3.1.11

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Venício A. de Lima,
Amílcar Neves
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Elaine Tavares,

Olsen 'Viking' Jr.


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Fotos: Celso Martins

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Por que a mídia
não se autoavalia?


Por Venício A. de Lima*

Final de ano é tempo de balanços e previsões. Pessoais e institucionais. É momento de parar e refletir sobre o que se fez, identificar erros e acertos, corrigir o que pode ser melhorado, reavaliar caminhos e objetivos, planejar o futuro.

A grande mídia faz avaliações públicas e previsões de e para tudo: de todos os setores do governo, da iniciativa privada, das ONGs, da política, de todas as artes, esportes, religiões, do clima, das tendências... Por óbvio, a grande mídia faz avaliações e previsões internas, como em todas as empresas privadas comerciais que precisam dar conta a acionistas de metas e resultados.

O que a grande mídia não faz são avaliações públicas de si mesma, de seu próprio desempenho, de sua parcialidade, de seus preconceitos, de suas tendências, de suas omissões, de suas escolhas, de seu papel na democracia. O que a grande mídia omite é a avaliação de si mesma como um serviço que, apesar de explorado pela iniciativa privada, não perde sua natureza de serviço público.

Por que será que a mídia, apesar da indiscutível posição de centralidade que ocupa nas sociedades contemporâneas, não pauta o debate sobre seu papel como faz permanentemente em relação a todas as outras instituições na sociedade?


Adaptação do panem et circenses

A explicação da grande mídia será sempre aquela que atribui ao mercado o papel de seu único e supremo avaliador. A grande mídia dirá que é permanentemente avaliada por seus consumidores/leitores/ouvintes/telespectadores e que seu sucesso ou fracasso comercial significa o cumprimento ou não de sua missão e o atendimento ou não das necessidades de seu "público". Se o jornal é comprado por X consumidores é porque satisfaz a eles. E essa é a melhor avaliação que pode existir. Essa é uma das versões da conhecida "teoria do controle remoto": se o consumidor não gosta do que vê, ele pode trocar de canal ou desligar o aparelho de TV.

Como já argumentei em outra oportunidade [ver "Donos da mídia – A falácia dos argumentos"], a "teoria do controle remoto" ignora como se formam, se desenvolvem e se consolidam os hábitos culturais, incluindo aqui o hábito de assistir determinados canais e/ou programas de TV ou de ler determinadas revistas e/ou jornais. Este é um fascinante campo da complexa "sociologia do gosto". Quando se atribui, sem mais, ao mercado o papel de supremo avaliador, reduz-se toda a problemática da comunicação de massa a uma única dimensão – do "consumo" individual – e ignora-se a complexa questão da formação social do gosto e do papel determinante que a própria mídia nela desempenha.

Além disso, o argumento pressupõe um mercado de mídia democratizado, onde estariam representadas a pluralidade e a diversidade da sociedade, o que, por óbvio, não existe. Ignora ainda o fato elementar de que não se pode gostar ou deixar de gostar daquilo que não se conhece ou cujas chances de se conhecer são extremamente reduzidas.

No fundo, trata-se de uma adaptação contemporânea [sem as problematizações levantadas por historiadores como Renata Garraffoni] do panem et circenses romano. Naturalmente, o sacrifício de cristãos, entregues às feras em espetáculos públicos, não torna a prática dos imperadores romanos correta. Dito de outra forma, nem tudo que agrada a parcela importante da população é automaticamente ético e correto.


Omissão grave

A transparência que a grande mídia corretamente cobra de outras instituições – públicas e privadas –, ela não pratica em relação a si mesma. Permanecemos em 2010 sendo um país democrático onde sequer existe um cadastro geral com acesso público dos concessionários do serviço de radiodifusão.

A transparência pública aplicada aos grupos dominantes da grande mídia certamente revelaria redes de interesses e compromissos – nem sempre legítimos – dos mais variados tipos, locais e globais. No que se refere à radiodifusão, por exemplo, revelaria os absurdos do "coronelismo eletrônico" enraizado em diferentes esferas do poder público; a propriedade cruzada como prática garantidora de oligopólios e monopólios; a exclusão de muitos e a liberdade de poucos apresentada e defendida em nome dos valores universais da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa.

Ainda não será ao final deste ano de 2010 que a grande mídia fará uma avaliação pública de si mesma. Mas, com certeza, esta omissão grave já não passa despercebida para um número cada vez maior de brasileiros.

*Professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Publisher, 2010. Observatório da Imprensa - 28/12/2010. Texto encaminhado pelo jornalista Celso Vicenzi.

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Jacarés, lixeiros.
E os jardineiros?


Por Amílcar Neves*

Se alguém se dispuser a caminhar todos os dias pela calçada da Beira-Mar Norte ao longo da ciclovia, entre a Universidade Federal e a Reta das Três Pontes, ou Avenida da Saudade (que liga a Penitenciária ao Cemitério do Itacorubi e dá acesso às praias do Norte da Ilha de Santa Catarina), poderá, com alguma sorte e olho treinado, surpreender um jacaré pelas imediações. Jacaré de verdade, dos grandes, bonitos, pachorrentos. Outro dia três deles deixavam-se ver por ali. Dita calçada margeia primeiro o Rio do Sertão, habitat desses répteis crocodilianos aligatorídeos, e depois o manguezal do Itacorubi, hoje com área substancialmente reduzida porque o progresso implacável (e a especulação imobiliária mais selvagem) exige que coisas assim, fervilhantes de caranguejos de todas as cores e hospedeiras de uma imensa cadeia de seres vivos, sejam extirpadas das zonas urbanas, locais em que foram imprudentemente se meter.

As câmaras de vereadores, os prefeitos e os governadores são muito úteis nessa hercúlea tarefa de aproveitamento de espaços economicamente ineficientes como pântanos, praias e terrenos de penitenciárias desativadas. Haverá algo mais bonito e prático do que paliteiros de prédios cada vez mais altos que entupirão de carros as ruas já intransitáveis da cidade?

Essa pessoa, caminhando todo santo dia, há de, inevitavelmente, esbarrar três vezes a cada sete dias com os homens de verde da Comcap, a companhia de coleta do lixo. Eles saem do Centro e percorrem 9.800 metros até a Universidade espetando e recolhendo o que jogamos pelos gramados e "matagais": caixas, latas, garrafas, sacolas de supermercado, embalagens plásticas, jornais velhos, cadernos escolares, panfletos comerciais, papéis anti-higiênicos, sacos de lixo repletos.

Entretanto, ainda que esse sujeito caminhe diariamente durante um ano, ou durante um mandato inteiro, não encontrará ninguém cuidando de parques, praças, jardins e reservas, pois não existe departamento na prefeitura encarregado desses espaços (ou se há, ninguém dele sabe nem vê trabalho); encontrará, sim, deques traiçoeiros em ruínas sobre o mangue e passarelas enferrujadas caindo aos pedaços sobre as avenidas.

Já pensou se a passarela da Avenida da Saudade, podre, resolve vir abaixo no fervo do verão, na hora de maior movimento, ou seja, a qualquer hora do dia ou da noite?

*Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados, diversos outros ainda inéditos, participação em 32 coletâneas e 44 premiações em concursos literários no Brasil e no exterior. Em breve, Se Te Castigo É Só Porque Eu Te Amo (teatro) chegará às prateleiras das livrarias. Crônica publicada na edição de 29.12.2010 do jornal Diário Catarinense (Florianópolis-SC). Reprodução autorizada pelo autor.

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Para o ano...

Por Elaine Tavares*

E eis que vem um ano novo, embora nada de novo venha... Nos tempos antigos, os povos celebravam a cada estação. Havia o tempo de plantar, de colher, de descansar e de amar. Em cada equinócio e solstício se dançava e festejava, cantando com os deuses, sempre muitos...

Então vieram outras crenças, outros modos de vida, veio a dominação da igreja, um deus único, as festas piedosas... As gentes esqueceram da alegria, a simples e doida alegria de se estar vivo.

Neste primeiro de ano eu desejo que todos possam recuperar essa antiga tradição, de se celebrar em cada momento da vida, de se cantar aos deuses, aos tantos deuses que por aí circulam no coração das gentes. Essas nossas divindades inventadas pelo nosso medo e pela angústia de se saber mortal...

No calendário romano é o deus Jano que abre a fieira de deuses, o deus com duas faces, o guardião dos portões. O deus que é sombra e luz, verdade e mentira, amor e ódio, início e fim, um deus dialético, mesclado de tudo o que é humano.

Aqui na nossa Abya Yala celebra-se com Inti, o deus sol, e outros tantos das mais variadas culturas. E aqui, como nos tempos antigos, ainda se baila nos equinócios e solstícios em grandes festas populares. É só uma celebração, uma orgiástica celebração desta vida que temos, para a qual somos chamados a plantar, colher, descansar e amar.

Em 2011 nada vai mudar se não nos pusermos a caminho, porque a estrada se faz assim, ao andar... Então, eu os convido ao borbulhar da champanhe, ao doce da cana, ao perfume do vinho ou ao simples gosto da água pura. Eu os conclamo para o ritualístico momento do primeiro momento dos restos de nossas vidas, neste primeiro de janeiro e em cada amanhecer.

Que venham todas as dádivas e todos os obstáculos... Nós os enfrentaremos com riso, prazer e luta!

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O AVESSO E O DIREITO

Por Olsen Jr.*

O título aí foi o primeiro livro de Albert Camus, publicado em 1937 com uma tiragem modesta de 350 exemplares quando o escritor era ainda um desconhecido, mas já trazia o embrião de alguns temas que lhe seriam emblemáticos: o absurdo e a felicidade, por exemplo, entre outros.

Lembrei desta obra ou pelo menos o título dela para ilustrar um comportamento que me parece bem típico do brasileiro. Tão incorporado está que ousaria dizer, se não fosse alguém esclarecido, que é genético: o de enxergar sempre, em qualquer situação, mesmo as mais otimistas, o avesso... É, o avesso das coisas.

Só para exemplificar, em uma exposição de artes, cartoons, mais precisamente, denominada Criaturas II, um Salão de Humor itinerante promovido pela Funarte para promover o humor brasileiro e que reuniram veteranos (Millôr Fernandes e Juarez Machado, por exemplo) e menos conhecidos (Aroeira, Glauco...) e também blumenauenses (Cao, Luiz Cé...) início da década de l980 em Blumenau, havia um desenho do Aroeira/81 mostrando as cataratas do Iguaçu, em cima do mirante uma multidão, gente de todos os tipos que ao invés de contemplarem as belezas naturais ali em frente, estavam voltadas para um sujeito que resolvera fazer xixi ali de cima...

O preconceito sempre tem mais amparo que os escrúpulos.

Quando uma intervenção bem humorada expõe algum tipo de comportamento ao ridículo a imprensa ou quem a pratica está prestando um serviço para a sociedade, evitando que a boçalidade ganhe foros de instituição. Isso vale principalmente para a política, por óbvio, por estar mais exposta, mas serviria também para o maneirismo social.

A gente só vê o que quer.

Quase esqueço, havia um coquetel no Plaza Hering em Blumenau, década de 1970, algumas dezenas de pessoas estavam no recinto, todos esperando a abertura do evento. No piano estava o Johnny (ex-integrante da orquestra do Glenn Miller), aquele som refinado de fundo, certa expectativa no ar, quando apareceu o colunista Beto Stodieck, inquieto como sempre, cumprimentou várias pessoas e depois se aproximou do bifê, escolheu um e outro salgadinho e começou a comer... Todo o mundo olhando incrédulo, daqui a pouco, na terceira bocada, não se conteve, com o petisco na mão, ergueu a cabeça e vociferou: “estão estranhando o quê? Não é para isso que estamos aqui? Para comer de graça?”... Foi uma gargalhada só e logo uma turba faminta caiu sobre a mesa de salgadinhos sem a menor piedade.

Com bom humor até uma grosseria pode ser perdoada ou então, nova maneira de dizer que preferimos ver o avesso antes do direito.

*Crônica publicada no jornal Notícias do Dia (Florianópolis-SC). Reprodução autorizada pelo autor.

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O Sambaqui na Rede recebeu mensagens natalinas e de feliz 2011 de: Milton Ostetto, Arthur Jorge do Amaral, Alisson Fitipaldi, Raul Fitipaldi, Paulo Medeiros Vieira e Raul Longo.

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