28.9.11

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Imagens caseiras. Fotos: Celso Martins

Amílcar Neves na Academia

Depois de Oldemar Olsen Jr., ativo colaborador do Sambaqui na Rede, agora chegou a vez de Amílcar Neves, eleito em primeiro turno no último dia 26.9, com 24 votos de 29 possíveis, para a cadeira nº 32 da Academia Catarinense de Letras, que tem Manoel dos Santos Lostada como patrono e ocupada até recentemente por Lauro Junkes, que presidia a entidade. Confira abaixo a crônica de hoje de Amílcar Neves.




Das vantagens de sair
caminhando por aí



Já estamos quase cansados de tanto exercício, ou melhor, de tanto ouvir falar que a atividade física é importante, talvez fundamental, para a manutenção de boas condições de saúde do corpo e da mente. Mexer-se em ritmo puxado ajudaria a combater a hipertensão arterial e a prevenir a (ou o) diabetes, a reduzir a obesidade e melhorar o sono, a tonificar os músculos e inflar a autoestima, a oxigenar o cérebro e destravar as juntas.

Para os que são da água, costuma-se prescrever a natação como santo remédio; para os da terra, a simples caminhada operaria milagres. O voo seria a atividade física ideal para os que fossem do ar, caso existissem entre os humanos gente com essa habilidade; acredita-se que não exista.

Houve tempo em que fazer exercício era matéria restrita às aulas de educação física nas escolas ou às obrigações dos atletas profissionais nos clubes. Homens adultos, velhos já de 30 anos, usariam terno escuro, camisa branca de colarinho, gravata preta, sapato social de couro e chapéu de abas em feltro também escuro a fim de se protegerem do sol ou do sereno, dependendo do período do dia em que tivessem que se expor às inclemências atmosféricas - e não fariam exercício de espécie alguma sob pena de serem malvistos e malfalados: coisa de desocupados, como os artistas e os escritores.

Às mulheres, então, nem se fala: inadmissível perder-se em exercícios físicos uma senhora casada, mãe de família com três ou quatro filhos paridos na fase da vida de maior rendimento das gestações, ou seja, entre os 20 e os 30 anos (antes de se tornarem balzaquianas, quando então, se não tivessem logrado o matrimônio, passavam automaticamente a contar entre a legião inconsolável e irremediável das solteironas, perdidos para sempre os gozos da vida - e geralmente ainda virgens).

Os tempos mudaram e percebeu-se que os infartos, derrames e tromboses, entre outros males, poderiam ser retardados ou amenizados pela atividade física regular e assistida. Foi quando explodiu a febre das academias e todo homem e cada mulher passou a se ver como atleta de alto rendimento - se não efetivo, pelo menos potencial. A história das autoajudas: você tudo pode se acreditar que pode. Profissionalizou-se o que era exercício banal, repleto de roupas, acessórios, cores e modismos.

Todo mundo começou a caminhar em marcha forçada. Os parques e vias públicas povoam-se cada vez mais de gente paramentada caminhando de um lado para outro, todos sorridentes em seus ares superiores.

Então, de repente, cai a bomba: caminhar não faz mais a cabeça do organismo, não dá mais conta da saúde mental e é preciso romper esse ciclo vicioso ao qual submetemos o nosso corpo que já anda quase sozinho, no piloto automático, sem beneficiar-se mais da imprescindível atividade física.

A ordem agora é correr - com novos equipamentos, com acessórios específicos, com consultores esportivos. Com custos crescentes.

No entanto, ainda é a caminhada, desinteressada do desempenho olímpico, a atividade que permite perceber que as pessoas têm olhos, e não endereços eletrônicos; que concede um tempo pessoal ao andante (quando ele caminha na rua e, não, parado sobre uma esteira mecânica à frente de uma televisão ligada); que revela os jacarés no Rio do Sertão; e que libera o escritor para gerar o seu conto, a sua crônica ou a solução para sua novela, textos que depois, no seu refúgio, é só passar para o papel ou a tela do computador. Com um pé nas costas.

*Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados.
Crônica publicada na edição de hoje (28.9) do
jornal Diário Catarinense (Florianópolis-SC).
Reprodução autorizada pelo autor.




26.9.11

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ESPECIAL

Olsen Jr. em dose dupla,
Amílcar Avaiano Neves,
Ostetto no Rock in Rio,
PALESTINA!


Imagem encaminhada sem indicação de autoria.

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"Em algum lugar deste planeta
está um bom texto que escrevi"

Olá, camaradas, salve! A história tem antecedentes, mas vou sintetizar... Dormi bem ontem, acordei no meio da manhã, e escrevi a crônica... Jornal do “interior” tem disso, você pode enviar o texto até o meio dia da véspera... Ocorre que, por razões outras, não fiz os comandos certos e ao fim e ao cabo, não registrei o texto... Coisa rara, acho que é da idade... Comecei a trabalhar o texto... Nunca fiz isso na vida... Escrevo e deu... Hoje, quase três horas depois de começar a crônica (levo ou levava cerca de trinta minutos para aqueles 2.600 caracteres) e para minha surpresa o texto sumiu... Chamava-se “Cidadão Comum” e versava sobre a “felicidade”... Claro, tenho a linha básica em mente, inclusive a principal metáfora... Parece conversa de pescador... Quando você pega um grande peixe (e não fotografa) ninguém acredita... Deixa estar (Let It Be, diriam os Beatles)... Passei um dia “chateado”... Mas, o texto deve estar aí... No cosmos... Quem sabe o encontre... Ou (re)encontre... Tempo esgotado, tive de pegar um outro, de um livro que se chama “Tu Viverás Também” que deve ser publicado em novembro deste ano... Foi escrito em 2005... Julguem vocês... Continuo “P” da vida... Não suporto ser dominado pela “máquina”... Em algum lugar deste planeta está um bom texto que escrevi... Sobre a “felicidade”, agora posso confessar, assunto que não domino, mas quem o domina? Só se vive... E quem vive não tem a menor noção do que se trata... Quando se perde o momento, sim... Mas daí não conta mais... Difícil... Vai então, o outro... Neste, a identificação plena... Com o abraço nórdico do poeta! OBS.: A música era a do outro texto... Mas ficou... de Mike Maxfield (1963) do grupo “The Dakotas”... A melhor versão é esta, dos “Incríveis”, do Brasil... Criaram até um concurso para o melhor “cover” da música... Nem perto... Constatem... Até! (Olsen Jr.)




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CONVERSA DE CACHORROS


Por Olsen Jr.

"Sou um vira-latas. Já me acostumei com o nome. O que quer dizer isto? Que não tenho pedigree. Sou o resultado de um sem número de cruzamentos sem qualquer outra orientação que não o instinto. A exemplo de um herói brasileiro, aquele que não tinha caráter, isto me empresta uma certa distinção. Quer dizer não ter um estilo também é um estilo. Estou há dois dias sem comer, lembro disso enquanto vou trotando por esta calçada, neste bairro nobre da cidade. Espere, nunca vi isto aqui antes. Por que aqueles meus parentes estão lá do outro lado da tela de arame. Estranho. Vou latir para eles. O que vocês estão fazendo, presos? "Não sei", responde um deles, o mais forte, um Bulldog de pelagem brilhante, concluindo "sempre estivemos aqui". Lembrei da minha fome e perguntei: o que vocês comem aí dentro? "Estas pastilhas em forma de biscoitos e que chamam de ração", interfere um Beagle, querendo fazer parte da conversa. Mas é só isso, então? Nem um ossinho de costela, um naco de carne de picanha com uma pontinha de gordura? "O que é osso? O que é picanha? O que é gordura?", fala aos trancos um Dobermann. Levaria muito tempo para explicar e estava curioso em conhecer mais sobre aquela vida ali dentro. O que fazem durante o dia? Eles pareciam estar preparados para responder, todos falaram ao mesmo tempo e deduzi que, fora o ensinamento de dar a pata dianteira para o dono ou tratador, ou então, pular por dentro de um círculo de metal pendurado num suporte de ferro, ou então arreganhar os dentes para atemorizar os incautos, o que mais faziam era andar dali para cá, de cá para lá, mostrando sempre os pêlos bem escovados e reluzentes, puro exibicionismo, penso, gratuito. Vocês namoram? Fazem sexo? Eu queria saber tudo, mas era inútil, pareciam filhotes crescidos. Eram leigos nos assuntos da vida, viviam uma supra-realidade, limpa, higiênica, bonita, metódica, disciplinada, um mundo só deles. Vocês nunca pensaram em sair daí, em ser livres? Grito antes de ir embora a tempo de ouvir um Collie desdenhando a sugestão "ser livre implica em correr riscos, ser dono do próprio nariz impõe muita responsabilidade e aqui dentro temos tudo"... saio rápido, olhando para os lados com medo da carrocinha, o mundo inteiro para descobrir e a iniciativa para fazê-lo quando bem entendesse. Agora, por exemplo, iria até a casa do poetinha, na Lagoa, onde sempre tinha uns ossos guardados do último churrasco, pena que não houvessem mais “ poetinhas”, e a vida seria bem melhor, mais intuição e menos razão, é o que, afinal, estou fazendo agora.

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Milton Ostetto
no Rock in Rio



Confira as fotos


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Inquirindo o futuro

Por Amílcar Neves*

Ando cá com minha Matemática fazendo contas. A gente faz contas para prever o futuro. Por exemplo, para saber quanto dinheiro vai sobrar no fim do mês. Ou faltar. A resposta correta é a segunda: sempre falta dinheiro antes do fim do mês. A primeira alternativa é apenas uma hipótese acadêmica, para dar a impressão de que a gente examina todas as alternativas do problema. Se sobrasse dinheiro no dia 30, enfim, isso não seria um problema, mas um assombro.

Encerrada agora a 10ª rodada, julgo que se tem aqui um bom ponto de avaliação do Brasileirão 2011. Dez jogos em 38 é praticamente um quarto do Campeonato, a metade do primeiro turno. Dá para se ter uma ideia do que está acontecendo e fazer alguns cálculos com base mais sólida, mais fundamentada. Com menor risco de erros, portanto.

Com o apoio da Matemática, a primeira conclusão a que se chega é que dificilmente o Avaí será Campeão este ano (lembremo-nos que, em maio, chegamos muito perto do título da Copa do Brasil). Essa dificuldade nasce da comparação com o Campeonato Catarinense deste ano, muito embora tenhamos começado o estadual em condições bem mais precárias do que este início de nacional: lá, só fomos fazer o primeiro pontinho na 5ª rodada, num empate a la Seleção Brasileira, de 0 a 0, com o Metropolitano. Já aqui, pontuamos na tabela bem antes, ainda na 4ª rodada, em empate a la Avaí, de 2 a 2, com o América de Minas.

Digo bem antes porque são 20 times agora contra 10 no estadual, o que, calculado direitinho, nos dará o primeiro ponto no Catarinense como se tivesse ocorrido apenas na 10ª rodada, comparativamente falando. Ainda assim, mesmo com este início mais promissor no Brasileirão, o título não está fácil de ficar, este ano, em mãos azurras.

Cálculos bem feitos podem nos ajudar a esclarecer esta afirmação. Com a humildade que é característica da gente desta Ilha e deste Estado - porém com a determinação inquebrantável dessa mesma gente de alcançar seus objetivos -, o Avaí iniciou o certame em último lugar na tabela, a única posição que permite o máximo crescimento possível, matematicamente falando, dentro da competição. Em 10 jogos, avançamos duas posições. Mantido esse ritmo de evolução, e não há nada que invalide essa justa expectativa, subiremos oito posições até o derradeiro jogo, o que nos dará a 12ª colocação e uma vaga na Copa Sul-Americana - o retorno.

Contas à parte, o que acho mesmo é que vamos superar em muito esses números, conservadores demais para as gloriosas tradições avaianas. Cobrem isso de mim lá em dezembro, não se esqueçam!


*Amilcar Neves é avaiano, engenheiro mecânico e escritor com 8 livros de ficção publicados. Texto escrito para a Revista Oficial do Avaí F. C., nº 13, agosto de 2011. Reprodução autorizada pelo autor. A partir de 1.8.2011, é um dos seis candidatos à Cadeira nº 32 da Academia Catarinense de Letras, cuja eleição, em primeiro e segundo turnos, ocorrerá dia 26 de setembro próximo.

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PALESTINA

O pedido de reconhecimento do Estado Palestino apresentado à ONU se constitui num momento histórico para a humanidade, independente da posição pró ou contra a iniciativa. Cria um fato novo cenário político internacional, num momento de grandes transformações no mundo árabe, onde notórios tiranos são destronados ou ameaçados.
Este momento interessa a intelectuais e estudiosos, aos professores e analistas, aos jornalistas, ao cidadão comum (que acompanham o noticiário) e, também, aos que pretendem ingressar nas universidades.
Neste sentido fizemos uma coleta na internet dos principais documentos e reflexões gerados da iniciativa palestina: 1) As íntegras em inglês e traduções para o português dos discursos do presidente Mahmoud Abbas e da “resposta” do primeiro ministro israelense Benjamin Netanyahu; 2) Link de uma edição especial da Carta Maior sobre o tema.


Abbas na ONU

Íntegra em inglês (PDF). Fonte: ONU. Tradução de Augusto Calil (Estadão de São Paulo).


Reação de Israel

Transcrição do discurso de Benjamin Netanyahu. (Tradução: Baby Siqueira Abrão/Middle East correspondent). Íntegra em inglês (Ministério das Relações Exteriores de Israel)


CARTA MAIOR

Especial sobre a Palestina e o pedido de reconhecimento junto à ONU.

21.9.11

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ALTO-CONTRASTE

Arte: Uelinton Silva

Por Amílcar Neves*

As coisas ficam bem mais simples se forem binárias: zero ou um, sim ou não, norte ou sul, direita ou esquerda, certo ou errado, verdade ou mentira. Isso é mais comum encontrar no universo unidimensional, ao longo da linha reta.

Seres unidimensionais não têm dúvidas, comprazem-se alimentando certezas eternas. Assim, desconhecem ou negam outras dimensões, as quais conturbariam o seu mundinho estabelecido e promoveriam uma formidável bagunça em sua tranquilidade dogmática. Como raciocinar e julgar com a profusão de variáveis, já infinitas, de uma realidade bidimensional? Como manter-se inabalável numa tal promiscuidade de alternativas, opções e possibilidades? Como viver com um Norte seguro, digamos assim, em meio a tantas direções possíveis, viáveis e (o que é aterrador) extremamente tentadoras, oferecidas pelas propriedades geométricas do plano?

Seres bidimensionais penam demais, sofrem de dar dó, angustiados e, tais náufragos, sôfregos por agarrarem-se a uma tábua de salvação, que pode ser tanto as Tábuas da Lei como a tradição dos costumes, que se nutrem, umas e a outra, de todas as formas de preconceito. Não faz muito, a sociedade constituída aceitava como natural a figura jurídica da "legítima defesa da honra", que permitia ao corno, dito desonrado, assassinar a mulher adúltera, ou o amante dela, ou ambos, e o inocentava com ovação pela circunstância de guardar as regras da boa conduta social ao punir exemplarmente a violação das normas instituídas, ainda que fosse ele próprio um adúltero confesso. Extinta a figura, ele agora mata e se mata.

Seres bidimensionais precisam se defender. Então, para não se perderem na inevitabilidade do plano, apegam-se com fervor ao consolo do alto-contraste. Segundo o Houaiss, este vem a ser um "processo de reprodução fotográfica em que os tons claros e escuros são fortemente acentuados em detrimento dos cinza, que podem até desaparecer". Claro! (ou: escuro!), eliminem-se todos os matizes do cinza - o processo permite essa operação - e fique-se apenas com o preto e o branco! O que não é preto, é branco, e vice-versa. Nada mais fácil e confortável, eles dizem, já que vivemos no plano - e se congratulam pela descoberta.

Boa parte das pessoas no mundo adota o alto-contraste extremo como forma de se manter supostamente viva e com seus critérios intactos. Elas te dizem, arrogantes e autossuficientes: Quem não está comigo, está contra mim (talvez falem: está contra migo), quem discorda de mim, é meu inimigo. Durante a ditadura, o governo golpista apregoava: Brasil, ame-o ou deixe-o. Com isso, tentava vincular de forma criminosa o País ao grupo que assaltou o Poder. Ainda hoje as pessoas escrevem para os jornais e publicam na internet coisas como: Preto, sempre me diverti e fiz tudo o que quis naquele tempo preto, nunca tive qualquer problema; quem mandou alguém querer ser branco?; tinha mesmo era que pagar, e bem caro, pelo atrevimento e pela afronta.

Para a gente do alto-contraste é inadmissível que a primavera comece no próximo dia 23, pois só conseguem compreender o inverno e o verão; à noite mais cerrada, deve suceder-se numa explosão apenas um meio-dia inclemente de 12 horas. Por piedade a eles, não lhes contemos de sombra e de luz, da sombra que cria os meios-tons que sugerem volumes e uma insuportável terceira dimensão, da luz que gera as cores, milhões de variações delas.

Como avaliar e julgar num mundo assim? E mais: para que serve tamanha e tão confusa variedade?

*Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados. A partir de 1.8.2011, é um dos seis candidatos à Cadeira nº 32 da Academia Catarinense de Letras, cuja eleição, em primeiro e segundo turnos, ocorrerá dia 26 de setembro próximo. Crônica publicada na edição de hoje (21.9) do jornal Diário Catarinense (Florianópolis-SC). Reprodução autorizada pelo autor.

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Adesivo em veículo na avenida Beira-Mar Norte. Foto: Celso Martins

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IMAGENS DO DIA
Ao redor de casa

Fotos: Celso Martins









19.9.11

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O ESCRITOR E EU



Flores da casa (Celso Martins)

Por Olsen Jr.

Falando sério, às vezes (muitas vezes ultimamente) tenho entrado em conflito com o escritor que me tornei. Não é a pergunta retórica sobre “o que você faz?” que me incomoda, a esta respondo simplesmente, sou um escritor... Mas deveria haver uma maneira mais tranqüila de se ganhar a vida honestamente...

Surpreendo-me conversando com ele:

– Não está sendo fácil! – Exclamo em tom de desabafo.

– Ninguém disse que seria – ele me responde, laconicamente

Fico esperando para que desenvolva a ideia de como deveria ter sido, mas ele se limita em pegar uma folha de papel e ler:

“... mas, no entanto todos sabiam que – no picadeiro da vida – somente aos palhaços não é dado esquecer o seu drama, executando com esmero sua função de provocar o riso.

“Este, que venha de onde vier. Surja dissimulado nos corações empedernidos, flua com espontaneidade nas mentes puras, brote fácil nos espíritos sensíveis, faça-se notar pelos indiferentes, e sob a lona deste imenso circo da humanidade, nunca deixe de existir.

“Conviva com feras anacrônicas, catástrofes irremediáveis, destinos programados ou a incredulidade no desconhecido, mas que enquanto houver um homem na platéia, uma criança que o justifique e um poeta para cantar, nenhum clown tenha o direito de purgar suas dores em público.

“Devendo, isto sim, ouvir palavras de escárnio com desdém, seguro do personagem que deve interpretar, conviver com todo o drama que carrega e ninguém vê, avançar tateando nas sombras da solidão sem esperança ou sentir o gosto amargo do desprezo quando o espetáculo termina, pelo papel que assume e pela arte que cultiva.

“Diante da multidão impaciente, o espetáculo deve sempre continuar, porque de um grande palhaço, o que se quer mesmo é rir! Gargalhar bastante e tanto, que o nosso riso se confunda com o seu pranto, para que não se saiba, no final, se rimos da tragédia que a grandeza da atuação deste palhaço dissimula ou se é ele quem chora pela pequenez do riso que nos provoca!”...

– Bonito! – De quem é?

– É teu, meu caro – ele me responde – encontrei-o nas páginas de um livro inacabado...

– Forço um riso, penso, sou o campeão dos sonhos irrealizados e dos desejos insatisfeitos...

– A tragédia do palhaço é fazer rir enquanto ele está morrendo... E a do escritor é recriar o mundo, onde ele não tem direito a desesperança - pondera...

Ele não precisava ficar lembrando o meu ofício...

– Sei do que se trata – interrompo-o – o escritor vai bem, mas preciso cuidar melhor do homem comum que eu sou... Aliás, estou pensando em montar uma barraquinha para vender churrasquinho na praia neste verão, o que você acha?

– Well, o homem que alimenta o escritor também precisa viver, conclui!




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14.9.11

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O poder de SC sobre
as florestas do Brasil



Arte: Uelinton Silva

Por Amílcar Neves*

Quando governador do Estado, Luiz Henrique da Silveira, que se tem na conta de intelectual, tentou através de projeto de lei - e por pouco não conseguiu - alienar para as prefeituras, ou para a iniciativa privada, na falta de interesse ou de recursos daquelas, dois museus estaduais e o Teatro Álvaro de Carvalho. Propôs idêntico destino à Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina, contanto que sua sede, no Centro de Florianópolis, fosse desocupada. Nem que o acervo de mais de 115 mil títulos ficasse encaixotado nalgum depósito qualquer sem prazo de resgate.

Quando governador, LHS travestiu-se de autoridade ambiental, propôs, logrou aprovar na Assembléia e sancionou a lei que institui o Código Estadual do Meio Ambiente e impõe sensíveis reduções na proteção de nascentes, rios e lagos, coisa de estreitar a faixa de matas nativas dos cursos d'água para cinco metros, ao invés de 30, como preconiza a lei federal. Sua lei, que ele afirma ser "moderna e desenvolvimentista", é questionada na Justiça por suspeita de inconstitucionalidade. Não por acaso, o governador recebeu o apoio entusiástico de ruralistas, especuladores imobiliários e deputados ligados a setores que colocam o lucro acima de qualquer consideração coletiva. Acima, inclusive, da própria sobrevivência a médio prazo.

Como senador, Luiz Henrique apresentará neste 14 de setembro, na CCJ - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, seu parecer ao Projeto de Lei nº 30/2011 da Câmara, que estabelece o novo Código Florestal Brasileiro. Aliás, o projeto mantém a definição da Lei vigente: são áreas de preservação permanente as terras situadas "em altitude superior a 1.800 metros, qualquer que seja a vegetação"; aqui, usou-se muito essa definição para fazer terrorismo, afirmando que todo o Planalto catarinense, incluindo a vinicultura e a produção de maçã em São Joaquim, estaria condenado às feras porque nada mais ali se poderia plantar por situar-se - e agora a desinformação ou a má-fé - acima de 800 metros...

Como relator da CCJ, LHS não gostou do projeto da Câmara, refugou as 57 emendas oferecidas por seus pares e elaborou um substitutivo, ou seja, outro projeto. Nele, fixa três novos entendimentos: do que sejam "utilidade pública", "interesse social" e "atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental", generalizando que essas coisas, que permitirão o desmatamento e o assalto ao meio ambiente, serão "definidas em ato do Chefe do Poder Executivo" - federal, estadual ou municipal. Se a lei catarinense feria a lei nacional, mude-se, pelo mesmo autor, a lei nacional.

Singularmente, contrariando a pluralidade da população brasileira e dos entendimentos a respeito da questão, LHS é relator do projeto em três das quatro comissões do Senado em que ele será discutido e votado.

Elaborado por especialistas da área reunidos no Grupo de Trabalho do Código Florestal criado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC e Academia Brasileira de Ciências - ABC, foi publicado este ano, e está integralmente disponível na internet, um documento de 124 páginas intitulado O Código Florestal e a Ciência - contribuições para o diálogo. Os cientistas se queixam que nem LHS, nem qualquer congressista, aceitou o diálogo, preferindo fugir de uma discussão racional.

Com a ajuda arbitrária de Santa Catarina, a decisão parece já estar tomada. Que se cuidem as florestas e o meio ambiente do Brasil. Que nos cuidemos nós.

*Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados. A partir de 01.08.2011, é um dos seis candidatos à Cadeira nº 32 da Academia Catarinense de Letras, cuja eleição, em primeiro e segundo turnos, ocorrerá dia 26 de setembro próximo. Crônica publicada na edição de 14.9.2011 do jornal Diário Catarinense (Florianópolis-SC). Reprodução autorizada pelo autor.

12.9.11

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O açougue humano hondurenho,
por Elaine Tavares
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Impressões e The Marmelade,
por Olsen Jr.

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Os sete dons do Divino Espírito Santo. Foto: Celso Martins

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I M P R E S S Õ E S

Olsen Jr. Foto: Rosane Lima/ND

Por Olsen Jr.

Abstraindo a bisbilhotice pura e simples acredito, o homem sempre foi movido pela curiosidade. A curiosidade (junto com a necessidade) pode ser uma fonte de inusitadas descobertas. Penso na borracha por exemplo. Mas é outra história... Saber o que os outros pensam de você desperta certo interesse. Como você é visto? Well... Mas quando isso acontece ao vivo e em cores, intrigante...

O ambiente tinha uma luz mortiça, contrariando meus princípios, estava de costas para a entrada, de maneira que não percebi a mesa que se formou atrás da minha. Pela altercação de sons e linguagens, imaginei que poderia tratar-se de três vozes femininas e uma masculina.

Lá pelas tantas a conversa recaiu sobre a literatura de modo geral e a catarinense em particular. Uma das mulheres comentou que havia recebido emprestado de uma amiga o livro “Memórias de um Fingidor”, já tinha lido e apreciado muito, mais, que gostaria de ter sido a “heroína” da história...

Estou ouvindo aquilo e tive ímpetos de me levantar de onde estava e me apresentar, quem sabe seria um bom papo... Logo uma voz interior me alertou, deixa de ser exibido, fica quietinho aí e quem sabe você aprenda alguma coisa... Ou você pretende sentar ali, monopolizar a conversa e passar por um “cara” chato e insuportável?

Logo ouço “mas ele parece ser um sujeito de poucos amigos, carrancudo e mal humorado”... Foi sensato, penso... Poucos amigos? É verdade... Poucos e bons, acrescento... Carrancudo? É vero... Lembro de um debate na televisão com os então candidatos Mário Covas, Afif Domingues e outros (devia ser para o governo do Estado de São Paulo) e o Afif acusou o Covas de que ele tinha “duas caras” e perguntou com a qual ele iria se apresentar naquela eleição? O Mário Covas não se fez de rogado, afirmando “Ora, se eu tivesse duas caras, você acha que eu iria sair com esta?” O auditório veio abaixo... Mal humorado? Quem? Eu? Sou espirituoso, mais ou menos na linha do Bernard Shaw, Grouxo Marx, Woody Allen, mas posso ser mordaz, no gênero H. L. Mencken, Jorge Jean Nathan, Oscar Wilde ou eclético Voltariano – como lembrou o professor José Curi... Nada ofensivo, apenas cultural... Não suporto a boçalidade tentando se estabelecer... Não era o caso...

Ser “carrancudo” não muda o fato de o sujeito ser um bom escritor, afirma outra mulher, acrescentando logo em seguida “sabe-se lá com quais demônios ele se depara quando enfrenta a página em branco”... Gostei daquela última frase... Ainda assim contei até dez para não me levantar e tomar parte naquela conversa... Como a minha força de vontade nestes casos é zero, tratei de pedir a conta, não sem antes pensar no Paulo Francis: “As aparências enganam, se me permitem cunhar uma frase original”... Contenho o riso e não olho para os lados quando me despeço do garçom!

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“THE MARMELADE”




É uma banda de rock escocesa, formada ao leste da cidade de Glasgow no início dos anos 1960. Originalmente com o nome de “The Gaylords” integradas por: Dean Ford, Junior Campbell, Graham Knight, Pat Fairley e Alan Whitehead.

Sofreram desde o início a alteração de seus componentes, com entradas e saídas, idas e vindas de seus integrantes e até a mudança de nome para “Dean Ford and Gaylords”.

Em 1964 conseguiram um contrato com a gravadora Columbia (EMI), sem sucesso.

Em 1965 realizaram uma turnê pela Alemanha e depois Londres, mudaram o nome para “The Marmelade”, tocaram em clubes famosos e gravaram “I See theRain” que foi elogiada por Jimi Hendrix.

Começaram a tocar servindo de apoio para bandas famosas como Pink Floyd, The Who, Joe Cocker, Traffic, The Tremeloes...

O grande sucesso chegou finalmente com um cover dos Beatles “Ob-la-di, Ob-la-da”, vendendo milhares de cópias e fazendo o grupo aparecer na BBC.

Passaram a gravar pela Decca Records e compondo suas próprias músicas.

Gravaram seu maior sucesso “Reflections of my Life” que se tornou um it no mundo inteiro... Depois “Raimbow”, “My Little One”... “Cousin Norman”, “Good Luck for You”...

The Marmelade sobreviveu ao tempo. Grahan Knight é o único integrante do grupo original e juntamente com Sandy Newman, Alan Holmes e Damon Sawyer (a mais recente formação) continuam apresentando-se até os dias de hoje...

(Olsen Jr.).


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Assassinatos e desaparições
são comuns em Honduras



Por Elaine Tavares*

Enquanto as emissoras de televisão brasileiras, seguindo a lógica da colonização mental, seguem mostrando, à exaustão, as feridas do atentado do 11 de setembro em Nova Iorque, nenhuma notícia é veiculada sobre o massacre cotidiano que acontece na pequena Honduras. O país da América Central sofreu um golpe de estado em 2009, apoiado pelo governo estadunidense que não queria ver o espaço que ele considera “seu quintal” entrar para órbita da Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA), liderada por Hugo Chávez. Hoje, dois anos depois, comandadas por um governo títere, as mesmas forças golpistas seguem ceifando vidas dos lutadores sociais, sindicalistas, jornalistas, comunicadores populares e pessoas comuns que decidiram resistir contra o golpe.

Isso mostra que o golpe em Honduras, na verdade, continua em curso, mesmo depois da saída de cena dos militares e das eleições que levaram ao poder um novo presidente, Pepe Lobo. Até porque, a consulta popular contou com uma abstenção gigante e não teve qualquer candidato de esquerda. É que a população hondurenha, que foi às ruas dia após dia, durante o governo dos militares, não engoliu a “democracia” tutelada pelos golpistas. Até hoje o novo presidente não é reconhecido pelas gentes. A resistência popular insiste na volta de Mel Zelaya, no retorno a uma verdadeira democracia, sem a mordaça do regime militar, e sem a violência assassina que segue sem trégua.

Todos os dias somos informados de mais uma morte, como se o governo tivesse fotografado cada rosto nas passeatas, nas mobilizações, nos atos, e agora os caçasse. Um a um, os militantes vão caindo sob as balas ou sob estranhos acidentes como o que matou o conhecido cantautor José Daniel Gonzáles, conhecido como Jerônimo, de 57 anos, que fez de suas canções páginas de resistência. Ele foi atropelado em julho desse ano por alguém que fugiu e nunca mais foi encontrado.

Outro conhecido militante da resistência, abatido a tiros em sua própria casa nesse mês de setembro, foi o ativista Emo Sadloo, de nacionalidade suriname, mas vivendo há mais de 30 anos em Honduras. Emo foi atingido por cinco tiros, quatro no peito e um na cabeça. Ele era muito popular entre os resistentes, liderando muitas das marchas realizadas ao longo dos movimentos pelo fim da ditadura. Desde aí, a mídia hondurenha – apoiadora do golpe - vinha fazendo dura campanha pela deportação de Emo, acusando-o de “atos anárquicos” e etiquetando-o como “estrangeiro”. Só que além de levar 35 anos vivendo em Honduras, ser naturalizado legalmente, Emo tem dez filhos hondurenhos e, na luta, sempre se assumiu como hondurenho, na defesa da liberdade para ele e os seus. Agora, não há mais o risco de deportação porque o carismático ativista já está a sete palmos, sem que seus assassinos sejam conhecidos.

Um dia depois da morte brutal de Emo, também foi assassinado, na cidade de Puerto Cortés, norte de Honduras, o comunicador Medardo Flores, membro ativo da Frente Ampla de Resistência Popular (FARP). Assim como ele, outros radialistas e jornalistas seguem sendo perseguidos e caçados, até que tombam crivados de balas em algum beco escuro. Com a sua morte somam-se já 15 assassinatos só de jornalistas. Isso sem contar os desaparecidos que chegam ao número de 10, só nesse ano. É o que o jornalista hondurenho Ronnie Huete** chama de “carniceria humana”.

Ninguém precisa ser muito inteligente para observar que todas essas mortes, acontecidas de maneira violenta ou simulando acidentes, são absolutamente encomendadas. Todos os mortos tiveram participação ativa nas mobilizações da resistência e continuavam a atuar na luta por uma Honduras soberana e democrática. Mas, as milícias paramilitares e os esquadrões da morte que se formaram no país, sob as vistas grossas do governo, seguem agindo sem pejo, à luz do dia, sem que o Estado tome qualquer atitude. O que é óbvio, visto que os assassinatos parecem emanar do poder constituído.

Da mesma forma que o Estado, a comunidade internacional também parece ter abandonado à própria sorte a população hondurenha que segue em luta. Com as eleições ao final do ano de 2009, mesmo não sendo as mesmas reconhecidas pelos hondurenhos, Honduras deixou de ser um foco de cuidado e notícias. Esquecidos pelos órgãos de direitos humanos e pela mídia internacional as pessoas que atuaram e atuam na resistência são alvos contínuos dos assassinos de aluguel e de seqüestradores, identificados – esses sim – como estrangeiros, ou como agentes do governo, uma vez que seguem toda uma logística oficial, embora não se vistam como força policial. Ao que parece, o governo não quer deixar vivo nenhuma pessoa que tenha tido participação firme na resistência. São mortes anunciadas e nada é feito para proteger a população. O terror é pílula diária no país, buscando calar pela força das armas o desejo de liberdade.

Assim, enquanto em todo o mundo se chora a dor dos estadunidenses – que lembram os 10 anos de uma de suas tragédias – esquece-se deste terrorismo cotidiano, perpetrado pelos aliados do governo estadunidense, porque, afinal, qual é o valor da lágrima de uma mulher hondurenha, comparada a de uma moradora de Manhattan?

De qualquer forma, com todas estas ameaças e violências reais, o povo hondurenho segue lutando. Jornalistas seguem falando, militantes continuam promovendo marchas e protestos. E, ainda que esquecidas pela mídia comercial, aliada impassível do poder, as gentes e as vítimas do governo de Pepe Lobo são lembradas e narradas pela imprensa popular, pelos movimentos sociais, os blogues e toda a sorte de outros meios de comunicação que tomam o mundo. O grito de liberdade que ecoa desde a pátria de Morazán chega até nós e o reproduzimos como um eco teimoso e insistente. Em Honduras, os lutadores estão morrendo, assassinados pelo Estado, mas, para cada um que cai, centenas se levantam... Não há força capaz de barrar o sonho da pátria livre.

*Elaine Tavares é jornalista e dirige ou participa dos seguintes veículos:
Blog da Elaine: www.eteia.blogspot.com, América Latina Livre - www.iela.ufsc.br, Desacato - www.desacato.info, Pobres & Nojentas - www.pobresenojentas.blogspot.com e Agencia Contestado de Noticias Populares - www.agecon.org.br.



** O jornalista hondurenho Ronnie Huete permaneceu quase todo o verão de 2009 exilado no Brasil, abrigado por amigos em Sambaqui (Florianópolis-SC).

9.9.11

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9 de setembro em Sambaqui

Em memória de meu pai, Celso Martins da Silveira,
que estaria completando hoje 78 anos de idade.






Fotos: Celso Martins (da Silveira Júnior)

7.9.11

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Arrogância ou
Vanderlei & Jaqueline


Chove muito por aqui. Foto: Celso Martins


Por Amílcar Neves*

As coisas das quais vamos aqui tratar aconteceram muito, muito tempo atrás. Esta é a desvantagem fatal que têm as crônicas semanais comparativamente às coirmãs diárias: fatos ocorridos na véspera ou no dia da sua publicação, caso o cronista deseje abordá-los, já se terão tornado acontecimentos remotos e quase esquecidos pelos leitores - e totalmente esquecido pelos não leitores, essas pessoas que se abarrotam de televisão, celular e internet, e não sabem o que fazer com as sucessivas montanhas de informações que os soterram, porque não conseguem filtrar o que é consistente nem articular em pensamentos e reflexões próprios tudo o que os atinge, pois, como em qualquer ramo industrial, o importante é descartar o antigo - o da semana passada - para que o novo tenha espaço, para que a produção não pare, os empregos sejam mantidos, os salários não diminuam e os lucros prosperem sólidos e crescentes: isto, enfim, é o que mais importa para os donos do negócio.

Nestes tempos de conectividade universal, ampla, irrestrita e sem fio, o ser humano está precisando mesmo é se desligar de tudo ao menos por hora e meia, duas ou três vezes ao dia, a fim de recuperar e restaurar sua dimensão... humana.

Pois justo há uma semana, há bastante tempo, portanto, esteve por aqui o senhor Vanderlei Luxemburgo, que já foi até técnico da Seleção brasileira (não, não vamos tratar aqui, agora, de futebol). Ele comanda em campo o Flamengo, à ocasião vice-líder do campeonato nacional, e veio para cumprir a obrigação de vencer o Avaí, então antepenúltimo colocado na mesma competição. Ao final do jogo, o terceiro de trás para frente ganhou do segundo de cima para baixo reproduzindo essas posições na tabela: 3 a 2 para o time de Santa Catarina. Como técnicos precisam dar entrevistas oficiais ao final da partida, Vanderlei passou quase todo o tempo da sua fala reclamando do árbitro da partida e das arbitragens em geral. Disse: "Todos sabem que futebol de qualidade se joga é no Rio, em São Paulo, Minas e Rio Grande. Logo, ali é que estarão os grandes árbitros. Assim, não se pode aceitar que, para apitar os jogos dos times grandes, sejam escalados árbitros de Tocantins ou de Cuiabá, por exemplo." Um caso típico de determinismo geográfico: se você é da periferia, contente-se em babar frente aos bons; pelo resto da vida, faça o que fizer, você será sempre pequeno.

Mas foi além, o Vanderlei: "Aquele gol 'deles' aos três minutos de jogo, num lance irregular, prejudicou completamente o Flamengo, pois num campeonato duro como o nosso é muito difícil virar um marcador." No fundo, ele prega o tal gol de ouro já no tempo normal de jogo: quem marcar primeiro, ganha. Como se o futebol fosse uma espécie de boxe, no qual a luta termina com o nocaute - desde que os Avaís da periferia não se atrevam a cometer a afronta imperdoável, merecidamente punível, de sair marcando.

Arrogância semelhante demonstraram (mais uma vez) os deputados que, na véspera, absolveram dona Jaqueline Roriz, filha de peixe com todo o DNA do pai, filmada ao embolsar dinheiro da corrupção mais deslavada. Como se dissessem: "Nós aqui, unidos em corporação, fazemos o que melhor nos parece. Vocês, povo, vocês, eleitores, contentem-se em serem chamados a cada quatro anos para escolher quais de nós continuarão a fazer, cada vez com maior desenvoltura, o que vimos fazendo."

Ou seja: conscientizemo-nos de vez que nada mais somos do que a periferia dos parlamentos.


*Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados. A partir de 01.08.2011, é um dos seis candidatos à Cadeira nº 32 da Academia Catarinense de Letras. Crônica publicada na edição de hoje (7.9) do jornal Diário Catarinense (Florianópolis-SC). Reprodução autorizada pelo autor.

5.9.11

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MATÉRIA DA MEMÓRIA


Por Olsen Jr.

Cinco pessoas à mesa. Na minha frente uma mulher, no lado direito outra mulher e um homem e à esquerda outro homem. Três pizzas tinham sido pedidas, duas salgadas, com vários sabores de acordo com o gosto de cada um e uma terceira, doce. No momento estamos tomando um vinho, acompanhado de água como deve ser. O vinho é o “Escudo Rojo”, amadeirado, forte de buquê generoso do país vizinho, a argentina...

Foi aquela associação que me trouxe a lembrança nas fotografias de um álbum de parede fixadas embaixo da escada que levava ao segundo piso, uma em que apareço sentado num banco de tijolos em uma Praça em Buenos Aires. Cabelos longos, barba escura, uma bolsa de couro marrom a tiracolo contrastando com a camisa jeans e ao lado meu filho, com uma camisa xadrez, brinca com o relógio de pulso e olha desafiadoramente para o futuro naquele momento determinado pela lente da máquina fotográfica manipulada pela mãe dele...

Havia perguntado para ela, minutos antes, se ela se lembrava de quando a gente levava aquela menina ali no colo? “Sim, afirma, e também jogava xadrez” disse, apontando para a fotografia em que aparece junto a uma mesa e a nossa filha com três anos, compenetradíssima faz o gesto de mover uma peça tendo aos fundos uma cópia que fiz de um Cartão de Natal dos Beatles em tamanho gigante e que parece vai abraçar as duas naquela mesa onde estão...

Olho então para ela, a mãe deles, que se movimenta ali na frente, tendo na parede lateral, um pôster em que aparece com um blazer branco, foto de meio corpo, num grande momento de sua carreira na televisão e lembrando a atriz americana Lauren Bacall...
Depois penso já se passaram mais de 30 anos... A barba e o cabelo embranqueceram. Aquele garoto se transformou em um empresário e a menina uma intelectual... Ambos casados e com suas próprias teses sobre a existência, religião e o mundo... Demos o exemplo e eles não se distanciaram, talvez aqui e ali, mas sem prejuízo morais para eles e o grupo, a família estava reunida para mostrar isso...

Semelhante àqueles clãs nórdicos de onde descendemos, os mais velhos, nós os pais, nutrimos uma satisfação interior (raramente demonstrada em público porque os vikings são econômicos em suas emoções) por todos terem seguido o seu próprio caminho... Assim, as reuniões são festivas, risonhas e repletas de afirmações que sugerem segurança e determinação...

Evito o termo “felicidade”, mas nada impede de estar alegre naquele momento quando uma gata persa que andava rondando a mesa desconfiada decide se aninhar no colo da dona da casa como a dizer, estou aqui e também faço parte da família!




Flores da área. Fotos: Celso Martins

2.9.11

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COBERTURA ESPECIAL DA
FESTA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO
DE SANTO ANTÔNIO DE LISBOA

www.daquinarede.com.br


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Maricultura da UFSC
lança dejetos na areia da
praia da Ponta do Sambaqui


Lançamento continuado. Fotos em 2.9.2011. Ponta do Sambaqui

Por Celso Martins (texto e fotos)

A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) transformou parte da praça Macário da Rocha, na Ponta do Sambaqui, em Sambaqui, numa espécie de “pocilga”. A água usada na limpeza dos moluscos, de cor cinza, está sendo lançada na praia. Buracos feitos na areia recebem e encobrem os dejetos.

As fotos que acompanham a matéria foram feitas na manhã desta sexta-feira (2.9). Dois funcionários da unidade de maricultura da UFSC receberam com agressividade e deboche o Portal de Notícias Daqui na Rede, proferindo ameaças e soltando piadinhas, como: “Pega essa tua máquina e... vai tirar fotos de paisagens.

Advertidos de que estavam contaminando a praia no ponto mais movimentado, ficaram mais nervosos ainda. “Desde quando água do mar contamina”, respondeu um deles com sarcasmo. O fato é a água escura escorre pela areia e deixa manchas de tonalidade cinza e, contaminada ou não, dão um péssimo aspecto ao local, como a própria estrutura da UFSC ali existente para a limpeza dos moluscos.