26.10.12




Dá-lhe Emanuel, manda ver!

O escritor catarinense Emanuel Medeiros Vieira, residente em Salvador-BA, encaminha três textos recentes para publicação: Que fazer? (decicado a Elmodad Azvedo), Herança (para Gerônimo  Wanderley Machado, Remy  José Fontana e Yan Carreirão) e Sebos (em memória a Eric Hobsbawm). As fotos são de Celso Martins.


QUE FAZER?

Por Emanuel Medeiros Vieira
PARA ELMODAD AZEVEDO
(OUVINDO CARTOLA E ELIS)

– TAMBÉM BEETHOVEN  – numa sexta-feira, enquanto anoitece –
“Na juventude deve-se acumular o saber. Na velhice fazer uso dele.”
(Jean-Jacques Rousseau)



O que fazer quando qualquer gesto parece inútil e o rio parece inundado de impotência?
Não controlamos o nosso destino – o acaso?
Não, não é auto-ajuda.
Somos finitos – pó  seremos.
O que fazer enquanto estamos aqui, longe do mundo vão das celebridades instantâneas, da idiotice generalizada, da mediocridade hegemônica?
Somos poucos, mas parecemos muitos – e seremos mais.
Manter o pessimismo da inteligência e o otimismo da vontade?
Sim. Também isso.
Um passo a frente, dois atrás.
Dois à frente, um atrás.
Cansamos dos podres poderes. Chegamos ao limite da tolerância com a calhordice no poder.
Não é preciso trair valores.
É preciso atravessar a margem do rio – preservando-os.
Até à terceira margem.
É um mundo pós-utópico, árido, cinzento.
Mas um pássaro canta neste final de tarde.
Existe a amizade, o amor (como nossa maior sede antropológica, e não beijo de novela), o mar, memórias.
Cheiro de café moído, de pão feito em casa. Um pão repartido com fraternidade.
Palavras como a mãe, irmão, amigo.
O hoje não deveria ser o carbono de ontem.
O instante poderia ser convertido em sempre.
A guerra sangrenta europeia – onde se mata pelo CAPITAL –, onde tantos sofrem, deveria impedir o individualismo feroz.
Que fazer, irmão?
Não, não sabemos.
Não é nostalgia, mas pioramos.
Melhorarmos em engenhocas eletrônicas.
Internamente, regredimos.
Mas poderemos crescer.
Acumular conhecimento, resistir, envelhecer com dignidade.
Não digo nada de novo? Não.
E manter o humor.
“Seguro morreu de guarda-chuva”, pontificava o mágico-poeta Mário Quintana.
Que fazer?
Alguém disse que não entende porque tantas pessoas moram em outros lugares, enquanto Paris ainda existe...
(Salvador, outubro de 2012)



HERANÇA

Por Emanuel Medeiros Vieira


Para Gerônimo  Wanderley Machado, Remy  José Fontana e Yan Carreirão

O amolador segue, dobra no fim da rua e some/A noite engole o dia; a fome, agora, é outra fome
(Fred Souza Castro – 1931-2012)

Tudo o que vivemos se apaga.
Não?
Algo de nós ficará?
O que se fez, deixará marca no mundo?
Evaporará no oblívio?
Tudo se dissipa no esquecimento?
Seremos órfãos dos sonhos da juventude?
Ou a ele fiéis?
Não vendendo a alma aos quarenta anos?
Continuando a fazer – sempre.
Seguindo a Rua, remando (tantas vezes) contra a maré – mas remando.
Por nós, pela dádiva de cada amanhecer, por cada amor vivido, pelos amigos mortos, pelos cabelos brancos, pela vida.
Somos efêmeros – sim, transeuntes.
Mas algum gesto na jornada terá sido eterno.

“O tempo é uma nave sem governo.  Umas vezes baloiça-se nas ondas oleosas. O tempo é uma perpetuidade cansada; o chão que pisamos é feito de infinidades, o sol despenha-se do alto para que o recebamos, e não para medir a noite e o dia;
Cada livro é uma peregrinação.”
(Agustina Bessa Luís)
E viveremos cada dia, sim, cada dia, até a outra Rua–  a Terceira Margem.
(Salvador, outubro de 2012)




SEBOS

Por Emanuel Medeiros Vieira

EM MEMÓRIA DE ERIC HOBSBAWM
“Não creio que haja coisa pior no mundo do que a leviandade, pois os homens levianos são instrumentos prontos a tomar qualquer partido, por mais infame, perigoso e pernicioso que seja; sendo assim, é melhor fugir deles como se foge do fogo”
                        (Francesco Guicciardini)

Bibliotecas, museus, sebos, cheiro de papel.
Nada me dizem os aparelhos eletrônicos de última geração – e logo virão outros.
Nostalgia, passadismo?
Eis a memória do mundo.
Essa é a “modernidade” que nos foi dada?
(Que palavra é essa?)
Seremos os últimos amantes disso tudo?
Somos os pistoleiros do entardecer?
Os deslumbrados compram tudo.
“Dinossauros” – assim somos qualificados.
O que importa é o que está dentro, não o seu aparato.
Quase todos só querem a aparência do bolo.
Mas o rebanho quer a novidade.
Cristo parou e foi meditar.
Buda parou e foi meditar.
Os rebanhos enchiam as praças de Berlim, e   berravam “viva Hitler”.
Todos querem ter tudo, e não têm nada.
Sebos, sim, sebos.
Livros de papel – sim, livros de papel.
Não me interessam maquininhas utilitárias.
O esforço é outro.
Sou cristão, sou marxista, sou agnóstico, estou dentro e fora – nasci em errada época – sou apenas um fragmento de tudo – , e sou finito.
Aridez pós-utópica?
Assim se vive?
(Sonhos estilhaçados?)
A literatura é o ópio dos intelectuais?
E a TV?
 Nada mais importa, tudo é irrelevante.
Resta-nos o individualismo, e a banalização de tudo?
A passividade de um povo é a glória do Governo.
(“Puro panfletarismo retórico”, adverte o promotor interno.)
“Toda época sonha a anterior.”
(Jules Michelet – 1798–1874))
Cavalguemos.
Sigamos – cavalgando solitários, mas sempre cavalgando – sempre, até o assobio das Parcas.
(Talvez com dor no coração, mas iluminados).
Valores? Isso é bobagem.
(Não, não para nós.)
 Importa a eficácia – a “moral” da época.
Cavalguemos – sempre.
(Salvador, outubro de 2012)

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