14.8.12


Emanuel Medeiros Vieira:
Nunca mais voltaremos para casa

Emanuel Medeiros Vieira tem voado muito entre Salvador e Brasília, escreve copiosamente, mantém contatos com os amigos, dispara e-mails e divulga como poucos seu mais recente livro – Nunca mais voltaremos para casa (dedicado ao titular do Sambaqui na Rede e a outros amigos).



Pedidos
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Emanuel segundo Maura

Os dois textos a seguir escritos por Maura Soares estão repletos de incursões à Florianópolis de antigamente. Sob o pretexto de comentar a obra Cerrado Desterro, ela dá algumas pinceladas no perfil de Emanuel Medeiros Vieira e, sobretudo, apresenta elementos do imaginário da criação literária - dela, de Emanuel e outros autores. 

Maura Soares


CERRADO DESTERRO
PALAVRAS PARA EMANUEL

Iniciei a leitura de Cerrado Desterro na manhã  de 4 de abril de 2010, domingo de Páscoa. Sem querer fiz uma leitura, digamos, em conta-gotas, lendo à noite ao deitar ou pela manhã, ao acordar.
Fechei o livro nesta manhã, sem querer ler os depoimentos ao final do livro, pois tenho comigo que se fosse ler poderia me influenciar no quero dizer e até repetir o que os amigos e familiares disseram. Fica para depois, com calma, degustar as palavras daqueles que se dispuseram a dar seus testemunhos.
Se fosse ler poderia perder um pouco a emoção que a obra encerra.
Emanuel, mais uma vez, enviou-me um filho seu para ser acarinhado.
Já havia degustado “Olhos azuis – Ao sul do efêmero” e lhe enviado minhas modestas considerações, pois ainda não tenho o volume de leitura de escritores como Emanuel, e a amiga acadêmica Urda Klueger, pois são pessoas dedicadas quase que 24 horas à literatura e eu cheia de afazeres em três instituições culturais em que presto colaboração, não consigo ter o volume de leituras que eles tem.
Emanuel pede lá pelo meio da obra que seus leitores não a lessem apressadamente, no afogadilho, mas que a cada página meditassem sobre tudo o que estava ali estampado – parodiando o autor – num coração despedaçado em folhetins.
Quando um ser tem sua convicção política e não esmorece diante das adversidades, fatalmente encontrará barreiras a transpor, feras a domar.
Ainda luta após tantos anos com seus demônios interiores, ainda tenta exorcizar o que a fé católica em que foi criado, incutiu em sua mente, o pecado, o sentimento de culpa.
Desprendida que sou deste sentimento, pelo menos não fico me provando a toda hora, tentarei dizer palavras para Emanuel  que brotarem a partir daqui, diretamente do meu coração de uma pretensa poetisa para um poeta nato, um poeta em que até nas adversidades transforma sua narrativa em poesia, até num simples e-mail que me envia, entrega seu sofrido coração.
Mudou o Natal ou mudei eu?
Onde ouvi esta frase? Creio que de uma peça de teatro, de quem não sei, só sei que a fala foi do amigo irmão ator Édio Nunes.
Mudou o Natal ou Emanuel mudou?
Não, Emanuel não mudou, apenas as circunstâncias da vida fizeram com que ele adormecesse suas convicções políticas pra não se machucar mais, para que sua amada Clarice não sofresse ao ver o sofrimento do amado pai.
Agora, na plenitude de sua vida,  Emanuel revê seu Cerrado e seu Desterro “com olhos lassos, com ironias e cansaços” e até com certa amargura. Mas ele foi “treinado” para amar o próximo, nele foram imbuídos os sentimentos cristãos de um pai amoroso, de um pai trabalhador que seguia a fé católica como deve ser, desprendido de apego a bens materiais, embora muitos “doutores” da Igreja Católica vivam nababescamente invocando o nome de Deus.



Cerrado Desterro. Este é o foco das minhas palavras.

A obra é dedicada aos amigos, àqueles que com ele empreenderam a jornada da vida, que o ampararam quando de suas internações hospitalares, quando em dolorosa peregrinação como o Cristo em direção ao Calvário, ele sofreu.
A obra em seu desenvolvimento é dedicada àqueles que ao seu lado saíram às ruas enfrentando o poder político, o militar, o golpe de 64.
64 ainda não terminou. Os porões da ditadura não foram devidamente devassados.
“Encerra este papo”, pode alguém querer me dizer. “Os tempos são outros”. “Aquelas frases de efeito “ o povo unido jamais será..” “ abaixo” “fora FMI” não existe mais, não vês como eles estão hoje colocando dinheiro nas meias e cuecas?” “Pra que reviver isto, pra que mexer em velhas feridas”?
Pois é. Soltaram o Arruda. Podem ter certeza: nosso povo não tem memória. O homem vai dar um tempo e vai se candidatar de novo, ganhar a eleição e continuar o que deixou antes de “sofrer” na prisão.
Não, mas o foco é Cerrado Desterro em que Emanuel se desnuda, exorciza seus demônios, escancara suas veias, derrama seu sangue ao mesmo tempo em que seu coração de menino não se desprende da Ilha-terra natal-capital.
Não se desliga da casa da avenida Rio Branco, do Grupo Modelo Dias Velho – onde também eu e meus irmãos estudamos – não se separa, ou não quer se afastar, da casa na praia, dos seus passeios com pés descalços nas areias da Ilha onde tantas vezes meditou sobre sua vida, tantos papos tantas bebidas, qual o sentido da vida que se apresentava.
Pouca foi a minha experiência hospitalar diante do sofrimento de Emanuel.
Após acidente sofrido em janeiro de 2009 –  um simples atropelamento em que um irresponsável com o celular ao ouvido me colheu com um pé na calçada – e me deixou no “estaleiro”  por sete meses, peregrinando por hospitais em Florianópolis e Blumenau. Também como Emanuel as veias para soro e retirada de sangue para os devidos exames se esconderam causando mais sofrimento. É grande a dor quando enfermeiros procuram a veia boa para o exame. A dor é imensa, mas passa. A dor passa. Não o sentimento que dela emana.
Me recuperei pois a minha dor foi física, no entanto,  a de Emanuel foi a dor da alma e por mais que ele a exorcize, um quê de tristeza ainda fica guardado lá no fundo, no escaninho de sua memória.
Quem passou pela vida e não sofreu, simplesmente não viveu, já disse alguém. Não sou muito pródiga em citações embora colha em diversos PPS e obras e as guarde para ler antes das reuniões do Grupo de Poetas Livres, de Florianópolis, cuja presidência exerço desde 2000 e irei até 2012, se Deus assim o permitir,pois mais uma gestão – ou gestação como digo – se me apresenta.
Pois bem, tenho que parar de fazer digressões e ir ao que interessa: as minhas impressões sobre o livro que o autor me dedica com as palavras que não posso deixar de citar: ”Para Maura, generosa amiga e sensível colega de ofício, seguem umas evocações desse longo sofrido; mas sempre adorável andar, com o carinho sincero do Emanuel”.
Cerrado Desterro impressionou-me por sua narrativa memorialista.
O quarto do hospital palco de seu sofrimento, mas também de suas recordações, de seus devaneios trouxe-lhe o cheiro do mar da Ilha-capital, trouxe de volta os seus discursos, a sua voz inflamada contra os que torturaram, os que seviciaram, os que tentaram abortar a fé em dias melhores para a nação brasileira.
Não costumo fazer isso, mas nesta obra peguei uma lapiseira, depois um lápis, pois o grafite havia acabado e comecei a fazer pequenas chaves em parágrafos, sublinhar  em quase todas as páginas nos trechos que me tocaram e me ajudariam a reler para dar este testemunho.
Ressalto Elliot que disse que autor, o poeta, escreve para se livrar das emoções e já na página 42 Emanuel cita Elliot quando diz que as palavras se movem.
Assim se move o livro: anos 60 anos 90, anos 70 , 2004 e nesse vai e vem a memória do autor passeia por sua história, de um quarto de pensão, à casa dos pais, da cela de prisão à outra prisão, o leito do hospital.
Seu sofrimento no leito hospitalar conseguiu em parte botar pra fora neste livro. Só quem sofreu pode avaliar o sofrimento alheio.
Aquele senhor nascido em 1945 quer voltar pra casa, ganhar o beijo do pai, virar novamente menino, passear na região da avenida Rio Branco, sei lá, empinar pandorga no Campo do Manejo, caçar passarinho, brincar no rio da Avenida Hercilio Luz, roubar fruta no pátio do Colégio Catarinense.
Lembro-me quando no Dias Velho, na hora do recreio, ia para a parte de trás do Grupo e roubava amora do pé, enquanto os auxiliares de disciplina não me pegassem.



Diz Emanuel “A memória é elemento nuclear de toda a minha escrita: modesto memorialista; sou desta tribo”.

Sua prodigiosa memória dá saltos do Golpe de 64 em que o Brasil mergulhou num regime de exceção, vai à faculdade de Direito em Porto Alegre, retorna à Confeitaria Chiquinho, ao Campo da Liga, ao Roda Bar onde meu irmão Saulo tantas cervejas deve ter tomado, onde minha mãe designava um dos pequenos para chamar o irmão dizendo que o almoço já estava na mesa e todos tinham que comer na mesma hora, pois família grande tudo tinha que ser repartido irmamente.
Enquanto falo de Emanuel também cito coisas minhas, contemporâneos que fomos freqüentando quase os mesmos lugares da Ilha formosa.
Não vou seguir capítulo por capítulo de Cerrado Desterro, nem pretendo fazer análise crítica, não é esta minha intenção de momento. Nem tampouco analiso a obra. Falo, sim, com o coração degustando o livro como pede o autor no decorrer da obra.
Pensar a vida, revivê-la quando a plenitude chega dando-nos a oportunidade de contar, de deixar para a posteridade seu relato, fase de uma vida, espaço-tempo da memória em que tudo o que foi relatado não foi ficção, foi uma realidade nua e crua em que a alma do poeta dourou a pílula, deixando para o leitor imaginar cenas de tortura e dada sua bondade, até se enternecer com um dos algozes, homem bruto sem cultura, admirando aquele jovem alto e magro escritor, poeta nascido na Ilha de encantos, de casos e ocasos raros.
O que lhe valeu foram as boas leituras que teve ao longo de sua trajetória, que ficaram gravadas em seu subconsciente; o que lhe valeu foi a sua inquebrantável força interior em receber sua cota de sofrimento na OBAN, a grande sucursal do inferno no Brasil, como diz.
Machucaram o nobre amigo, mas não lhe impediram de pensar, de raciocinar, isto tortura nenhuma apaga.
Emanuel além de desnudar-se arranca “pedaços de sua pele, e esses pedaços não acabam nunca, puxando, puxando, tantas camadas superpostas”.
Quem sofreu tortura sabe avaliar o sofrimento alheio,repito. E diz Emanuel – para exorcizar os demônios – “é preciso escrever. Para lembrar. Para deixar exposto para os que vierem. Isso aconteceu. Os demônios voltam, como cadáveres mal enterrados, cujos braços e pedaços acabam aparecendo, vindo à superfície, à terra. Uma chuva, uma tempestade, e lá estão eles”.

Emanuel escreve. E Emanuel com sua prodigiosa memória que o sofrimento debaixo da pata do governo, não eliminou, escreve. Escreve dourando a pílula para que o leitor viva com ele, mas que como bom cristão, não quer que o leitor chore como ele chorou com o abuso do poder, não quer que seus amigos, aqueles que com ele empreenderam a jornada não sejam esquecidos, mas também não se revoltem com o que passou não da forma de vingança pois estariam fazendo a mesma coisa que eles, mas que após tanta dor que venha o amor, o amor de Clarice estampado em muitas passagens, o amor por Lucas que se percebe no olhar como se uma câmera estivesse focando quando Emanuel olha Lucas ao completar um ano, 24 de maio.
O olhar do pai de coração a gente vê, aquele olhar compassivo daquele homem que sofreu, mas que continua a escrever para deixar aos que vierem depois dele, um pouco da história que viveu, para que futuros historiadores revirem o baú de suas memórias, tentem imaginar a Ilha-Capital dos anos 60 – em que éramos felizes e não sabíamos – citar as passagens da obra na tentativa de reconstruir a época porém quem viveu sabe o que aconteceu; tenha seus encantos, suas alegrias, suas dores, suas revoltas, suas lágrimas.
Quem viveu a época do golpe de 64 a 79 – anos 80, sabe o quanto a vida foi dura, o quanto teve que amargar, mas no fim, o Brasil ficou o mesmo, pois “sempre haverá um habeas corpus para os grandes ladrões”.
O que a ditadura não tirou e nem vai tirar tanto de Emanuel quanto de Adolfo, Pedro, Gerônimo, companheiros de infortúnio, é a fé inquebrantável num país sem desmandos, num país onde o bem perdure, onde a economia favoreça a todos.
O que “eles” tentaram e não destruíram foi a alma do menino, aluno do Grupo Modelo Dias Velho, a alma do jovem inconformado que bebeu todas e hoje se contenta com água mineral, a alma do menino que andava nas ruas de sua cidade natal despreocupadamente, que observava a praia, o vai vem das ondas.
A alma e o Amor, aquele que vence qualquer batalha, aquele que dá forças para continuar, aquele amor de Clarice e de Lucas, perpetuações do Amor Divino.
Mais não posso dizer. Que os leitores que vierem após sintam também a emoção ao apreciar, com vagar, as páginas de Cerrado Desterro.
Que os leitores sintam que Emanuel foi um daqueles seres, uma daquelas crianças que nasceram na geração das crianças traídas, mas que sobreviveram a tudo, pois há em seus corações o toque da esperança.
Um beijo em teu coração tão despedaçado, meu amigo Emanuel Tadeu, aquele que está no coração dos homens puros louvando a Deus.

Aos 15 de abril de 2010, madrugada, quinta-feira, como sempre escrevendo sobre o travesseiro, com o barulho da feira de hortaliças a se organizar debaixo de sua janela.

*Maura Soares pertence ao Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, Academia Desterrense de Letras e Grupo de Poetas Livres.

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CERRADO DESTERRO II

Teci comentários a respeito de Cerrado Desterro que tem, agora, mais um capítulo. Emanuel pede que participe desta edição. Com satisfação, compareço. A obra é dedicada aos amigos, àqueles que com ele empreenderam a jornada da vida, que o ampararam quando de suas internações hospitalares, e àqueles que ao seu lado saíram às ruas enfrentando o poder político, o militar, o golpe de 64, ano que ainda não terminou. Os porões da ditadura não foram devidamente devassados. Emanuel se desnuda, exorciza seus demônios, escancara suas veias, derrama seu sangue ao mesmo tempo em que seu coração de menino não se desprende da Ilha-terra natal-capital. Quem passou pela vida e não sofreu, simplesmente não viveu, já disse alguém. Cerrado Desterro impressionou-me por sua narrativa memorialista.
O quarto do hospital palco de seu sofrimento, mas também de suas recordações, de seus devaneios trouxe-lhe o cheiro do mar da Ilha-capital, trouxe de volta os seus discursos, a sua voz inflamada contra os que torturaram, os que seviciaram, os que tentaram abortar a fé em dias melhores para a nação brasileira. Assim se move o livro: anos 60 anos 90, anos 70 , 2004 e nesse vai e vem a memória do autor passeia por sua história, de um quarto de pensão, à casa dos pais, da cela de prisão à outra prisão, o leito do hospital.
Seu sofrimento no leito hospitalar conseguiu em parte botar pra fora. Só quem sofreu pode avaliar o sofrimento alheio. Diz Emanuel “A memória é elemento nuclear de toda a minha escrita: modesto memorialista; sou desta tribo”. Sua prodigiosa memória dá saltos do Golpe de 64 em que o Brasil mergulhou num regime de exceção, vai à faculdade de Direito em Porto Alegre, retorna à Confeitaria Chiquinho, ao Campo da Liga, ao Roda Bar onde meu irmão Saulo tantas cervejas deve ter tomado,discutido política com os frequentadores, inflamado que ele era, tanto que graduou-se em Direito. Pensar a vida,  revivê-la quando a plenitude chega dando-nos a oportunidade de contar, de deixar para a posteridade seu relato, fase de uma vida, espaço-tempo da memória em que tudo o que foi relatado não foi ficção, foi uma realidade nua e crua em que a alma do poeta dourou a pílula, deixando para o leitor imaginar cenas de tortura e dada sua bondade, até se enternecer com um dos algozes, homem bruto sem cultura, admirando aquele jovem alto e magro escritor, poeta nascido na Ilha de encantos, de casos e ocasos raros. As torturas sofridas nos porões machucaram meu nobre amigo, mas não lhe impediram de pensar, de raciocinar, isto tortura nenhuma apaga.
Emanuel além de desnudar-se arranca “pedaços de sua pele, e esses pedaços não acabam nunca, puxando, puxando, tantas camadas superpostas”. Quem sofreu tortura sabe avaliar o sofrimento alheio, repito. E diz Emanuel – para exorcizar os demônios – “é preciso escrever. Para lembrar. Para deixar exposto para os que vierem. Isso aconteceu. Os demônios voltam, como cadáveres mal enterrados, cujos braços e pedaços acabam aparecendo, vindo à superfície, à terra. Uma chuva, uma tempestade, e lá estão eles”. Emanuel escreve. Com sua prodigiosa memória que o sofrimento debaixo da pata do governo, não eliminou, escreve. Escreve dourando a pílula para que o leitor viva com ele, mas que como bom cristão, não quer que o leitor chore como ele chorou com o abuso do poder, não quer que seus amigos, aqueles que com ele empreenderam a jornada não sejam esquecidos, mas também não se revoltem com o que passou não da forma de vingança pois estariam fazendo a mesma coisa que eles, mas que após tanta dor que venha o amor, o amor de Clarice, Célia  e do pequeno Lucas.
O que a ditadura não tirou e nem vai tirar tanto de Emanuel quanto de Adolfo, Pedro, Gerônimo, é a fé inquebrantável num país sem desmandos, num país onde o bem perdure, onde a economia favoreça a todos. “Eles” jamais destruirão aquele Emanuel que acreditava e acredita num Brasil verdadeiro.
Que os leitores sintam novamente a emoção nas páginas de Cerrado Desterro II. (Por M.S.)

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Na rede
O site Ares e Mares (http://www.aresemares.com) têm publicado textos de Emanuel Medeiros Vieira. Acompanhe

 Fotos: Celso Martins

7.8.12

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 Fotos: Celso Martins