21.11.12

EMANUEL MEDEIROS VIEIRA
Salvação - Alameda dos Amigos Mortos




SALVAÇÃO

Por Emanuel Medeiros Vieira


O tempo é a espera de Deus que mendiga nosso amor”. (Simone Weil)

O tempo é uma nave sem governo, umas vezes avança, outras baloiça-se nas ondas oleosas.
O tempo é uma perpetuidade cansada; o chão que pisamos é feito de infinidade, o sol despenha-se do alto para que o recebamos, e não para medir a noite e o dia.
Cada livro é uma peregrinação
”. (Agustina Bessa  Luís)


Salvar o tempo do tempo: é preciso.
Toda matéria vem da memória.
Todo tempo é derradeiro.
Estóicos – não desistimos.
Tudo termina em morte.
Exorcizamos a finitude  através do que criamos?
Salvamos o tempo vivido.



ALAMEDA DE AMIGOS MORTOS

Por Emanuel Medeiros Vieira                                                                

ALAMEDA DE AMIGOS MORTOS:
CHAMAM-ME PARA NAVEGAR NO BARCO
DAS PARCAS.
MANHÃ COM CHEIRO DE MARESIA,
FLOR RETORCIDA DO CERRADO,
MORANGOS NA CESTA.
E TUDO CONTINUARÁ.
OUTRO CAFÉ, OUTRO DOMINGO, OUTRO MENINO,
E TODO VENTO DA MEMÓRIA JÁ PASSOU.

ALAMEDA DE AMIGOS MORTOS:
NAUTA, NAVIO ENCALHADO, CASCO, GOSTO DE SAL,

GAIVOTA, PORTO, GARRAFA AO MAR, BILHETE.

ALAMEDA DE AMIGOS MORTOS:
ALÉM DE MIM, ALÉM DO PÓ.
ALGUEM FECHA MEUS OLHOS,
APÓS O MOMENTO DERRADEIRO.

NADA MAIS PODE SER COMPENSADO:
FUI APENAS MEMÓRIA,
NÁUFRAGO NA MINHA PÁTRIA SOBERANA: O EXÍLIO.


Fotos: Celso Martins (Sambaqui, Florianópolis-SC)

26.10.12




Dá-lhe Emanuel, manda ver!

O escritor catarinense Emanuel Medeiros Vieira, residente em Salvador-BA, encaminha três textos recentes para publicação: Que fazer? (decicado a Elmodad Azvedo), Herança (para Gerônimo  Wanderley Machado, Remy  José Fontana e Yan Carreirão) e Sebos (em memória a Eric Hobsbawm). As fotos são de Celso Martins.


QUE FAZER?

Por Emanuel Medeiros Vieira
PARA ELMODAD AZEVEDO
(OUVINDO CARTOLA E ELIS)

– TAMBÉM BEETHOVEN  – numa sexta-feira, enquanto anoitece –
“Na juventude deve-se acumular o saber. Na velhice fazer uso dele.”
(Jean-Jacques Rousseau)



O que fazer quando qualquer gesto parece inútil e o rio parece inundado de impotência?
Não controlamos o nosso destino – o acaso?
Não, não é auto-ajuda.
Somos finitos – pó  seremos.
O que fazer enquanto estamos aqui, longe do mundo vão das celebridades instantâneas, da idiotice generalizada, da mediocridade hegemônica?
Somos poucos, mas parecemos muitos – e seremos mais.
Manter o pessimismo da inteligência e o otimismo da vontade?
Sim. Também isso.
Um passo a frente, dois atrás.
Dois à frente, um atrás.
Cansamos dos podres poderes. Chegamos ao limite da tolerância com a calhordice no poder.
Não é preciso trair valores.
É preciso atravessar a margem do rio – preservando-os.
Até à terceira margem.
É um mundo pós-utópico, árido, cinzento.
Mas um pássaro canta neste final de tarde.
Existe a amizade, o amor (como nossa maior sede antropológica, e não beijo de novela), o mar, memórias.
Cheiro de café moído, de pão feito em casa. Um pão repartido com fraternidade.
Palavras como a mãe, irmão, amigo.
O hoje não deveria ser o carbono de ontem.
O instante poderia ser convertido em sempre.
A guerra sangrenta europeia – onde se mata pelo CAPITAL –, onde tantos sofrem, deveria impedir o individualismo feroz.
Que fazer, irmão?
Não, não sabemos.
Não é nostalgia, mas pioramos.
Melhorarmos em engenhocas eletrônicas.
Internamente, regredimos.
Mas poderemos crescer.
Acumular conhecimento, resistir, envelhecer com dignidade.
Não digo nada de novo? Não.
E manter o humor.
“Seguro morreu de guarda-chuva”, pontificava o mágico-poeta Mário Quintana.
Que fazer?
Alguém disse que não entende porque tantas pessoas moram em outros lugares, enquanto Paris ainda existe...
(Salvador, outubro de 2012)



HERANÇA

Por Emanuel Medeiros Vieira


Para Gerônimo  Wanderley Machado, Remy  José Fontana e Yan Carreirão

O amolador segue, dobra no fim da rua e some/A noite engole o dia; a fome, agora, é outra fome
(Fred Souza Castro – 1931-2012)

Tudo o que vivemos se apaga.
Não?
Algo de nós ficará?
O que se fez, deixará marca no mundo?
Evaporará no oblívio?
Tudo se dissipa no esquecimento?
Seremos órfãos dos sonhos da juventude?
Ou a ele fiéis?
Não vendendo a alma aos quarenta anos?
Continuando a fazer – sempre.
Seguindo a Rua, remando (tantas vezes) contra a maré – mas remando.
Por nós, pela dádiva de cada amanhecer, por cada amor vivido, pelos amigos mortos, pelos cabelos brancos, pela vida.
Somos efêmeros – sim, transeuntes.
Mas algum gesto na jornada terá sido eterno.

“O tempo é uma nave sem governo.  Umas vezes baloiça-se nas ondas oleosas. O tempo é uma perpetuidade cansada; o chão que pisamos é feito de infinidades, o sol despenha-se do alto para que o recebamos, e não para medir a noite e o dia;
Cada livro é uma peregrinação.”
(Agustina Bessa Luís)
E viveremos cada dia, sim, cada dia, até a outra Rua–  a Terceira Margem.
(Salvador, outubro de 2012)




SEBOS

Por Emanuel Medeiros Vieira

EM MEMÓRIA DE ERIC HOBSBAWM
“Não creio que haja coisa pior no mundo do que a leviandade, pois os homens levianos são instrumentos prontos a tomar qualquer partido, por mais infame, perigoso e pernicioso que seja; sendo assim, é melhor fugir deles como se foge do fogo”
                        (Francesco Guicciardini)

Bibliotecas, museus, sebos, cheiro de papel.
Nada me dizem os aparelhos eletrônicos de última geração – e logo virão outros.
Nostalgia, passadismo?
Eis a memória do mundo.
Essa é a “modernidade” que nos foi dada?
(Que palavra é essa?)
Seremos os últimos amantes disso tudo?
Somos os pistoleiros do entardecer?
Os deslumbrados compram tudo.
“Dinossauros” – assim somos qualificados.
O que importa é o que está dentro, não o seu aparato.
Quase todos só querem a aparência do bolo.
Mas o rebanho quer a novidade.
Cristo parou e foi meditar.
Buda parou e foi meditar.
Os rebanhos enchiam as praças de Berlim, e   berravam “viva Hitler”.
Todos querem ter tudo, e não têm nada.
Sebos, sim, sebos.
Livros de papel – sim, livros de papel.
Não me interessam maquininhas utilitárias.
O esforço é outro.
Sou cristão, sou marxista, sou agnóstico, estou dentro e fora – nasci em errada época – sou apenas um fragmento de tudo – , e sou finito.
Aridez pós-utópica?
Assim se vive?
(Sonhos estilhaçados?)
A literatura é o ópio dos intelectuais?
E a TV?
 Nada mais importa, tudo é irrelevante.
Resta-nos o individualismo, e a banalização de tudo?
A passividade de um povo é a glória do Governo.
(“Puro panfletarismo retórico”, adverte o promotor interno.)
“Toda época sonha a anterior.”
(Jules Michelet – 1798–1874))
Cavalguemos.
Sigamos – cavalgando solitários, mas sempre cavalgando – sempre, até o assobio das Parcas.
(Talvez com dor no coração, mas iluminados).
Valores? Isso é bobagem.
(Não, não para nós.)
 Importa a eficácia – a “moral” da época.
Cavalguemos – sempre.
(Salvador, outubro de 2012)

22.10.12


Patrimônio material e imaterial e as
populações remanescentes em risco


O atendimento às populações tradicionais remanescentes do Contestado, a guarda e preservação da memória física do conflito, além do seu acervo documental, estão entre as indicações da Carta do Irani, que acaba de ser divulgada.
“Como resultado da sessão de Chapecó do Simpósio do Centenário do Movimento do Contestado, publicamos a Carta do Irani, como uma mensagem política a respeito da situação das populações remanescentes, das fontes, acervos e dos locais de memória do Contestado”, resume o professor Paulo Pinheiro Machado, um dos coordenadores do evento e que encaminhou o documento ao Daqui na Rede.
Abaixo, na íntegra, o documento que tem a chancela da Universidade Federal da Fronteira Sul, Universidade Federal de Santa Catarina e Universidade Federal de Pelotas.


Íntegra da "Carta do Irani"

Nós, professores, estudantes e pesquisadores da área de História e demais Ciências Humanas, participando de três sessões (na UFSC, entre 29 de maio e 1 de junho; na UFPEL, entre 29 e 31 de agosto e na UFFS, entre 18 e 22 de outubro) do Simpósio sobre o Centenário do Movimento do Contestado, reunidos ao longo deste ano de 2012, preocupados com o estado e situação de acervos documentais, locais de memória, patrimônio histórico e da população remanescente do conflito do Contestado, alertamos a sociedade civil e conclamamos as autoridades públicas (órgãos de Patrimônio e Memória, Poder Executivo, Ministério Público e Poder Judiciário, das esferas municipais, Estaduais e Federal) para:

a). A premência da implementação de políticas públicas de saúde, educação e terras para a população remanescente do conflito, como forma de atendimento a cidadãos que, por gerações, estiveram marginalizados dos benefícios da sociedade brasileira. Considerando que os núcleos de remanescentes do conflito - e de população tradicional do planalto meridional em geral - apresentam atualmente os mais baixos índices de desenvolvimento humano do sul do Brasil (IDH, conforme avaliação oficial);

b). A urgência da defesa dos locais de memória e convivência das populações tradicionais remanescentes do conflito em Santa Catarina, e em maior âmbito, dos locais frequentados pelos devotos da tradição de São João Maria em todo o sul do Brasil. Atualmente muitas fontes de “águas santas”, grutas, ermidas, cruzeiros, antigos redutos, guardas e cemitérios precisam de defesa institucional e recuperação e conservação, como locais de visitação, culto, convivência e pesquisa científica;

c). A necessidade da localização, preservação, guarda e colocação à disposição de pesquisa de acervos documentais, de origem pública ou privada, compreendendo todo um repertório (de documentos, imagens, prosa, poesia, orações, pinturas, esculturas, objetos museológicos, depoimentos orais e peças audiovisuais) que tenham relação com a Guerra do Contestado e, num sentido mais amplo, sobre a vida, a sociedade e a cultura do planalto meridional brasileiro;

Acreditamos que é nossa obrigação, como professores, pesquisadores e estudantes, apontar as questões acima para que nos próximos 100 anos não tenhamos que lamentar a continuidade de situações de subalterização e marginalização de nossa pobre população que tanto trabalhou e trabalha para a edificação da nação.

Irani, 22 de outubro de 2012.

Assinam: Os participantes do Simpósio do Centenário do Movimento do Contestado: História, Memória, Sociedade e Cultura no Brasil Meridional, 1912 – 2012. Carta aprovada por aclamação na mesa final da sessão de Chapecó – UFFS.

21.10.12

Portal de Notícias Daqui na Rede é alvo de ataques








 AOS AMIGOS DO ‘DAQUI NA REDE’ E DO JORNALISMO - Desde o surgimento no verão de 2010 o Daqui na Rede tem se caracterizado por várias razões. Além da presença nos principais eventos do distrito de Santo Antônio de Lisboa e em questões de relevante interesse para toda Florianópolis, ficamos conhecidos por sair do ar sempre que alguma matéria mais polêmica é publicada.
Quero crer que se trata de coincidência, mas os danos são sensíveis. O último problema aconteceu com o servidor que hospeda o Daqui na Rede, alvo de vírus desde meados da semana. O problema havia sido solucionado hoje (domingo, 21.10) por volta das 13 horas. Estávamos retomando as postagens quando surgiu um fato ainda não esclarecido: a página do Daqui na Rede aparece em branco. Isso aconteceu quando postei a matéria sobre os jogos dos Veteranos do Triunfo de sábado. Ao tentar visualizar a postagem, embranqueceu tudo.
O caso está sendo estudado, mas ainda não foi esclarecido.
Agradeço o apoio de todos que telefonaram, encaminharam e-mails, enviaram mensagens e vieram até a redação do Daqui na Rede. Asseguro que vamos prosseguir no esforço de manter o site no ar. Se for preciso criar outro o faremos. Mas não abanarei a trincheira, o exercício diário do jornalismo e de apoio às causas comunitárias.
Esclareço que a galeria de fotos* continua ativa (pelo menos por enquanto),  através do qual poderemos atender a momentaneamente a demanda.
Agradeço a atenção e compreensão de todos e desejo um bom domingo!

Celso Martins da Silveira Júnior
Jornalista, editor do Daqui na Rede


4.10.12

 "AVENIDA RIO BRANCO" POR
EMANUEL MEDEIROS VIEIRA

*

ORAI POR NÓS!

Detalhe de coleção particular de imagens de 
São Francisco e São João Maria. Foto: Celso Martins

*
O Daqui na Rede foi ameaçado e caluniado através de uma rede social pelo candidato do PC do B à Câmara de Florianópolis, Renato Hercílio Marciano (Renatinho), seu cabo eleitoral Pablo Fernando Dias e o dirigente estadual do partido Lucas Ferreira. Motivo: a divulgação da decisão do TSE confirmando o indeferimento da candidatura de Renatinho. Os detalhes estão no Daqui na Rede.

 Detalhe de coleção particular de imagens de 
São Francisco e São João Maria. Foto: Celso Martins

*


Bromélia de casa. Foto: Celso Martins


*

AVENIDA RIO BRANCO

Por Emanuel Medeiros Vieira*

AOS SOBREVIVENTES

(E PARA OS QUE NÃO ESTÃO MAIS ONDE NÓS ESTAMOS, MAS ESTARÃO SEMPRE ONDE ESTIVERMOS.)

“Atenção moradores daquela Av. Rio Branco/Se houver sobreviventes/Por favor, apontem o dedo ou telefonem a cobrar;/que quero enxugar deste canto, a teimosia do pranto./Prefiro cantar a vida, aos mortos desenterrar”. (Paulo Leonardo Medeiros Vieira)

“Há sonhos que devem  permanecer nas gavetas, nos cofres trancados até o nosso fim.

E por isso passíveis de serem sonhados a vida inteira”. (Hilda Hilst)

A rua era maior do que o mundo.

E tão pequena.

Paulinho Paiva contempla as estrelas, Chico barriga D’Água entoa melancólicas melodias  – com seus andrajos –, na gaita de boca. Papai vem do mercado, mamãe faz cocadas, Antônio e D., Hamilton jogam  “botão de mesa”: ah, Ademir, ah, Zizinho.

Nunca mais seremos campeões em 50.

As “Filhas de Maria” rezam na Catedral, os meninos na Cruzada Eucarística.

Trocos gibis no Cine Rox – com suas pulgas.

É São João soltamos “‘buscapés” e “diabinhos malucos”.

Sim, a rua – agora só no coração, mítica – era maior que o mundo.

Na hora do “Angelus”, nos reunimos em frente à calçada do número 60 e tomamos groselha, comemos pão feito em casa, sentados em cadeiras improvisadas.

E o noivo da Estela (o Max) morre num desastre aéreo,

E vamos aos jogos no Campo da Liga.

Consola-me, Ilha!

O tempo embutido no homem de bigode,

As duas pontes: o menino e o seu boné, o velho e sua memória.

Redime-me, avenida, riozinho, terrenos baldios, quintais, sabiás, goiabeiras, pintagueiras.

Onde estão todos eles?

E Luiz mata o peru para a ceia de natal, e toma um trago no Catecipes.

E seu Afonso coleciona orquídeas,

E o tempo passa devagar. Passa?

Ou nós é que passamos?

Tanto para lembrar – não existe mais.

A venda do Quidoca, o Miramar, a confeitaria Chiquinho, o hotel Lux, e o soldado toca a corneta no quartel da Polícia.

E o primeiro amor de tranças, loira pálida, saia plissada, meias brancas e longas,  uniforme de normalista?

Sem rima, sem métrica – ma essa emoção atravessando os ossos – algo de mim ficará.

“A memória dos que envelhecem (...) é o elemento básico na construção da tradição familiar. (...)

Só o velho sabe daquele vizinho de sua avó, há muita coisa mineral dos cemitérios, sem lembrança nos outros e sem rastro na terra  –mas que porque ele pode suscitar de repente (como o mágico que abre a caixa de mistérios).”

(Pedro Nava, “Baú dos Ossos).

Não, não é saudosismo – Chico vai servir ao Exército no Rio,

Está no Maracanã em 1950 – naquele silêncio sem adjetivos,

E o primo Paulo Medeiros morre no Rio na casa dos 20 anos.

Ah, brinco com o meu coração – desafio-o,

Onde estás, Avenida Rio Branco?

Não essa de carros, buzinas, condomínios, edifícios, porteiros eletrônicos, seguranças – porque o medo ganhou.

Camuflo duas lágrimas (“homem não chora”)–  porque Clarice e Lucas na foto sorriem para mim  (isso vale uma vida – o resto é o resto.)

Sou de 1945– e encontrei tudo destroçado –  porque a guerra nunca acaba.

Sim: brinco com o meu coração – até onde vai?

(Estou preparado– vem sabiá, canta-me pela última vez.)

Gracinha foi para o convento.

Não estarei mais aqui – ficará o resto do trapiche da Praia de Fora?

E estarei no domingo rezando na Gruta da Trindade, comendo amoras e carambolas, a família reunida.

Vem, Avenida Rio Branco, pacifica-me no XXI século – serei sempre e até depois, o filho da dona Nenem e do Professor Xavier.



 Bromélia de casa. Foto: Celso Martins

*Caro Celso
[...]
Não escrevo por vaidade, mas funda precisão.
Joyce dizia que na velhice, a infância deita-se ao nosso lado.
Falo sobre a infância e a nossa ilha - "outra", mítica, atemporal - que carregaremos sempre no coração.
Essa outra ilha, a especulação imobiliária NÃO DERRUBA, NÃO MATA, NÃO DESTRÓI.
O QUE ELES CHAMAM DE PROGRESSO, É REGRESSO.
Não é saudosismo - como diz o meu sobrinho Paulinho-, mas saudade.
Para mim, o texto tem significado emotivo especial.
Reconheço: não é pequeno...
Feliz e produtiva semana!
[...]
Grato pela acolhida generosa de sempre, Emanuel*
*Poesia numa hora dessas? Em semana eleitoral?
Por que não?
A vã e vil política passa.
Já os poetas - como os cegos - enxergam na escuridão.
Freud dizia: "Os poetas chegaram antes de nós."

*

Detalhe de coleção particular de imagens de 
São Francisco e São João Maria. Foto: Celso Martins

*

O Daqui na Rede foi ameaçado e caluniado através de uma rede social pelo candidato do PC do B à Câmara de Florianópolis, Renato Hercílio Marciano (Renatinho), seu cabo eleitoral Pablo Fernando Dias e o dirigente estadual do partido Lucas Ferreira. Motivo: a divulgação da decisão do TSE confirmando o indeferimento da candidatura de Renatinho. Os detalhes estão no Daqui na Rede.



27.9.12

assado, Luiz Fernando Galotti, Emanuel Medeiros Vieira, Sua majestade o canário, Olsen Jr., Passado, Luiz Fernando Galotti, Emanuel Medeiros Vieira, Sua majestade o canário, Olsen Jr., Passado, Luiz Fernando Galotti, Emanuel Medeiros Vieira, Sua majestade o canário, Olsen Jr., Passado, Luiz Fernando Galotti, Emanuel Medeiros Vieira, Sua majestade o canário, Olsen Jr.

 

Garça em Santo Antônio de Lisboa. Foto: Celso Martins

Dois ilustres escritores

Emanuel Medeiros Vieira encaminha o porma "Passado", dedicado a Luiz Fernando Galotti, falecido recentemente. "Meu primeiro livro foi lançado em 29 de setembro de 1972 na livraria Cruz e Sousa", que pertencia a Galotti, lembra Emanuel. "E a Vera Linhares [falecida] ajudou no preparo do lançamento".
Oldemar Olsen Júnior, o nosso Olsen Jr., andou por Florianópolis tratando de reformas em sua casa na Lagoa da Conceição e conversou com alunos do Colégio Maria Luiza de Melo, o popular Melão, em São José. Antecipou a crônica "Sua majestade o canário".

Gaivota na Ponta do Sambaqui (Sambaqui). Foto: Celso Martins

*

SUA MAJESTADE O CANÁRIO

Por Olsen Jr.

   Não é segredo para ninguém que os animais exercem um determinado fascínio sobre as pessoas. Desde tempos imemoriáveis estes seres, ditos irracionais, acompanham o gênero humano. Alguns destes espécimes como lembrou um amigo bem humorado, até se adaptaram melhor ao mundo que certos indivíduos que conheço, mas é outra história.
   O fato é que esta afetividade transplantada para o plano prático fez com que domesticássemos determinadas espécies para o nosso convívio, seja por razões impostas pelo trabalho, para fins bélicos, alimento, negócios, sociabilidade e até ocupações lúdicas...
   Por que estou lembrando isso?
   Certos fatos e acontecimentos estão tão incorporados em nossas vidas que, muitas vezes, não percebemos as dificuldades que envolveram nossos antepassados considerando a iniciativa que vai desde a captura de determinadas espécies de animais até o seu condicionamento para pô-las a disposição do convívio humano para os fins a que destinasse.
   Assim, a docilidade de um gato (seja de que raça for) aninhado em cima de um sofá na sala dificilmente evoca sua ancestralidade com os egípcios e a civilização que engendraram... Um cachorro abanando o rabo para receber um afago do dono raramente provoca um sentimento de gratidão  pelos povos asiáticos que os trouxeram para o nosso convívio... Do alimento para a caça, guarda e companheirismo, quem sabe quem chegou primeiro?  Talvez a sobrevivência mesmo, arrisco.
   Mas no lugar onde estou morando agora, Rio Negrinho (Norte do estado de SC) uma das primeiras coisas que me chamaram a atenção, andando por aí, foi à ausência de cachorros nas ruas. A sensação é a de que os proprietários dos cuscos gostam deles o suficiente para não permitir que fiquem soltos por aí a mercê de um destino aventureiro que, aliás, não condiz com uma sociedade de colonização alemã.
  Outra constatação, a propósito foi uma amiga quem me alertou. Como ela gosta muito de bichos e sempre conviveu com gatos desde a infância (na casa dela sempre havia pelo menos dois) disse-me que era muito raro perceber a presença de um destes bichanos em qualquer local. Daí insuflado pela curiosidade comecei a reparar em todos os lugares por onde andasse se havia algum gato... Nada... Mesmo em casas habitadas por gente idosa onde tal incidência é quase rotineira, nem sinal daqueles animais assim tão limpos e delicados e inofensivos como sempre fazia questão de afirmar a minha amiga que, a bem da verdade tinha um em casa com o curioso nome de “Pacato”, segundo ela, a inspiração para nomeá-lo veio do seriado “He-Man” da televisão.
   Lembro que nos fizemos a mesma pergunta: “o que será que houve com os gatos (estávamos nos referindo aos felinos, evidentemente) desta cidade?
   A pergunta permaneceu no ar durante alguns meses... Outro dia encontro com esta amiga e comentamos sobre aquele fato inusitado, foi quando ela começou a rir... Aí foi a minha vez de ficar intrigado... “Qual a graça?”  – Indago, sem entender... “Descobri a razão da quase ausência dos gatos na cidade” – Disse ela, fazendo um breve suspense para apimentar o que iria dizer... “Estou ouvindo” – brinquei enquanto esperava pelo desfecho daquele enigma. Descobri a resposta, começou ela, por puro acidente. Dia destes, comentei com um morador antigo aqui da terra, que não tinha visto nem um gato nas imediações... Ele sem se constranger, simplesmente disse: “Ninguém tem gato em casa porque há muitos criadores de canários na cidade... E aqui o canário é rei!”... Rimos juntos... Lembrei do Lauro, meu barbeiro que coleciona troféus ganhos pelos seus canários, mas agora já é outra história!

.

A música que ilustra o texto poderia ser esta...



Do grupo “The Troggs” que pontificou na década de 1960 (só para variar)...
Eles emplacaram muitos sucessos, a maioria no ano de 1966 quando assinaram contrato com o mesmo empresário do “The Kings”...
Continuam na estrada até  hoje...
Antes que esqueça, “Troggs” é a abreviatura inglesa para a palavra trogloditas...
Vai com o carinho de sempre do poeta... (Olsen Jr.)

*

 Gaivota na praia das Flores (Sambaqui). Foto: Celso Martins

PASSADO 

Por Emanuel Medeiros Vieira


Em memória de Luiz Fernando Gallotti – que muito fez pela cultura de
Florianópolis e pelo avanço do conhecimento e da democracia.

Para os que ainda sonham.

Atiramos o passado ao abismo, mas não nos debruçamos para ver se ele está morrendo.” (William Skakespeare)                        

Quando chover no seu desfile, olhe para cima e não para baixo. Sem a chuva, não existiria o arco-íris.” (G. K. Chesterton)


O passado caiu no abismo.
Caiu?
Escorre o Tempo – sempre.
Deixamos tudo para depois.
Ele – o Tempo – não.
Tudo já foi dito (lembrado): um trapiche, um menino, um velho – e o mar.
“Redundante, repetitivo”.
São sempre os mesmos – os temas.
(Álibi compensatório).
O pai sereno no caixão.
Só captamos fragmentos de uma vida.
A baía azul, a regata – o útero materno.
O Passado será sempre um país estrangeiro.
Ossadas de um menino?
Ou um sonho irrevogável – algo de ti ficará.
Obrigado, amigo!

(Salvador, setembro de2012)

*

 Placa no Gambarzeira (Santo Antônio de Lisboa).


24.9.12

FOTOGRAFIA (Celso Martins) e 
POESIA (Emanuel Medeiros Vieira)






*



Imagens da resistência democrática
na Florianópolis da década de 1970

Jornalista e historiador Celso Martins mostra fotografias inéditas

Imagens da Resistência: Florianópolis nos anos 70, do historiador e jornalista Celso Martins, tem a coordenação e produção de Carmem Lúcia Luiz com a curadoria do fotógrafo Radilson Carlos Gomes. O movimento estudantil, as noitadas no Roma, a Novembrada e o cotidiano daqueles tempos integram a mostra.
“Tudo isso fazia parte do meu dia-a-dia, como morador do bairro da Trindade que ameaçava fazer poesia, militava na oposição à ditadura civil-militar e atuava como repórter do jornal O Estado”, conta Martins que não se vê como fotógrafo. “Fotografo no intuito de reportar uma imagem”, explica, “mas onde eu me realizo é como repórter de texto”.
O material que está sendo mostrado é apenas uma ínfima parte do acervo reunido por Celso Martins, a maior parte ainda em negativos que nunca foram ampliados. Munido de uma câmera Canon FTB, ele cobriu os atos da resistência democrática e o dia-a-dia de seus integrantes, além de fatos e eventos pela cidade.
Teve a sorte de conviver com o grupo pioneiro do foto-jornalismo na cidade, reunido no jornal O Estado, como Orestes Araújo, o falecido Rivaldo Souza, Sérgio Rosário e Lourival Bento. “Eu era repórter mas acompanhava as discussões dos fotógrafos sobre a obtenção da imagem, as questões éticas, a revelação, ampliação e edição das fotos”, lembra.
Naquele tempo, profissionais de peso como Tarcísio Mattos, Carlos Silva e Sarará, atuaram no laboratório do jornal, com quem eu “discutia a qualidade dos meus negativos”. Martins também se recorda das primeiras lições com Osvaldo Nocetti (Coca) e Laureci Cordeiro, as aulas com Dario de Almeida Prado e o convívio com outros profissionais.
A mostra tem um formato diferente, com fotos em grandes dimensões, muitas escaneadas e ampliadas a partir de contatos, sem o uso de qualquer programa para alterar seu estado original. Uma pequena instalação vai mostrar como eram processadas estas fotografias, com ampliador, bacias, pinças, cuba e o tradicional varalzinho para a secagem de fotos e negativos.
Na ocasião estarão sendo autografados os livros Os quatro cantos do Sol – Operação Barriga Verde (Florianópolis: EdUFSC, 2006) e Os Comunas – Álvaro Ventura e o PCB catarinense (Florianópolis: Paralelo 27/Fundação Franklin Cascaes, 1995, ambos de autoria de Celso Martins.


Serviço

Mostra
Imagens da Resistência: Florianópolis nos anos 70

Autor
Celso Martins (jornalista e historiador)

Abertura
Dia 25.0.2012 às 19 horas

Permanência
Dias 25 a 27 de setembro

Local
Espaço É A GENTE (rua Júlio Moura, 139, Centro)

Entrada franca

*

BREVIÁRIO

(Ou Livro das Citações)

Lembrando Theo Angelopoulos (1936-2012), um dos maiores cineastas do século XX


Por EMANUEL MEDEIROS VIEIRA

(...) “Disse a mim mesmo repetidas vezes que não existe outro enigma senão o tempo, essa infinita urdidura do ontem, do hoje, do futuro, do sempre e do nunca”.

(Jorge Luis Borges – “O Congresso”, em “O Livro de Areia”)

O tempo – sempre

pó, sombras, finitude,

meu breviário,

bíblia da jornada – inelutável calendário,

 mar azul ao fundo,

menino, velho, defunto.

o tempo e seus presságios

 meu fio-terra particular (subjetividade dilacerada) – e rosto no espelho (todos os dias)

bússola desgovernada, errático astrolábio

a vida escorre – sempre celebrada

(Mesmo que a morte tenha mais tempo)

Novamente, lembrei-me de Borges – da mesma obra –, citado na epígrafe:
(...) “Também a mim a vida deu tudo. A todos a vida dá tudo, mas a maioria ignora isso. (...)

(“Undr”)

Lembrando Theo de “A Viagem dos comediantes”, “Paisagem na neblina” “A Eternidade e um dia”, “Um olhar a cada dia”

Breviário, epístola, palavra, revelação, mãe, imortalidade – e o tempo e o mar

(Quem sabe, Deus)

A Eternidade é um dia

A Eternidade e um dia

E só essa vida. Só essa. Nunca mais.

16.9.12


10.9.12



Camaradas, salve!
Segue a crônica com a música...
Com o carinho do poeta sempre...



O cantor e ator Ricky Shane é um mistério...
Filho de pai libanês e mãe francesa...
Foi para Paris com 15 anos...
Gravou  “Mamy Blue” em 1971 e literalmente “matou a pau”...
Depois sumiu... Dedicou-se ao cinema e teatro...
Casou, teve filhos...
Nunca mais ouvi falar dele... Uma pena!
Tinha talento, esta composição é um exemplo, vai... (Olsen Jr.)



NEM SEMPRE
FREUD EXPLICA

Por Olsen Jr.

   Estou no consultório odontológico esperando a minha vez. Procuro ler alguma coisa (qualquer coisa) para aliviar a tensão. Pego uma revista “Status” (remake)... Na década de 1970 uma publicação com este nome era o melhor que se tinha para a satisfação do público masculino. Guardo um exemplar temático (só Drinks) daquela época. Agora, a edição que tenho em mãos é uma pálida evocação do que a memória ainda retém.   Não deveria ter mais “certas” preocupações, mas tenho... Vejo a senhora que sai do gabinete, caminha lentamente em minha direção... Afirmo para descontrair “não doeu nada, certo?”... Ela parece surpresa com a minha observação, afinal tudo ali é asséptico e sério... “Não, meu filho, não doeu”...   Digo para ela que certos “traumas” ou “má vontade”  se preferir, com algumas situações a gente leva da infância e não muda mais...
A ela junta-se a atendente e ficam me ouvindo... Continuo, “dentista, cortar cabelo e comprar roupas sempre foram questões a serem resolvidas para mim”. O primeiro por não suportar o ruído que a broca faz (e a gente não vê o que ela está fazendo), o segundo porque nunca me deixaram ter o cabelo comprido na época em que isso era moda (na década de 1960 quando os Beatles mandavam na música pop) e por último, se antes era porque a minha mãe escolhia o que iria vestir, agora simplesmente porque não suporto a constatação sempre quando me vejo num provador de que preciso perder peso, e todo o drama continua...”
   A mulher e a recepcionista começam a rir e naquele momento esqueço que sou o próximo a ser atendido. Ela concorda comigo e lembra que na sua infância a broca nos consultórios era acionada por pedais e claro, dependia das flutuações da energia do dentista despendidas no ato... Penso que as alterações de rotação da dita cuja deveriam provocar “dores” de intensidades variadas em curto espaço de tempo... E, “quanto aos provadores, acrescentou ela, tenho verdadeiro pavor... Menos porque não goste de comprar roupas, porque gosto, mas não sou compulsiva como uma amiga que já deve ter perdido a conta de quantos sapatos tem em casa”...
   Intervenho e afirmo que deve ser algo no componente genético das mulheres porque não conheço uma que não goste de sapatos...
   Ela assente com a cabeça e continua a história afirmando que sua amiga teve de ir a uma festa e comprou uma sandália para combinar com a roupa... Quando já em casa foi procurar a peça descobriu que tinha guardada outra sandália, da mesma cor e modelo... Mas eu estava falando dos provadores, porque os detesto... Algum tempo atrás fui provar uma roupa... Estava lá dentro me preparando para vestir a roupa que pretendia comprar quando escorreguei e tentei me apoiar no que eu pensava ser uma parede daquela cabine... Para minha surpresa, levei um susto, eram apenas cortinas dispostas em “U” e caí de costas no provador ao lado... Naquele momento havia um homem só de cuecas que iria também vestir alguma roupa... Caí por cima dele e foi um “Deus nos acuda!”...
   Aí foi a minha vez de juntar-me as gargalhadas da recepcionista... A mulher pareceu não se abalar, disse já ter superado o “trauma”, mas não esquecia o caso... Alguém avisou que o motorista dela já  estava esperando e ela saiu, não sem antes abraçar a secretária e a atendente do gabinete... Depois olhou para mim e afirmou “não se preocupe, meu filho, não vai doer nada!”
   Agradeci aquele conforto moral e depois que ela saiu fiquei imaginando que nada é melhor que o bom humor para encorajar um homem recalcitrante (sem nenhuma vocação para herói) num gabinete de dentista! 
  

6.9.12



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Poema de Emanuel Medeiros Vieira*

“Não Matarás”: não basta.
Teu mandamento será este: farás tudo para que o outro viva.
É vero sim o que quero:
não me importa o estoque de teu capital, Brasil,
mas tua capacidade de: amar
lavrar
aspirar
compreender.

Esse estatuto de miséria não é o nosso,
e a tecnologia da última geração não me sacia:
meu coração navegador quer mais.
A Ética – cuspida, debochada, no reino do simulacro,
Virou produto supérfluo porque não tem valor contábil.

Tempo dessacralizado e sem utopia:
a esperança é um cavalo cansado?
A aventura acabou no mundo?
Seremos apenas meros grãos de areia na imensa praia global?
Habitantes de um mundo virtual neste mercado sem cara?
Soará pomposo, eu sei:
não deixemos que nos amputem a alma
(e que acolhamos o outro).
Ser gente: não mera massa abúlica, informe, com os olhos colados
no retângulo luminoso de todas as noites.
O tempo é apenas dos alpinistas sociais?
Sou bom porque apareço, não apareço porque sou bom.

Na internet a solidão é planetária.,
mas do abismo – fragmento – irrompe um menino eterno,
e sentes o cheiro de uma manhã fundadora.
(A Morada do Ser é mais importante que o poder/glória.)

E o poema resiste,
singra a eternidade,
despista a morte,
seu estatuto não é mercantil.

Já não esqueces o essencial:
Na estrada de pó e de esperança, acolhes o outro.



*Este texto obteve o Primeiro Lugar no Concurso Nacional de Poemas, promovido pela Associação de Cultura Luso-Brasileira, de Juiz de Fora, Minas Gerais, sendo contemplado com a Medalha de Ouro “Jacy Thomaz Ribeiro.” O tema do concurso foi “Solidariedade: Por um Mundo Melhor.”






 Fotos: Celso Martins

14.8.12


Emanuel Medeiros Vieira:
Nunca mais voltaremos para casa

Emanuel Medeiros Vieira tem voado muito entre Salvador e Brasília, escreve copiosamente, mantém contatos com os amigos, dispara e-mails e divulga como poucos seu mais recente livro – Nunca mais voltaremos para casa (dedicado ao titular do Sambaqui na Rede e a outros amigos).



Pedidos
 Editora Dobra Literatura 
www.dobraeditorial.com.br
(Tel: 11 5083-3090)

*

Emanuel segundo Maura

Os dois textos a seguir escritos por Maura Soares estão repletos de incursões à Florianópolis de antigamente. Sob o pretexto de comentar a obra Cerrado Desterro, ela dá algumas pinceladas no perfil de Emanuel Medeiros Vieira e, sobretudo, apresenta elementos do imaginário da criação literária - dela, de Emanuel e outros autores. 

Maura Soares


CERRADO DESTERRO
PALAVRAS PARA EMANUEL

Iniciei a leitura de Cerrado Desterro na manhã  de 4 de abril de 2010, domingo de Páscoa. Sem querer fiz uma leitura, digamos, em conta-gotas, lendo à noite ao deitar ou pela manhã, ao acordar.
Fechei o livro nesta manhã, sem querer ler os depoimentos ao final do livro, pois tenho comigo que se fosse ler poderia me influenciar no quero dizer e até repetir o que os amigos e familiares disseram. Fica para depois, com calma, degustar as palavras daqueles que se dispuseram a dar seus testemunhos.
Se fosse ler poderia perder um pouco a emoção que a obra encerra.
Emanuel, mais uma vez, enviou-me um filho seu para ser acarinhado.
Já havia degustado “Olhos azuis – Ao sul do efêmero” e lhe enviado minhas modestas considerações, pois ainda não tenho o volume de leitura de escritores como Emanuel, e a amiga acadêmica Urda Klueger, pois são pessoas dedicadas quase que 24 horas à literatura e eu cheia de afazeres em três instituições culturais em que presto colaboração, não consigo ter o volume de leituras que eles tem.
Emanuel pede lá pelo meio da obra que seus leitores não a lessem apressadamente, no afogadilho, mas que a cada página meditassem sobre tudo o que estava ali estampado – parodiando o autor – num coração despedaçado em folhetins.
Quando um ser tem sua convicção política e não esmorece diante das adversidades, fatalmente encontrará barreiras a transpor, feras a domar.
Ainda luta após tantos anos com seus demônios interiores, ainda tenta exorcizar o que a fé católica em que foi criado, incutiu em sua mente, o pecado, o sentimento de culpa.
Desprendida que sou deste sentimento, pelo menos não fico me provando a toda hora, tentarei dizer palavras para Emanuel  que brotarem a partir daqui, diretamente do meu coração de uma pretensa poetisa para um poeta nato, um poeta em que até nas adversidades transforma sua narrativa em poesia, até num simples e-mail que me envia, entrega seu sofrido coração.
Mudou o Natal ou mudei eu?
Onde ouvi esta frase? Creio que de uma peça de teatro, de quem não sei, só sei que a fala foi do amigo irmão ator Édio Nunes.
Mudou o Natal ou Emanuel mudou?
Não, Emanuel não mudou, apenas as circunstâncias da vida fizeram com que ele adormecesse suas convicções políticas pra não se machucar mais, para que sua amada Clarice não sofresse ao ver o sofrimento do amado pai.
Agora, na plenitude de sua vida,  Emanuel revê seu Cerrado e seu Desterro “com olhos lassos, com ironias e cansaços” e até com certa amargura. Mas ele foi “treinado” para amar o próximo, nele foram imbuídos os sentimentos cristãos de um pai amoroso, de um pai trabalhador que seguia a fé católica como deve ser, desprendido de apego a bens materiais, embora muitos “doutores” da Igreja Católica vivam nababescamente invocando o nome de Deus.



Cerrado Desterro. Este é o foco das minhas palavras.

A obra é dedicada aos amigos, àqueles que com ele empreenderam a jornada da vida, que o ampararam quando de suas internações hospitalares, quando em dolorosa peregrinação como o Cristo em direção ao Calvário, ele sofreu.
A obra em seu desenvolvimento é dedicada àqueles que ao seu lado saíram às ruas enfrentando o poder político, o militar, o golpe de 64.
64 ainda não terminou. Os porões da ditadura não foram devidamente devassados.
“Encerra este papo”, pode alguém querer me dizer. “Os tempos são outros”. “Aquelas frases de efeito “ o povo unido jamais será..” “ abaixo” “fora FMI” não existe mais, não vês como eles estão hoje colocando dinheiro nas meias e cuecas?” “Pra que reviver isto, pra que mexer em velhas feridas”?
Pois é. Soltaram o Arruda. Podem ter certeza: nosso povo não tem memória. O homem vai dar um tempo e vai se candidatar de novo, ganhar a eleição e continuar o que deixou antes de “sofrer” na prisão.
Não, mas o foco é Cerrado Desterro em que Emanuel se desnuda, exorciza seus demônios, escancara suas veias, derrama seu sangue ao mesmo tempo em que seu coração de menino não se desprende da Ilha-terra natal-capital.
Não se desliga da casa da avenida Rio Branco, do Grupo Modelo Dias Velho – onde também eu e meus irmãos estudamos – não se separa, ou não quer se afastar, da casa na praia, dos seus passeios com pés descalços nas areias da Ilha onde tantas vezes meditou sobre sua vida, tantos papos tantas bebidas, qual o sentido da vida que se apresentava.
Pouca foi a minha experiência hospitalar diante do sofrimento de Emanuel.
Após acidente sofrido em janeiro de 2009 –  um simples atropelamento em que um irresponsável com o celular ao ouvido me colheu com um pé na calçada – e me deixou no “estaleiro”  por sete meses, peregrinando por hospitais em Florianópolis e Blumenau. Também como Emanuel as veias para soro e retirada de sangue para os devidos exames se esconderam causando mais sofrimento. É grande a dor quando enfermeiros procuram a veia boa para o exame. A dor é imensa, mas passa. A dor passa. Não o sentimento que dela emana.
Me recuperei pois a minha dor foi física, no entanto,  a de Emanuel foi a dor da alma e por mais que ele a exorcize, um quê de tristeza ainda fica guardado lá no fundo, no escaninho de sua memória.
Quem passou pela vida e não sofreu, simplesmente não viveu, já disse alguém. Não sou muito pródiga em citações embora colha em diversos PPS e obras e as guarde para ler antes das reuniões do Grupo de Poetas Livres, de Florianópolis, cuja presidência exerço desde 2000 e irei até 2012, se Deus assim o permitir,pois mais uma gestão – ou gestação como digo – se me apresenta.
Pois bem, tenho que parar de fazer digressões e ir ao que interessa: as minhas impressões sobre o livro que o autor me dedica com as palavras que não posso deixar de citar: ”Para Maura, generosa amiga e sensível colega de ofício, seguem umas evocações desse longo sofrido; mas sempre adorável andar, com o carinho sincero do Emanuel”.
Cerrado Desterro impressionou-me por sua narrativa memorialista.
O quarto do hospital palco de seu sofrimento, mas também de suas recordações, de seus devaneios trouxe-lhe o cheiro do mar da Ilha-capital, trouxe de volta os seus discursos, a sua voz inflamada contra os que torturaram, os que seviciaram, os que tentaram abortar a fé em dias melhores para a nação brasileira.
Não costumo fazer isso, mas nesta obra peguei uma lapiseira, depois um lápis, pois o grafite havia acabado e comecei a fazer pequenas chaves em parágrafos, sublinhar  em quase todas as páginas nos trechos que me tocaram e me ajudariam a reler para dar este testemunho.
Ressalto Elliot que disse que autor, o poeta, escreve para se livrar das emoções e já na página 42 Emanuel cita Elliot quando diz que as palavras se movem.
Assim se move o livro: anos 60 anos 90, anos 70 , 2004 e nesse vai e vem a memória do autor passeia por sua história, de um quarto de pensão, à casa dos pais, da cela de prisão à outra prisão, o leito do hospital.
Seu sofrimento no leito hospitalar conseguiu em parte botar pra fora neste livro. Só quem sofreu pode avaliar o sofrimento alheio.
Aquele senhor nascido em 1945 quer voltar pra casa, ganhar o beijo do pai, virar novamente menino, passear na região da avenida Rio Branco, sei lá, empinar pandorga no Campo do Manejo, caçar passarinho, brincar no rio da Avenida Hercilio Luz, roubar fruta no pátio do Colégio Catarinense.
Lembro-me quando no Dias Velho, na hora do recreio, ia para a parte de trás do Grupo e roubava amora do pé, enquanto os auxiliares de disciplina não me pegassem.



Diz Emanuel “A memória é elemento nuclear de toda a minha escrita: modesto memorialista; sou desta tribo”.

Sua prodigiosa memória dá saltos do Golpe de 64 em que o Brasil mergulhou num regime de exceção, vai à faculdade de Direito em Porto Alegre, retorna à Confeitaria Chiquinho, ao Campo da Liga, ao Roda Bar onde meu irmão Saulo tantas cervejas deve ter tomado, onde minha mãe designava um dos pequenos para chamar o irmão dizendo que o almoço já estava na mesa e todos tinham que comer na mesma hora, pois família grande tudo tinha que ser repartido irmamente.
Enquanto falo de Emanuel também cito coisas minhas, contemporâneos que fomos freqüentando quase os mesmos lugares da Ilha formosa.
Não vou seguir capítulo por capítulo de Cerrado Desterro, nem pretendo fazer análise crítica, não é esta minha intenção de momento. Nem tampouco analiso a obra. Falo, sim, com o coração degustando o livro como pede o autor no decorrer da obra.
Pensar a vida, revivê-la quando a plenitude chega dando-nos a oportunidade de contar, de deixar para a posteridade seu relato, fase de uma vida, espaço-tempo da memória em que tudo o que foi relatado não foi ficção, foi uma realidade nua e crua em que a alma do poeta dourou a pílula, deixando para o leitor imaginar cenas de tortura e dada sua bondade, até se enternecer com um dos algozes, homem bruto sem cultura, admirando aquele jovem alto e magro escritor, poeta nascido na Ilha de encantos, de casos e ocasos raros.
O que lhe valeu foram as boas leituras que teve ao longo de sua trajetória, que ficaram gravadas em seu subconsciente; o que lhe valeu foi a sua inquebrantável força interior em receber sua cota de sofrimento na OBAN, a grande sucursal do inferno no Brasil, como diz.
Machucaram o nobre amigo, mas não lhe impediram de pensar, de raciocinar, isto tortura nenhuma apaga.
Emanuel além de desnudar-se arranca “pedaços de sua pele, e esses pedaços não acabam nunca, puxando, puxando, tantas camadas superpostas”.
Quem sofreu tortura sabe avaliar o sofrimento alheio,repito. E diz Emanuel – para exorcizar os demônios – “é preciso escrever. Para lembrar. Para deixar exposto para os que vierem. Isso aconteceu. Os demônios voltam, como cadáveres mal enterrados, cujos braços e pedaços acabam aparecendo, vindo à superfície, à terra. Uma chuva, uma tempestade, e lá estão eles”.

Emanuel escreve. E Emanuel com sua prodigiosa memória que o sofrimento debaixo da pata do governo, não eliminou, escreve. Escreve dourando a pílula para que o leitor viva com ele, mas que como bom cristão, não quer que o leitor chore como ele chorou com o abuso do poder, não quer que seus amigos, aqueles que com ele empreenderam a jornada não sejam esquecidos, mas também não se revoltem com o que passou não da forma de vingança pois estariam fazendo a mesma coisa que eles, mas que após tanta dor que venha o amor, o amor de Clarice estampado em muitas passagens, o amor por Lucas que se percebe no olhar como se uma câmera estivesse focando quando Emanuel olha Lucas ao completar um ano, 24 de maio.
O olhar do pai de coração a gente vê, aquele olhar compassivo daquele homem que sofreu, mas que continua a escrever para deixar aos que vierem depois dele, um pouco da história que viveu, para que futuros historiadores revirem o baú de suas memórias, tentem imaginar a Ilha-Capital dos anos 60 – em que éramos felizes e não sabíamos – citar as passagens da obra na tentativa de reconstruir a época porém quem viveu sabe o que aconteceu; tenha seus encantos, suas alegrias, suas dores, suas revoltas, suas lágrimas.
Quem viveu a época do golpe de 64 a 79 – anos 80, sabe o quanto a vida foi dura, o quanto teve que amargar, mas no fim, o Brasil ficou o mesmo, pois “sempre haverá um habeas corpus para os grandes ladrões”.
O que a ditadura não tirou e nem vai tirar tanto de Emanuel quanto de Adolfo, Pedro, Gerônimo, companheiros de infortúnio, é a fé inquebrantável num país sem desmandos, num país onde o bem perdure, onde a economia favoreça a todos.
O que “eles” tentaram e não destruíram foi a alma do menino, aluno do Grupo Modelo Dias Velho, a alma do jovem inconformado que bebeu todas e hoje se contenta com água mineral, a alma do menino que andava nas ruas de sua cidade natal despreocupadamente, que observava a praia, o vai vem das ondas.
A alma e o Amor, aquele que vence qualquer batalha, aquele que dá forças para continuar, aquele amor de Clarice e de Lucas, perpetuações do Amor Divino.
Mais não posso dizer. Que os leitores que vierem após sintam também a emoção ao apreciar, com vagar, as páginas de Cerrado Desterro.
Que os leitores sintam que Emanuel foi um daqueles seres, uma daquelas crianças que nasceram na geração das crianças traídas, mas que sobreviveram a tudo, pois há em seus corações o toque da esperança.
Um beijo em teu coração tão despedaçado, meu amigo Emanuel Tadeu, aquele que está no coração dos homens puros louvando a Deus.

Aos 15 de abril de 2010, madrugada, quinta-feira, como sempre escrevendo sobre o travesseiro, com o barulho da feira de hortaliças a se organizar debaixo de sua janela.

*Maura Soares pertence ao Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, Academia Desterrense de Letras e Grupo de Poetas Livres.

*.

CERRADO DESTERRO II

Teci comentários a respeito de Cerrado Desterro que tem, agora, mais um capítulo. Emanuel pede que participe desta edição. Com satisfação, compareço. A obra é dedicada aos amigos, àqueles que com ele empreenderam a jornada da vida, que o ampararam quando de suas internações hospitalares, e àqueles que ao seu lado saíram às ruas enfrentando o poder político, o militar, o golpe de 64, ano que ainda não terminou. Os porões da ditadura não foram devidamente devassados. Emanuel se desnuda, exorciza seus demônios, escancara suas veias, derrama seu sangue ao mesmo tempo em que seu coração de menino não se desprende da Ilha-terra natal-capital. Quem passou pela vida e não sofreu, simplesmente não viveu, já disse alguém. Cerrado Desterro impressionou-me por sua narrativa memorialista.
O quarto do hospital palco de seu sofrimento, mas também de suas recordações, de seus devaneios trouxe-lhe o cheiro do mar da Ilha-capital, trouxe de volta os seus discursos, a sua voz inflamada contra os que torturaram, os que seviciaram, os que tentaram abortar a fé em dias melhores para a nação brasileira. Assim se move o livro: anos 60 anos 90, anos 70 , 2004 e nesse vai e vem a memória do autor passeia por sua história, de um quarto de pensão, à casa dos pais, da cela de prisão à outra prisão, o leito do hospital.
Seu sofrimento no leito hospitalar conseguiu em parte botar pra fora. Só quem sofreu pode avaliar o sofrimento alheio. Diz Emanuel “A memória é elemento nuclear de toda a minha escrita: modesto memorialista; sou desta tribo”. Sua prodigiosa memória dá saltos do Golpe de 64 em que o Brasil mergulhou num regime de exceção, vai à faculdade de Direito em Porto Alegre, retorna à Confeitaria Chiquinho, ao Campo da Liga, ao Roda Bar onde meu irmão Saulo tantas cervejas deve ter tomado,discutido política com os frequentadores, inflamado que ele era, tanto que graduou-se em Direito. Pensar a vida,  revivê-la quando a plenitude chega dando-nos a oportunidade de contar, de deixar para a posteridade seu relato, fase de uma vida, espaço-tempo da memória em que tudo o que foi relatado não foi ficção, foi uma realidade nua e crua em que a alma do poeta dourou a pílula, deixando para o leitor imaginar cenas de tortura e dada sua bondade, até se enternecer com um dos algozes, homem bruto sem cultura, admirando aquele jovem alto e magro escritor, poeta nascido na Ilha de encantos, de casos e ocasos raros. As torturas sofridas nos porões machucaram meu nobre amigo, mas não lhe impediram de pensar, de raciocinar, isto tortura nenhuma apaga.
Emanuel além de desnudar-se arranca “pedaços de sua pele, e esses pedaços não acabam nunca, puxando, puxando, tantas camadas superpostas”. Quem sofreu tortura sabe avaliar o sofrimento alheio, repito. E diz Emanuel – para exorcizar os demônios – “é preciso escrever. Para lembrar. Para deixar exposto para os que vierem. Isso aconteceu. Os demônios voltam, como cadáveres mal enterrados, cujos braços e pedaços acabam aparecendo, vindo à superfície, à terra. Uma chuva, uma tempestade, e lá estão eles”. Emanuel escreve. Com sua prodigiosa memória que o sofrimento debaixo da pata do governo, não eliminou, escreve. Escreve dourando a pílula para que o leitor viva com ele, mas que como bom cristão, não quer que o leitor chore como ele chorou com o abuso do poder, não quer que seus amigos, aqueles que com ele empreenderam a jornada não sejam esquecidos, mas também não se revoltem com o que passou não da forma de vingança pois estariam fazendo a mesma coisa que eles, mas que após tanta dor que venha o amor, o amor de Clarice, Célia  e do pequeno Lucas.
O que a ditadura não tirou e nem vai tirar tanto de Emanuel quanto de Adolfo, Pedro, Gerônimo, é a fé inquebrantável num país sem desmandos, num país onde o bem perdure, onde a economia favoreça a todos. “Eles” jamais destruirão aquele Emanuel que acreditava e acredita num Brasil verdadeiro.
Que os leitores sintam novamente a emoção nas páginas de Cerrado Desterro II. (Por M.S.)

*

Na rede
O site Ares e Mares (http://www.aresemares.com) têm publicado textos de Emanuel Medeiros Vieira. Acompanhe

 Fotos: Celso Martins

7.8.12

VISITAS E CHAMADAS

 




 



 



 Fotos: Celso Martins