a paciência ante os constantes atrasos das obras de restauração da Igreja do Rosário dos Pretos”, uma das mais famosas de Salvador.

Como informa o jornalista Biaggio Talento, eles resolveram reabrir o templo, mesmo com a reforma inconclusa, no próximo domingo, dia 15.

A Igreja do Rosário dos Pretos foi erguida no século XVIII, e é referência histórica no processo de resistência dos negros.

A reforma custou cerca de R$2,3 milhões – recursos do ministério do Turismo, com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento e contrapartida do governo estadual.

O prazo? Estourou! E os Irmãos da Confraria não se conformaram.

É preciso fazer algo pelo Pelourinho – abandonado à cracolândia, à violência, à mendicância –, quem sabe, o monumento histórico mais importante do Brasil.

É um pedaço fundamental da nossa História, que está sendo constantemente degradado.

Andar por lá, só com companhia, segurança e em determinados horários (de preferência, matinais).

A INTOLERÂNCIA É ATEMPORAL E ETERNA

Foi com essas palavras que a comunidade judaica de Amsterdã, no século XVIII, excomungou o filósofo Baruch de Spinoza (1631-1677), um dos mais importantes da História:

“Pela decisão dos anjos e julgamento dos santos, expulsamos, execramos e maldizemos Baruch de Spinoza. Maldito seja de dia e maldito seja de noite; maldito seja quando se deita e maldito seja quando se levanta; maldito seja quando sai, maldito seja quando regressa... Ordenamos que ninguém mantenha com ele comunicação oral ou escrita, que ninguém permaneça com ele sob o mesmo teto ou a menos de quatro jardas, que ninguém leia algo escrito ou transcrito por ele”.

MAS A SUA OBRA PERMANECE!

Quem se lembra dos seus inquisidores?

(Salvador, abril de 2012)


* Celso, meu irmão
Não quero te atropelar com textos.
Mas é algo muito importante:
A Igreja do Rosário dos Pretos, aqui em Salvador, é um monumento do século XVIII, muito importante.
é referência histórica no processo de resistência dos negros.
Os prazos para a sua reforma estouraram. E a Irmandade dos Homens Pretos perdeu a paciência ante os constantes atrasos na sua restauração. E RESOLVERAM REABRIR O TEMPLO NO PRÓXIMO DOMINGO, DIA 15.
[...]
Faço também uma meditação sobre a degradação do Pelourinho - e algo que acho, igualmente, muito valioso - sobre a "excomunhão" do filósofo Baruch de Spinoza, um dos mais importantes da História.
[...]
Gestei esse texto durante bom tempo!
Abraços do Emanuel

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Como Deus emerge no
processo evolucionário?


Por Leonardo Boff*

A nova cosmologia, derivada das ciências do universo, da Terra e da vida, vem formulada no arco da evolução ampliada. Esta evolução não é linear. Conhece paradas, recuos, avanços, destruições em massa e novas retomadas. Mas, olhando-se para trás, o processo mostra uma direção: para frente e para cima.
Somos conscientes de que renomados cientistas se recusam a aceitar uma direcionalidade do universo. Ele seria simplesmente sem sentido. Outros, cito apenas um, como o conhecido físico da Grã-Bretanha Freeman Dyson que afirma: “Quanto mais examino o universo e estudo os detalhes de sua arquitetura, tanto mais evidências encontro de que ele, de alguma maneira, devia ter sabido que estávamos a caminho”.
De fato, olhando retrospectivamente o processo evolucionário que já possui 13,7 bilhões de anos, não podemos negar que houve uma escalada ascendente: a energia virou matéria, a matéria se carregou de informações, o caos destrutivo se fez generativo, o simples se complexificou, e de um ser complexo surgiu a vida e da vida a consciência. Há um propósito que não pode ser negado. Efetivamente, se as coisas em seus mínimos detalhes, não tivessem ocorrido, como ocorreram, nós humanos não estaríamos aqui para falar destas coisas.
Escreveu com razão o conhecido matemático e físico Stephen Hawking em seu livro Uma nova história do tempo (2005): “tudo no universo precisou de um ajuste muito fino para possibilitar o desenvolvimento da vida; por exemplo, se a carga elétrica do elétron tivesse sido apenas ligeiramente diferente, teria destruído o equilíbrio da força eletromagnética e gravitacional nas estrelas e, ou elas teriam sido incapazes de queimar o hidrogênio e o hélio, ou então não teriam explodido. De uma maneira ou de outra, a vida não poderia existir".
Como emerge Deus no processo cosmogênico? A ideia de Deus surge quando colocamos a questão: o que havia antes do big-bang? Quem deu o impulso inicial? O nada? Mas do nada nunca vem nada. Se apesar disso apareceram seres é sinal de que Alguém ou Algo os chamou à existência e os sustenta no ser.
O que podemos sensatamente dizer, é: antes do big bang existia o Incognoscível e vigorava o Mistério. Sobre o Mistério e o Incognoscível, por definição, não se pode dizer literalmente nada. Por sua natureza, eles são antes das palavras, da energia, da matéria, do espaço e do tempo.
Ora, o Mistério e o Incognoscível são precisamente os nomes que as religiões e também o Cristianismo usam para significar aquilo que chamamos Deus. Diante dele mais vale o silêncio que a palavra. Não obstante, Ele pode ser percebido pela razão reverente e sentido pelo coração como uma Presença que enche o universo e faz surgir em nós o sentimento de grandeza, de majestade, de respeito e de veneração.
Colocados entre o céu e a terra, vendo as miríades de estrelas, retemos a respiração e nos enchemos de reverência. Naturalmente nos surgem as perguntas: Quem fez tudo isso? Quem se esconde atrás da Via-Lactea? Como disse o grande rabino Abraham Heschel de Nova York: “Em nossos escritórios refrigerados ou entre quatro paredes brancas de uma sala de aula podemos dizer qualquer coisa e duvidar de tudo. Mas inseridos na complexidade da natureza e imbuídos de sua beleza, não podemos calar. É impossível desprezar o irromper da aurora, ficar indiferentes diante do desabrochar de uma flor ou não quedar-se pasmados ao contemplar uma criança recém-nascida”. Quase que espontaneamente dizemos: foi Deus quem colocou tudo em marcha. É Ele a Fonte originária e o Abismo alimentador de tudo.
Outra questão importante é esta: que Deus quer expressar com a criação? Responder a isso não é preocupação apenas da consciência religiosa, mas da própria ciência. Sirva de ilustração o já citado Stephen Hawking, em seu conhecido livro Breve história do tempo (1992): “Se encontrarmos a resposta de por que nós e o universo existimos, teremos o triunfo definitivo da razão humana; porque, então, teremos atingido o conhecimento da mente de Deus” (p. 238). Até hoje os cientistas estão ainda buscando o desígnio escondido de Deus.
A partir de uma perspectiva religiosa, suscintamente, podemos dizer: O sentido do universo e de nossa própria existência consciente parece residir no fato de podermos ser o espelho no qual Deus mesmo se vê a si mesmo. Cria o universo como desbordamento de sua plenitude de ser, de bondade e de inteligência. Cria para fazer outros participarem de sua superabundância. Cria o ser humano com consciência para que ele possa ouvir as mensagens que o universo nos quer comunicar, para que possa captar as histórias dos seres da criação, dos céus, dos mares, das florestas, dos animais e do próprio processo humano e religar tudo à Fonte originária de onde procedem.
O universo está ainda nascendo. A tendência é acabar de nascer e mostrar as suas potencialidades escondidas. Por isso, a expansão significa também revelação. Quando tudo tiver se realizado, então se dará a completa revelação do desígnio do Criador.

*Leonardo Boff é teólogo e filósofo. Texto encaminhado pela escritora Urda Alice Klueger.

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Ondulaçoes no mar de Santo Antônio. Fotos: Celso Martins

11.4.12

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Antes do jogo

Por Amílcar Neves*

Fazia tempo, já, que não chovia. Depois, começou a chover uma vez por semana apenas. Chovia por hora e meia, se tanto tempo, enchia tudo, alagava o cruzamento das avenidas e as esquinas da cidade, encharcava as pessoas na rua e os bichos encolhidos nas calçadas, e logo o sol voltava - o calor nem se tinha ido - e secava tudo. Mais meia hora e era como se não chovesse havia tempos.
Então, inesperadamente, no domingo de Páscoa, apenas três ou quatro dias da última chuva, a tarde começa a escurecer, aos poucos ainda, por enquanto, iluminada pelo clarão súbito e fugaz de relâmpagos aqui e ali que se despedaçam sob uma camada espessa de trovões ameaçadores e sinistros, que no entanto latem mais do que mordem. Haverá de chover em breve e, provavelmente, será muita chuva. Com toda a certeza, haverá de ser um pequeno dilúvio a despencar bem na hora do jogo, exatamente quando estiver prestes a iniciar a partida de futebol.
Como aconteceu ainda outro dia, sob um furioso vendaval de Oeste que levou a chuva, de frente, até o último degrau das arquibancadas do setor D, levantando, arrancando e arremessando a longa distância partes metálicas retorcidas da cobertura das cadeiras. Mais quinze minutos e o estrago seria memorável. Por sorte, o que se soltou da estrutura, devido à ferocidade insana do vendaval, correu rolando por sobre o telhado - uma só peça daquelas que voasse por baixo do telhado, uma só lasca daquele ferro, e aço, e alumínio, e zinco, que se soltasse e se projetasse sob a coberta, seria lâmina afiada e sedenta para uma cortante destruição em massa. O que se soltou, rolou sobre a cobertura e caiu atrás do estádio, nos locais onde passam as pessoas e estacionam-se os carros: por sorte, o time vinha mal no campeonato e não havia, por isso, gente caminhando antes do jogo nem carro parado naquele terreno baldio em que se cravaram, no solo, pesados restos de metal arrancados pela tempestade.
Está agora quase começando a partida desta tarde pascoal e o vento sopra furioso, o céu não cessa de espocar luzes coruscantes que buscam ávidas o chão de terra ou de água, o ronco da trovoada é então quase um rugido constante e incansável - e a chuva chega, desvairada e forte, açoitando todo mundo com rajadas cambiantes até fixar sua direção, seu Norte: ela vem precisamente de Nordeste e lava os degraus das arquibancadas encurralando o pessoal, os torcedores, nos derradeiros níveis de cadeiras, em busca inútil de uma cobertura, um abrigo que os proteja da borrasca. A chuva vem fria e consigo despeja o granizo.
O efeito mais imediato da água que nos metralha quase na horizontal é a suspensão forçada da redação deste texto: homem de arquibancada de estádio, não disponho dos vidros e paredes de um camarote para observar o espetáculo e seus atores, exatamente, de camarote. Sou parte da trupe, mero figurante, é verdade, no meio de outros nove mil torcedores anônimos.
Na hora do jogo, porém, o temporal já se tinha ido sabe-se lá para onde, o gramado perfeito escoara toda a água que se acumulara, o sol já iniciava seu retorno de detrás das nuvens e a partida começou sem atraso.
Chuvas de Norte vêm sempre de Joinville, cidade em que chove sempre, mesmo em tempos de seca geral. E foi justamente o Joinville que entrou em campo, mas de nada lhe valeu a chuva trazida consigo, derrotado que se viu por 1 a 0 pelo Avaí, completando 11 anos sem conseguir vencer o Leão da Ilha na Ressacada, faça chuva ou faça sol, faça frio ou calor.


*Amílcar Neves toma posse nesta quarta-feira (11.4) na cadeira nº 32 da Academia Catarinense de Letras. Crônica publicada na edição de hoje do jornal Diário Catarinense (Florianópolis-SC). Reprodução autorizada pelo autor.
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Tarrafas na praia das Flores. Sambaqui (Florianópolis-SC)

FRAGMENTOS E FRASES

(NOVAS CARTAS BAIANAS)

Por EMANUEL MEDEIROS VIEIRA


“QUEM FALA DE MIM NA MINHA AUSÊNCIA É PORQUE RESPEITA A MINHA PRESENÇA”.
(Bob Marley)

“A ida de Crivella para o Ministério da Pesca é o milagre da multiplicação, não dos peixes nem do seu pequeno PRB, mas da influência do setor evangélico no governo ‘laico’.”
(Chico Alencar)

É muito triste perceber que alguém que se passava como Catão ou arauto da moralidade, usar o instituto do “’habeas corpus”, não para negar seu envolvimento com a corrupção, mas _ utilizando tecnicismos jurídicos –, desejar anulas as provas colhidas pela Polícia Federal.
(Deste escriba)

“O lugar da poesia/é onde possa inquietar.”
(Lindolf Bell – poeta catarinense)

“Se não for pela poesia, como crer na eternidade?”
(Alphonsus de Guimaraens Filho – poeta mineiro)

“Realmente, somos livres para assistir ao que queremos, e gosto não se discute. Uns preferem assistiras lutas de MMA, outros gostam de BBB. E ainda os que apreciam os amistosos da seleção brasileira.”
(De um leitor)

“O ministro da Educação (observação: Aloizio Mercadante, um homem de palavra!) tem razão ao dizer que os alunos são do século 21 e os professores do século 20. Acrescendo, ainda, que os salários dos mestres são do século 19 e os políticos da Idade da Pedra.”
(De outro leitor)

“No fim, se você fez algo (interferência estética no rosto), dá para ver. Aquilo não me enche de admiração, me enche de dó.”
Cate Blanchette – atriz)

Em 2012, a previsão de gastos no Brasil com incentivos fiscais é de R$146 bilhões.
Desse valor, aproximadamente 1% será destinado à cultura.
(Deste redator)

O Tribunal de Contas da União (TCU) divulgou relatório nas obras dos estádios da Copa do Mundo de 2014. O sobrepreço nas contas do Maracanã já chegou a R$163 milhões.
(Idem)

“Nossa Guia (observação: para quem sabe, o nosso Pequeno Napoleão, também conhecido por Lula) telefonou para o empresário Elke Batista, solidarizando-se com o seu filho, aperreado pelo episódio em que atropelou o ciclista Wanderson Pereira dos Santos. Ao tempo em que ele rodava o programa Lula 1.0, teria ligado também para a família de Wainderson, que morreu.”
(Elio Gaspari)

É preciso que toda a chamada sociedade civil se mobilize para não deixar que prescreva o processo do Mensalão – que está no STF.
(Apelo deste escriba)

E dando os trâmites por findos, parodio Antônio Gramsci: É preciso manter o pessimismo da inteligência e o otimismo da vontade.

(Salvador, abril de 2012)


Fotos: Celso Martins

8.4.12

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Toc-toc. Pascoalino. 8.4.2012. Foto: Celso Martins

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MEU ENCONTRO COM
MILLÔR FERNANDES
(1)

Por Olsen Jr.*

Estava passando por um corredor no Centro de Cultura e Eventos da UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina, quando ouvi o amigo Dilvo Ristoff contando uma história hilariante envolvendo o Millôr Fernandes(2) em que “eu” aparecia como o homem certo no lugar errado. Ouvi atentamente e exclamei “espera aí, não foi bem assim”. Só intervi porque na plateia estavam os escritores Silveira de Souza, Flávio José Cardozo e Jair Francisco Hamms(3).

Não ia deixar “barato” aquele relato. Já havia passado quase dez anos e o cara não “esquecera”, ou pelo que constatei, atinha-se a “sua” versão do ocorrido.

O Millôr havia aberto a Primeira Semana de Comunicação e Expressão, início de 1996, e havia ganhado algumas “notas extras” nos jornais por conta de duas perguntas de uma jornalista. A primeira, “como você vê o quadro político-econômico do País?” Respondeu: “o quadro tem uma moldura boa, mas o conteúdo é precário”; a segunda, “Como você avalia a comunicação brasileira hoje?” Disse (simulando meditar): a Rede Globo deve valer um bilhão de dólares... A entrevista terminou aí...

Depois do evento, Dilvo (um dos idealizadores daquele Encontro) convidou o Millôr para almoçar na Lagoa da Conceição. Era uma segunda-feira, a maioria dos restaurantes fecha para o descanso semanal. Estou ao lado da minha casa, num dos poucos lugares abertos quando vejo um táxi parar em frente. O Dilvo se aproxima para ver se o local serve almoço e me vê. Após os cumprimentos, afirma que está com o Millôr Fernandes e pergunta se poderiam sentar à mesma mesa. Afirmo que seria uma honra. Logo após, estamos reunidos, o Millôr com a mulher, Cora (filha do grande crítico literário, Paulo Ronai), a escritora rio-grandense Ieda Inda, a Michelle (minha filha) e este poetinha que vos fala. O Millôr consegue manter aquele humor o tempo todo, coisa rara, de maneira que dois cínicos se dão bem, e logo parecia que nos conhecíamos há mais de 20 anos. Acredito que a “mágoa” do Dilvo (se houve alguma) deva ser atribuída a esse fato, embora “ele” próprio consiga manter um apurado senso de humor.

Terminado o almoço, perguntei se o Millôr poderia autografar alguns livros. Cora, a mulher, disse que não haveria problema. Em menos de cinco minutos, trouxe 23 obras da minha biblioteca. Motivo de gozação. O Millôr brincou “Pô! Não pensei que tivesse escrito tanto”... No livro “O Homem do Princípio ao Fim”, ele escreveu “Para o escritor Olsen Jr. que é do meio”... Cada dedicatória era uma peça, todas lidas depois em voz alta e “curtidas” pela mesa...

O tempo passou, e agora estou ali, ouvindo a “versão” do Dilvo. Tenha paciência, brinquei você foi muito gentil, aquele encontro foi memorável, ao contrário de alguns “coleguinhas” que quando trazem alguém de fora, nestas paragens, procuram isolar-se, não compartilhando de “suas” presenças. Coisa de gente pequena. Lembro que já te agradeci por isso, no que o Dilvo concordou. Depois o Jair Hamms afirmou que iria escrever sobre o fato, disse que também o faria, afinal, tenho “a minha reputação a zelar”. Aliás, aquela “nota” sobre as “respostas” do Millôr Fernandes para a jornalista, confesso, fui eu quem enviou para o Cacau Menezes (19/03/1996), o Millôr disse apenas “o quadro tem uma moldura boa, mas o conteúdo é precário”... Botei a minha colher e acrescentei “ignora-se se o conteúdo é precário porque o esboço é ruim, ou o esboço é ruim porque o conteúdo é precário”... “Fi-lo” como diria o Jânio Quadros, porque a bolinha estava quicando na área e tinha de marcar o gol, afinal, agora o que ficou foi a minha versão, lembro a expressão clássica do Leonel Brizola “não é verdade!”.


(1) - Esta crônica inicialmente com o título de “O que importa é a versão” foi publicada originalmente no Jornal A Notícia, de Joinville (SC) no dia 08 de abril de 2005.

(2) - O humorista, escritor, tradutor, cartunista, crítico e filósofo Millôr Fernandes morreu no dia 27 de março de 2012.

(3) - O escritor Jair Francisco Hamms faleceu no dia 11 de janeiro de 2011.


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*Olá, camaradas, salve!
Depois de um mês de ausência, estou tentando por os textos em dia...
Razão pela qual postarei duas crônicas semanalmente até o final deste mês (inclusive)...
Segue o segundo texto desta semana...
Meu encontro com o Millôr Fernandes...
A música poderia ser esta: “Beatles in Pepperland”...



A inspiração veio do Álbum “Revolver” e da música “Yellow Submarine”, uma das faixas, ambos de 1966...
Em 1967, Lee Minoff escreveu uma história baseada em algumas letras dos Beatles.
Essa história foi transformada em filme.
Um desenho animado onde o produtor dos Beatles, George Martin participa com algumas músicas instrumentais.
Estas músicas foram adicionadas a trilha sonora do filme...
O Álbum com a trilha sonora foi lançado seis meses após o filme, contendo apenas algumas músicas do filme e mais as composições de George Martin...
Em 1999, o desenho animado foi reeditado digitalmente e foi lançado o Álbum Yellow Submarine Soundtrack, desta vez com todas as músicas dos Beatles que fazem parte do filme,
mas sem as compostas pelo George Martin.
A história do desenho animado era sobre PEPPERLAND, um paraíso situado a oitenta mil léguas submarinas cercado por cor e música (qualquer alusão aos livros “Vinte Mil Léguas Submarinas” e a “A Volta ao Mundo em Oitenta Dias”, de Júlio Verne não será mera coincidência)...
Os vilões denominados BLUE MEANIES atacam Pepperland para acabar com as músicas...
Os Beatles vão salvar Pepperland dentro de um Submarino Amarelo...
A música “Beatles in Pepperland” é instrumental, de George Martin que anima esta parte do filme...
Não conto o final do filme...
Aí está parte da trilha sonora, com o carinho do poeta, sempre... (Olsen Jr.)

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Jornalista Sérgio (Canga) Rubim na "redação"
da tradicional
Kibelândia. Foto: Celso Martins

Corrupto:

Cangablog
vai te pegar

O nome é Sérgio Rubim, vulgo Canga, mas poderia ser Papa-léguas, Serelepe, The Flash ou qualquer outro apelido associado à velocidade, presteza, agilidade, celeridade... O fato é que se tornou conhecido como o titular do CangaBlog, hoje o mais acessado do Estado, com média de 20 mil visitas/dia. Por Celso Martins, no Daqui na Rede.