30.11.11

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E M A N U E L
M E D E I R O S
V I E I R A

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OLSEN (imortal) Jr.


Uma gaivota diz: O Emanuel vai tirar férias nos pampas.
A outra: E o Olsen vai pegar no batente no Planalto Norte.
Foto: Celso Martins

*

RESTOS MORTAIS


Por Olsen Jr.

Tinha 14 anos quando tomei conhecimento da existência do poeta Cruz e Sousa. Estava na Escola Agro-Técnica Lysímaco Ferreira da Costa em Rio Negro, no Paraná e o livro era da editora Nova Aguillar, obras completas. Fiquei só na poesia: Broquéis, Faróis, Últimos Sonetos e o Livro Derradeiro.

Foi amor à primeira vista. Todo o meu tempo livre era dedicado a ler e reler aqueles poemas... Até o professor Venceslau Muniz me por nas mãos o “Eu”, de Augusto dos Anjos (assunto para outro dia).

Dois anos depois, em 1972 já em Curitiba prestando vestibular para arquitetura, na prova de português caiu uma interpretação do soneto “Vida Obscura”, do livro “Últimos Sonetos”. Acertei a questão relativa ao texto e me senti orgulhoso por ser catarinense e por perceber que todos os meus colegas tinham feito uma leitura equivocada do poema. O poeta faz a descrição do sofrimento de alguém e através de uma metáfora remetendo, no paroxismo, a crucificação de cristo, descreve os seus últimos momentos... Ele se referia (e foi a resposta certa) a um amigo... Na condição de artífice sei que ele estava imaginando a própria morte, claro, se esta alternativa estivesse nas respostas teria criado um impasse. A maioria dos candidatos foi ludibriada pelo verso “sei que cruz infernal prendeu-te os braços” e assinalou a resposta que aludia a Jesus Cristo...

Em 1994 fiz uma ponta no filme “Alva Paixão”, da diretora Maria Emília em que trata da vinda do corpo de Cruz e Sousa, que morreu em Minas Gerais, para o Rio de Janeiro num vagão de trem de transporte de animais. A mulher Gavita veio junta.

Faço o fiscal da estação ferroviária que recebe o corpo do poeta. Aquela cena me marcou, não só pelo fato de quase ter perdido a falange do polegar da mão direita prensado na porta emperrada de um vagão de trem no interior de Rio Negrinho onde as locações se deram, mas pela interpretação da Zezé Mota (assunto para outro dia) que fez Gavita, a mulher de Cruz e Sousa, também pelo realismo da situação. Hoje podemos ver com a clareza facultada pelo distanciamento histórico, um dos maiores poetas brasileiros, seu maior simbolista, morto com tuberculose na mais completa miséria que sofreu durante toda a sua vida a discriminação de seus contemporâneos, que foi protelado em cargos públicos e até da Academia Brasileira de Letras por um mestiço chamado Machado de Assis, que a história lhe faça justiça longe da literatura, trasladado num vagão de transporte de animais é dose. Nem na morte lhe deram compaixão, foi um maldito até o fim.

No dia 29 de novembro de 2007, depois de uma batalha que levou mais de 30 anos, finalmente o governo do Estado de Santa Catarina consegue resgatar os restos mortais do Sr. João da Cruz e Sousa.

Trazido agora de avião e depois por um caminhão do corpo de bombeiros, uma mala de aço contendo uma urna de madeira com os restos mortais do poeta que finalmente volta para casa, recebidos no Palácio Cruz e Sousa, bela construção arquitetônica com o seu nome, com direito a um coral entoando música clássica, louvado por autoridades acadêmicas e políticas, a promessa de um grande Memorial em sua homenagem onde se possam recitar poemas, onde sua obra nunca será esquecida e onde as lembranças de seu calvário serão sepultadas junto.

Foi diferente hoje, não era mais a cena de um corpo chegando em situações precárias numa estação do interior, era o poeta mesmo, mais de 100 anos depois, recebido em sua terra natal, o filho de escravos alforriados, o “ser humilde entre humilde seres”... Aquele para quem o “... mundo foi negro e duro”... O cidadão que chegou “... Ao saber de altos saberes”, “tornando-te mais simples e mais puro”...

Estive lá num canto observando tudo a distância, não suporto que me vejam emocionado em público, de poeta para poeta com a mesma dor, estava precisando de um trago, saí dali rumo ao mercado público, “... E neste conciliábulo mundano/ Pelos botecos da vida, confesso:/É solitário que eu me sinto humano!”.

Requiescat in pace!

*

PS

Olá, camaradas, salve!

Nos próximos dias encaminharei quatro textos para serem usados economicamente (à razão de um por semana) porque estou mudando o meu domicílio (provisoriamente ou não) para a cidade de Rio Negrinho (Norte do Estado)... E preciso concentrar-me nesta tarefa...

Mudar é sempre difícil...

Não sei porque pensei nisso... Uma corda estendida no meio do abismo sem rede de proteção... Só a imaginação de um escritor permite afiançar que no outro lado (de onde estou não se pode enxergar nada) pode haver um novo Paraíso...

Como o conquistador Pizarro que mandou incendiar as caravelas também sei que não posso mais recuar...

Pensem em mim como o sujeito que não desistiu...

Como lembrou o teatrólogo inglês Tom Stoppard “A vida é um jogo, com todas as chances contra você. Se fosse uma aposta, você não se arriscaria”.

Não gosto de jogo porque repudio o blefe e, portanto, pago pra ver...

Aproveitando o sesquicentenário do nascimento do poeta Cruz e Sousa e algumas lembranças quando estive lá observando a chegada da urna que trouxe os seus despojos...

Fui... A música é esta em contraposição ao obscurantismo que cercou a sua vida de poeta, negro, maldito...





É difícil encontrar um cover dos Beatles que me agrade...

Tem exceções, o caso de “With a Little Help From My Friends”, com o Joe Cocker, é uma delas...

E esta interpretação de “Here Comes the Sun”, composição de George Harrison numa fase crítica do Fab Four...

Composta no jardim da casa do amigo Eric Clapton...

Julie London fez um bom trabalho...
(Olsen Jr.)



*

NOVAS CARTAS BAIANAS

A BAHIA NO CENSO
I B G E

Por Emanuel Medeiros Vieira

Houve avanços.

O resultado do Censo de 2010, na Bahia, apresentado pelo - Instituto Brasileiro de Geografia e estatística – IBGE –, detectou alguns avanços em quatro quesitos para a Bahia: saneamento, analfabetismo, taxa de fecundação e distribuição de renda.

Mas ainda assim, a Bahia é o Estado brasileiro co o maior número de analfabetos em números absolutos. São 1.729.297 baianos, com a idade superior a 15 anos, que não sabem ler nem escrever, o que equivale a quase 16,6 da população baiana.

Em todo o Brasil, os índices chegam a 9,6 da população, ou seja, 13.933.173 analfabetos.

O Instituto também demonstra que a população baiana está envelhecendo. Se hoje, há quatro crianças para cada idoso, se mantida a taxa de natalidade (ainda alta nas áreas mais pobres), em 2028 haverá um idoso para cada criança.

Em relação à distribuição de renda, a diferença entre os mais pobres baianos para os mais ricos é de 157 vezes.

É desigualdade obscena.

“Ainda contamos com uma das mais baixas rendas per do país”, interpretou um analista.

Pela primeira vez na historiado Brasil foi confirmado que a população brasileira (191 milhões de habitantes) é formada por maioria de pretos e pardos.

É nas regiões Norte e Nordeste que está a maior concentração deles.

E pretos e pardos continuam em desvantagem socioeconômica

Salvador a tem a maior população negra do Brasil.

Os aspectos religiosos devem ficar outro texto.

Quando, na década de 70, a cidadã baiana Maria Escolástica da Conceição do Nazaré, mais conhecida como Mãe Menininha, declarou ao recenseador que era católica, a yalorixá mais famosa do Brasil (como lembra Marjorie Moura), reproduzia o padrão cultural das pessoas da religião – e no questionário da época não havia a opção candomblé.

E no de2010, não constava ”religião”.

Marcos Rezende, do Coletivo de Entidades negras (CEN) e ogã do Terreiro Oxumaré, muitos recenseadores de 2010 eram evangélicos, e alguns destes teriam se recusado a entrar em espaços do candomblé.

Para Hamilton Borges, tal falto é um reflexo do ódio religioso associado aos racismo.

Segundo ele, “as práticas do candomblé são demonizadas por séculos de perseguição, e é natural que as pessoas tenham dificuldades de assumi-las.”

(Salvador, novembro de 2011)

*

PROBIÇÃO1(...)

“Cumpri contra o destino o meu dever.

Inutilmente? Não, porque o cumpri.”

(Fernando Pessoa)


“A verdade Vos Libertará”

(Dos Evangelhos)

Por Emanuel Medeiros Vieira

FILHA DE RUBENS PAIVA FOI PROIBIDADE FALAR POR PRESSÃO DOS MILITARES NA CERIMÔNIA

DE INSTAURAÇÃO DA COMISÃO DA VERDADE.

Vera Paiva (conhecida como “Veroca”), filha do deputado Rubens Paiva, assassinado pela ditadura militar e cujo corpo nunca foi encontrado, foi impedida de falar pelos militares na cerimônia de instalação da Comissão da Verdade.

A senhora Dilma – “xerife”, “faxineira”, ”durona”, “autoritária” – tão forte (com os fracos?) não disse nada? Não reagiu? Ficou por isso mesmo?

Não, não reagiu. Ficou tudo por isso mesmo. Como é costume no Brasil.

Ela sabe que é Comandante- em- Chefe das Forças Armadas?

O governo se “ajoelha” aos militares com repulsiva subserviência e quer o nosso respeito?

A claque que a aplaudiu na cerimônia não quis intervir?

Quem ainda manda no Brasil são os militares – afora os banqueiros e as grandes corporações?

Se duvidarem do afirmado acima, consultem Frei Betto, que foi muito amigo de Lula.

Uma comissão que começa “ajoelhada” aos militares e com medo deles, será de “ verdade”?

Ou um simulacro?

E nós somos os radicais.

Ser radical é buscar as coisas pela raiz – já dizia o velho Marx.

Tudo isso é fruto da transição negociada (Tancredo, Sarney, FHC – o Patriarca da Dependência –, Lula e os donos do poder), medrosa, feita com panos quentes para não incomodar ninguém.

E o Uruguai e a Argentina dão um exemplo de coragem, punindo os torturadores.

Quantos combatentes devem estar se remexendo no túmulo pela covardia dos atuais donos do poder? E pela corrupção disseminada. Mas este é outro assunto.

Entendo o que disse um estudante espanhol, para o qual foi perguntado se não votaria nas eleições de domingo passado. Ele respondeu:

“Para que votar? Os governos mudam, mas os bancos ficam os mesmos.”

(Salvador, novembro de 20110)


*

(Republicação. Revisado e ampliado)

COMISSÃO DA VERDADE2

COMISSÃO DA VERDADE
(SERÁ DA VERDADE?)


Por Emanuel Medeiros Vieira

PARA TODOS OS COMBATENTES DA DITADURA, VIVOS E MORTOS.

Para Clarice e Lucas, meus filhos, para que nunca se esqueçam

Para Célia

Para minha família

A presidente Dilma Rousseff sancionou(em 18 de novembro de 2011) as leis que criam a Comissão da Verdade e de Acesso à Informação.

No presente texto, nos deteremos na Comissão dita da Verdade.

Suportaremos a verdade?

AQUI E LÁ

Em 28 de outubro de 20011, o tribunal oral federal número 5 da capital argentina anunciou as sentenças de 28 militares acusados de 86 casos de crimes contra a Humanidade realizados na Escola de Mecânica da Armada (ESMA) – talvez o maior centro de torturas de presos políticos que já existiu em nuestra América –, o maior local clandestino de detenção da ditadura militar argentina (1976-1983).

Estimativas de organismos internacionais como a Anistia Internacional indicam que a ditadura argentina assassinou 30 mil civis.

Um tribunal de Buenos Aires condenou em 26 de outubro de 2011 o ex-militar Alfredo Astiz, de 59 anos , à prisão perpétua por crimes contra a humanidade.

No Uruguai, a Câmara dos Deputados aprovou o fim da anistia aos militares que atuaram durante a ditadura no país entre 1973 e 1985.

O Senado do país vizinho já havia a provado o fim da prescrição dos crimes contra os direitos humanos cometidos durante o regime militar, o que pode abrir casos para novos processos contra militares reformados.

Além de eliminar a prescrição dos crimes, o projeto também declara como crimes de lesa-humanidade os delitos cometidos durante a ditadura. Dessa forma, a nova lei elimina a lei de caducidade sobre o princípio punitivo do Estado, sancionada em 1986.

Para nossa vergonha, que exemplo luminoso os dois países citados dão para nós e para nossos governantes!

AQUI

A criação da Comissão da Verdade é motivo de comemoração?

Não creio.

“O que deveria ser motivo de comemoração para aqueles realmente preocupados com o legado da ditadura e com os crimes contra a humanidade cometidos neste período será, n o entanto, razão para profundo sentimento de vergonha”, observou lucidamente Vladimir Safatle.

E mais um exemplo de tristeza, impunidade e infortúnio.

Como lembra o citado analista, pressionado pela Corte Interamericana de Justiça, que denunciou a situação aberrante do Brasil quanto à elucidação e punição dos crimes de tortura, sequestro, assassinato, estupro e ocultação de cadáveres perpetrados pelo Estado ilegal que vigorou durante a ditadura militar, o governo brasileiro precisava mostrar que fizera algo. Esse “algo” é tal Comissão da Verdade – tão cheia de dedos e acovardada perante os militares.

A presidente, atemorizada e com medo de mencionar o seu passado –ela sabe que é Comandante Supremo das Forças Armadas? –, na cerimônia da sanção da lei, aplaudida pela sua conhecida claque, e disse que não haveria “revanchismo”.

Revanchismo, presidente?

De quem?

Sei que essa gente – deslumbrada com o poderzinho que tem e que gosta de se achar importante – apoiará a presidente e esquecerá todos os que combateram a ditadura (não é, Luiz Travassos?).

Somos mortais!

Nessas horas, a gente conhece as pessoas.

A tal comissão terá representantes dos militares, ou seja, daqueles que deveriam ser investigados.

Ela, a comissão para “inglês ver”, motivo de vergonha para o Brasil no mundo inteiro, investigará também crimes que porventura tenham ocorrido no período 1946-1988.

Como interpreta Safatle, um país que, na contramão do resto do mundo, tende a compreender exigências amplas de justiça como “revanchismo” não tem o direito de se indignar com a impunidade que se dissemina em vários setores da vida nacional.

“Aqueles que preferem nada saber sobre os crimes do passado, ainda estão intelectualmente associados ao espírito o que procuram esquecer.”

“O povo brasileiro tem o direito de saber, por exemplo, que os aparelhos de tortura e assassinato foram pagos com dinheiro de empresas privadas, empreiteiras e multinacionais que hoje gastam fortunas para falar de ética. Ele tem o direito de saber quem pagou e quanto.”

De uma verdadeira Comissão da Verdade (e não um simulacro de verdade), esperava-se que ela expusesse os crimes cometidos e “o vínculo incestuoso entre militares e empresariado.

Vínculo que “ajudaria a explicar o fato da ditadura militar ter sido um dos momentos de alta corrupção na história brasileira –basta lembrar casos como Capemi, Coroa Brastel, Lutfalla, Baugarten, Tucurui, Banco Econômico, Transamazônica, Ponte Rio-Niterói, Relatório Saraiva (não é, senhor Delfim Neto?), entre tantos outros.

“Quanta verdade o Brasil suporta?

JUDICIÁRIO

Como observou Fernando de Barros e Silva, não há o menor risco de uma figura influente ou endinheirada ser condenada por crime de corrupção pela justiça brasileira.

“O aparato legal do país opera de uma maneira seletiva e distorcida provê justiça de menos para o conjunto da sociedade, sobretudo para os mais pobres, e zela demais pela impunidade de quem está por cima da carne seca.”

Seria um Judiciário que afaga “descaradamente” (a expressão é do articulista) investigados que possuem poder político u econômico?

Sinceramente, foi essa sensação de impunidade, um dos motivos que me levou e vários colegas de geração, formados em Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul –UFRGS –, em 1969, a desistirem desta profissão.

Podem rir! Foi por idealismo!

Felizmente, outros muito honrados (inclusive, vários familiares), continuaram tentando a melhorar o Judiciário nacional.

NOVAMENTE: A COMISSÃO

Serão 7 os integrantes da dita Comissão da Verdade.

“Dois anos para investigar as violências a direitos humanos desde o fim da ditadura de Getúlio parecem brincadeira, mas foi um artifício para restringir a atividade que é a razão de ser da comissão”, detectou Janio de Freitas.

O jornalista lembra que só para a procura dos assassinados do Araguaia criaram-se sucessivas missões e comissões no governo Lula, reduzidas à inutilidade por interferência militar.

Será por essa interferência (profundo medos militares) que a dita Comissão da Verdade – além de não poder punir, criada cheia de temores – não terá a dignidade para investigar o passado e investigar crimes futuros?

INFELICIDADE DO STF

A decisão do STF sobre a Lei da Anistia foi uma derrota daqueles que querem saber a verdade Como observam alguns juristas, não é possível afirmar que os servidores do regime de exceção cujo comportamento se destinava a manter o funcionamento desse mesmo regime, praticaram crimes políticos.

A Lei da Anistia trata de crimes conexos aos políticos.

Os delitos de tortura citados são conexos aos crimes políticos já definidos?

Não. O conceito de conexão entre crimes está previsto nas leis processuais brasileiras. Há conexão quando os crimes são praticados pelas mesmas pessoas, ou coma mesma finalidade, ou se os delitos são praticados no mesmo contexto de tempo e de lugar e a prova de um deles interfere na prova do outro.Nada disso ocorre com os delitos praticdos por agente da repressão, como observam Dalmo de Abreu Dallari, Perpaolo Cruz Bottini e Igor Mamasauskas.

“Os atos de tortura não ocorreram no momento do crime político, no calor do combate.

Foram ações sistemáticas, planejadas, regulares, realizadas sobre vítimas já detidas, sob a custódia dos agressores.”

Não se busca “revanche”, esse lugar-comum sempre adotado pela direita brasileira.

“Não se acredita que a incidência do direito penal terá o condão de reparar o sofrimentos das vítimas, seus familiares, amigos e de toda a comunidade que acompanhou tais atrocidades.

A Comissão– nos moldes em que foi gestada para não melindrar os militares– será uma vitória dos defensores da impunidade.

Radicalismo? Ser radical é buscar o real sentido – buscar a raiz.

Sectarismo é outra coisa.

“Da Comissão da Verdade não se exige mais do que uma comissão de verdade, que não se preste a farsas.”

Pessimismo meu? Quem conhece a nossa história ou que viveu a ditadura (na pele), só poderá repetir: Triste Brasil!

(Mantendo, gramscianamente, o pessimismo da inteligência e o otimismo da vontade.)

Quer dizer, nunca desistindo!

Como alguém já constatou, a solidão profunda do homem pós-moderno mergulha em uma perda de referência, já que o passado se espalha como pó ao vento.

“A consequência inelutável disso é o enfraquecimento da idéia de futuro”.

Hannah Arendt já havia constatado, ainda no meio do século XX, que o sinal mais expressivo da privatização do público é a perda do interesse pela imortalidade.

CONTRA O OLVIDO E PELA MEMÓRIA COMO ALERTA PERMANENTE!

(BRASÍLIA E SALVADOR, DE MAIO DE 2010 A NOVEMBRO DE 2011)


21.11.11


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Comissão da Verdade
(Será da Verdade?)
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O homem e seu duplo


E S P E C I A L


COMISSÃO DA VERDADE2

COMISSÃO DA VERDADE
(SERÁ DA VERDADE?)



Por Emanuel Medeiros Vieira

PARA TODOS OS COMBATENTES DA DITADURA, VIVOS E MORTOS.
Para Clarice e Lucas, meus filhos, para que nunca se esqueçam
Para Célia
Para minha família

A presidente Dilma Rousseff sancionou (em 18 de novembro de 2011) as leis que criam a Comissão da Verdade e de Acesso à Informação.

No presente textos, nos deteremos na Comissão dita da Verdade.

Suportaremos a verdade?

AQUI E LÁ

Em 28 de outubro de 20011, o tribunal oral federal número 5 da capital argentina anunciou as sentenças de 28 militares acusados de 86 casos de crimes contra a Humanidade realizados na Escola de Mecânica da Armada (ESMA) – talvez o maior centro de torturas de presos políticos que já existiu em nuestra América –, o maior local clandestino de detenção da ditadura militar argentina (1976-1983).

Estimativas de organismos internacionais como a Anistia Internacional indicam que a ditadura argentina assassinou 30 mil civis.

Um tribunal de Buenos Aires condenou em 26 de outubro de 2011 o ex-militar Alfredo Astiz, de 59 anos , à prisão perpétua por crimes contra a humanidade.

No Uruguai, a Câmara dos Deputados aprovou o fim da anistia aos militares que atuaram durante a ditadura no país entre 1973 e 1985.

O Senado do país vizinho já havia a provado o fim da prescrição dos crimes contra os direitos humanos cometidos durante o regime militar, o que pode abrir casos para novos processos contra militares reformados.

Além de eliminar a prescrição dos crimes, o projeto também declara como crimes de lesa-humanidade os delitos cometidos durante a ditadura. Dessa forma, a nova lei elimina a lei de caducidade sobre o princípio punitivo do Estado, sancionada em 1986.

Para nossa vergonha, que exemplo luminoso os dois países citados dão para nós e para nossos governantes!

AQUI

A criação da Comissão da Verdade é motivo de comemoração?

Não creio.

“O que deveria ser motivo de comemoração para aqueles realmente preocupados com o legado da ditadura e com os crimes contra a humanidade cometidos neste período será, n o entanto, razão para profundo sentimento de vergonha”, o Observou lucidamente Vladimir Safatle.

E mais um exemplo de tristeza, impunidade e infortúnio.

Como lembra o citado analista, pressionado pela Corte Interamericana de Justiça, que denunciou a “situação aberrante do Brasil quanto à elucidação e punição dos crimes de tortura, sequestro, assassinato, estupro e ocultação de cadáveres perpetrados pelo Estado ilegal que vigorou durante a ditadura militar, o governo brasileiro precisava mostrar que fizera algo. Esse “algo” é tal Comissão da Verdade – tão cheia de dedos e acovardada perante os militares.

A presidente, atemorizada e com medo de mencionar o seu passado –ela sabe que é Comandante Supremo das Forças Armadas? –, na cerimônia da sanção da lei, aplaudida pela sua conhecida claque, disse que não haveria “revanchismo”.

Revanchismo, presidente? De quem?

Sei que essa gente apoiará a presidente e esquecerá todos os que combateram a ditadura (não é, Luiz Travassos?).

Nessas horas, a gente conhece as pessoas.

A tal comissão terá representantes dos militares, ou seja, daqueles que deveriam ser investigados.

Ela, a comissão para “inglês ver”, motivo de vergonha para o Brasil no mundo inteiro, investigará também crimes que porventura tenham ocorrido no período 1946-1988.

Como interpreta Safatle, um país que, na contramão do resto do mundo, tende a compreender exigências amplas de justiça como “revanchismo” não tem o direito de se indignar com a impunidade que se dissemina em vários setores da vida nacional.

“Aqueles que preferem nada saber sobre os crimes do passado, ainda estão intelectualmente associados ao espírito o que procuram esquecer.”

“O povo brasileiro tem o direito de saber, por exemplo, que os aparelhos de tortura e assassinato foram pagos com dinheiro de empresas privadas, empreiteiras e multinacionais que hoje gastam fortunas para falar de ética. Ele tem o direito de saber quem pagou e quanto.”

De uma verdadeira Comissão da Verdade (e não um simulacro de verdade), esperava-se que ela expusesse os crimes cometidos e “o vínculo incestuoso entre militares e empresariado.

Vínculo que “ajudaria a explicar o fato da ditadura militar ter sido um dos momentos de alta corrupção na história brasileira (basta lembrar casos como Capemi, Coroa Brastel, Lutfalla, Baugarten, Tucurui, Banco Econômico, Transamazônica, Ponte Rio-Niterói, Relatório Saraiva (não é, senhor Delfim Neto?), entre tantos outros.

“Quanta verdade o Brasil suporta?

JUDICIÁRIO

Como observou Fernando de Barros e Silva, não há o menor risco de uma figura influente ou endinheirada ser condenada por crime de corrupção pela justiça brasileira.

“O aparato legal do país opera de uma maneira seletiva e distorcida provê justiça de menos para o conjunto da sociedade, sobretudo para os mais pobres, e zela demais pela impunidade de quem está por cima da carne seca.”

Seria um Judiciário que afaga “descaradamente” (a expressão é do articulista) investigados que possuem poder político u econômico?

Sinceramente, foi essa sensação de impunidade, um dos motivos que me levou e a vários de geração, formados em Direito na UFRGS, em 1969, a desistirem desta profissão.

Podem rir! Foi por idealismo!

Felizmente, outros muito honrados (inclusive, vários familiares), continuaram tentando a melhor aro Judiciário nacional.

NOVAMENTE; A COMISSÃO

Serão 7 os integrantes da dita ComiSsão da Verdade.

“Dois anos para investigar as violências a direitos humanos desde o fim da ditadura de Getúlio parecem brincadeira, mas foi um artifício para restringir a atividade que é a razão de ser da comissão”, detectou Janio de Freitas.

O jornalista lembra que só para a procura dos assassinados do Araguaia criaram-se sucessivas missões e comissões no governo Lula, reduzidas à inutilidade por interferência militar.

Será por essa interferência (profundo medos militares) que a dita Comissão da Verdade – além de não poder punir, criada cheio de temores – não terá a dignidade para investigar o passado e investigar crimes futuros?

INFELICIDADE DO STF

A decisão do STF sobre a Lei da Anistia foi uma derrota daqueles que querem saber a verdade Como observam alguns juristas, não é possível afirmar que os servidores do regime de exceção cujo comportamento se destinava a manter o funcionamento desse mesmo regime, praticaram crimes políticos.

A Lei da Anistia trata de crimes conexos aos políticos.

Os delitos de tortura citados são conexos aos crimes políticos já definidos?

Não. O conceito de conexão entre crimes está previsto nas leis processuais brasileiras. Há conexão quando os crimes são praticados pelas mesmas pessoas, ou coma mesma finalidade, ou se os delitos são praticados no mesmo contexto de tempo e de lugar e a prova de um deles interfere na prova do outro.Nada disso ocorre com os delitos praticdos por agente da repressão, como observam Dalmo de Abreu Dallari, Perpaolo Cruz Bottini e Igor Mamasauskas.

“Os atos de tortura não ocorreram no momento do crime político, no calor do combate.

Foram ações sistemáticas, planejadas, regulares, realizadas sobre vítimas já detidas, sob a custódia dos agressores.”

Não se busca “revanche”, esse lugar-comum sempre adotado pela direita brasileira.

“Não se acredita que a incidência do direito penal terá o condão de reparar o sofrimentos das vítimas, seus familiares, amigos e de toda a comunidade que acompanhou tais atrocidades.

A Comissão– nos moldes em que foi gestada para não melindrar os militares– será uma vitória dos defensores da impunidade.

Radicalismo? Ser radical é buscar o real sentido – buscar a raiz.

Sectarismo é outra coisa.

“Da Comissão da Verdade não se exige mais do que uma comissão de verdade, que não se preste a farsas.”

Pessimismo meu? Que conhece a nossa história ou que viveu a ditadura (na pele). Só poderá repetir: Triste Brasil!

(Mantendo, gramscianamente, o pessimismo da inteligência e o otimismo da vontade)

Como alguém já constatou, a solidão profunda do homem pós-moderno mergulha em uma perda de referência, já que o passado se espalha como pó ao vento.

“A consequência inelutável disso é o enfraquecimento da idéia de futuro”.

Hannah Arendt já havia constatado, ainda no meio do século XX, que o sinal mais expressivo da privatização do público é a perda do interessa pela imortalidade (ver texto de José Moreira da Silva Filho).

CONTRA O OLVIDO E PELA MEMÓRIA COMO ALERTA PERMANENTE!

(BRASÍLIA E SALVADOR, DE MAIO DE 2010 A NOVEMBRO DE 2011)

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O HOMEM E SEU DUPLO

Por Olsen Jr.
(olsenjr@matrix.com.br)

O que vou escrever não tem nada a ver com a obra “O Homem e o Seu Duplo”, de Alexandre Figueiredo, tampouco com “O Homem Duplo” (que originou o filme “A Scanner Darky”) de Philip K. Dick (o mesmo autor de Blade Runner) e menos ainda com “O Homem Invisível”, de H. G. Wells.

O assunto aqui é mais leve.

É vox populi que todo o homem tem em algum lugar um sósia. Em outras palavras, alguém que é a sua imagem e semelhança, pelo menos no estereótipo.

Mas também não é isso do que pretendo tratar.

Só abrindo um parênteses, o escritor Christopher Lash (conhecido pela obra “A Cultura do Narcisismo”) escreveu uma espécie de continuação dela em outro livro “O Mínimo Eu” em que fala do narcisismo passivo e que o Paulo Francis emendava, referindo-se ao autor “acha que o mundo de hoje é dominado de tal forma por um complexo de burocracias todo poderosas que é difícil a alguém ganhar a individualidade”, mais “a vida é um constante comercial de TV ao qual o espectador tenta se segurar e tenta seguir, mas não consegue”, concluindo “ teme a idade e a morte de maneira infantil, nunca sai da infância”.

Começo por aí, pela infância. Quando éramos crianças, nós inventávamos um mundo de mentirinha e nos refugiávamos nele. A partir daí as brincadeiras faziam um sentido especial o que as tornavam necessárias. Nós não estávamos muito conscientes da duplicidade dos mundos, o que era “real” de onde provínhamos e do outro “imaginado” que acabávamos de criar. Os dois mundos até poderiam se confundir, embora sempre preferíssemos aquele outro o do faz de conta e sobre o qual tínhamos o domínio absoluto, inventando personagens e situações que parodiavam a vida adulta (ou não), mas nesse caso era apenas uma representação que poderia ser abandonada quando estivéssemos cansados dela.

O importante era ter uma ingerência na fantasia que criávamos diferente do mundo “real” onde aquelas aventuras oníricas não tinham guarida.

Nessa vida, dita adulta, o escritor que habita em mim está fazendo esse papel, o mesmo daquela criança que ontem fui e que ainda não me abandonou (porque sempre a tratei bem e nunca a deixei sozinha o suficiente a ponto de ela me ignorar como companheiro de viagem) o que permite a criação de um mundo paralelo aonde vou quando escrevo.

Ao contrário dessa criança, tenho consciência da fronteira entre ambos os mundos (um que eu suporto e o outro que criei) e o curioso agora é que nunca preciso cruzar a ponte de maneira clandestina, sei que consegui cobrir o trajeto quando essa solidão que me condena de um lado me absolve do outro, então escrevo, sozinho, mas livremente.

Agora, recebo um telefonema de uma amiga que está lendo os meus livros, e ela afirma: “não é justo... Assim não é justo”, repete e explica: “fico aqui lendo... Estou me apaixonando”...

Interrompo aquele monólogo e digo que ela pode se apaixonar pelo escritor, que está inteiro nas mãos dela, nas obras que lê, mas o homem por trás do autor é demasiadamente comum, não vale a pena alimentar um interesse por uma natureza humana que pode ser encontrada em cada esquina. Ela não se conforma, mas é a realidade, o escritor foi o sujeito que inventei para melhor suportar o homem comum que eu sou.

Para as pessoas que se crêem normais é muito estranho fazer essa discriminação entre a criança, o homem e o escritor e constatei isso enquanto limpava uma coleção de soldadinhos de chumbo reproduzindo os templários e as cruzadas e comecei a perceber o fragor da luta entre sarracenos e cristãos e, palavra de escoteiro, naquela hora, juro, senti o zunido de flechas e as batidas secas de cimitarras nos escudos que tinham uma cruz pintada em vermelho, diante das muralhas castigadas por catapultas, enquanto uma lança me espetava e tombei ferido de morte antes de afirmar que aquelas distinções não faziam sentido e aquela carnificina era inútil!

*




Sobre “Everybody Talking”

A música “Everybody Talking”, de Fred Neil é de 1966, mas celebrizou-se na voz de Harry Nilsson como trilha do filme “Midnight Cowboy”, em 1969...

Fred Neil fez também “Candy Man”, que foi gravada por Roy Orbinson e Sammy Davis Jr. entre outros...

Esperava-se que um dia explodisse, mas não aconteceu, hoje pouco se fala dele, velho Fred...

Já a versão de Harry Nilsson é imbatível, mais ou menos como Joe Cocker fez com “With a Little Help From My Friends”, dos Beatles...

Difícil fazer melhor...

Vai a de hoje com o carinho de sempre e o abraço do viking... (Olsen Jr.)
Colosso do Norte da Ilha

Imediações do Sappiens Park e da estação
de tratamento de esgotos (ETE) da Casan
,
entre Canasvieiras e Cachoeira do Bom Jesus




O curso d'água se liga ao rio Paraquara,
que alimenta o rio Ratones,
que desemboca entre as
praias da Daniela e do Sambaqui.


(Fotos: Celso Martins, 20.11.2011)

16.11.11

CONFIRA

Sobre negócios e revoltas

Por Amílcar Neves e
Emanuel Medeiros Vieira


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Combate do Irani,
início do Contestado

Iniciamos a publicação de uma série de seis “Crônicas do Irani” discutindo alguns momentos do Combate de 1912 no Banhado Grande do Irani, marco inicial da Guerra do Contestado.

Não se trata de (mais) uma compilação de informações publicadas em outras fontes. As bases da série são 30 entrevistas com antigos moradores do Meio Oeste catarinense e do Sudoeste do Paraná, um depoimento do Sr. Antônio Martins Fabrício das Neves ao Museu Histórico de Concórdia e o Processo do Irani (518 páginas) cedido pelo professor Paulo Pinheiro Machado (UFSC).

O uso destas fontes levou à construção de outra “história” do Combate do Irani, revelando personagens quase absolutamente desconhecidos e ausentes da historiografia do Contestado, e os elementos motivadores: a luta pela terra e não por questões de limites entre Santa Catarina e Paraná.

Grato
Celso Martins
celsodasilveira@gmail.com

Confira a primeira crônica no
blog Fragmentos do Tempo 2



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A Revolta dos Búzios (1)



Novas Cartas Baianas

A REVOLTA DOS BÚZIOS
(OU REVOLTA DOS
ALFAIATES) NA BAHIA


Por Emanuel Medeiros Vieira*

Na madrugada de 12 de agosto de 1798, as ruas de Salvador foram tomadas por cartazes que diziam: “Está para chegar o tempo feliz da nossa liberdade, tempo em que todos seremos iguais”.

Como registram os historiadores, era o início do movimento que entrou para a história como a Revolta dos Búzios (ou dos Alfaiates), tendo como bandeira cinco pontos principais: a Proclamação da República, a diminuição dos impostos, a abertura dos portos, o fim da escravidão e o aumento de salário de todos os trabalhadores.

A revolta foi esmagada.

Seus líderes principais – João de Deus, Lucas Dantas, Manuel Faustino e Luís das Virgens – foram delatados por antigos companheiros e condenados à morte.

A execução aconteceu em 8 de novembro de 1799, em plena Praça da Piedade – coração da cidade.

Exemplificando, é como tivesse ocorrido na Praça XV, em Florianópolis.

Segundo João Jorge Rodrigues, diretor do Olodum e mestre em direito público pela Universidade de Brasília (UnB), “a revolta dos Búzios é o primeiro movimento brasileiro que tem como pauta os direitos humanos. E essa história nos foi ocultada. Por isso, começamos a resgatar a importância desses homens que deram as vidas em nome da liberdade do Brasil. A Revolta dos Búzios foi um movimento que combatia todas as formas de opressão”.

A decisão em de homenagear os líderes do movimento é fruto de atividades organizadas nos últimos anos por entidades do movimento negro baiano.

Os líderes do movimento são lembrados durante o Mês da Consciência Negra, celebrado em novembro.

A presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei 12.391, que inscreve o nome dos líderes da Revolta no livro dos heróis nacionais.

Os líderes do movimento são os primeiros baianos a compor o conjunto de nomes do Livro dos Heróis da Pátria.

Este livro faz o registro perpétuo do nome de “personalidades históricas ou grupos de brasileiros que tenham oferecido as vidas para a defesa da pátria, com excepcional dedicação e heroísmo.

Quem passa pela super-movimentada Praça da Piedade, em Salvador, talvez não perceba os quatros bustos de bronze com os nomes e uma breve biografia dos líderes da Revolta dos Búzios.

Eles foram instalados na mesma praça no qual eles foram decapitados.

São, merecidamente, credores de todas as homenagens.

Termino com um pensamento de Tancredo Neves: “O povo é a substância da república, como prova a raiz latina da palavra. A República deve, pois, ser o compromisso fundamental do Estado para a solução dos problemas do povo.”

*(Algumas informações colhidas para a redação deste texto foram extraídas de matéria de Maíra Azevedo, publicada em jornal de Salvador).

(Salvador, novembro de 2011)

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Rede de negócios
(l u c r a t i v o s)


Por Amílcar Neves*

Sejamos francos: o título aí desta crônica é uma lamentável redundância, um desnecessário pleonasmo, uma detestável tautologia. Obra, possivelmente, de algum abominável homem das Neves. Perdão: das neves. Afinal, pode-de perfeitamente admitir a existência de negócios, mais ou menos pequenos, que sejam deficitários. Quando isto acontece, o que sucede? O dono ou os sócios mudam de negócio, não ficam, idiotas, bancando um prejuízo que não acabará jamais.

Decorre daí a verdade cristalina que, se o negócio não é bom, ou não se revelou bom na prática, ninguém pensará em expandi-lo em rede, multiplicando as perdas pelo número de locais de atuação. A menos que se trate - aí sim! - de uma lavanderia, da fachada conveniente para "legalizar" dinheiro escuso, para "esquentar" a grana polpuda (caixas dois incluídos) da contravenção, do crime, da sonegação e colocá-lo a circular. Nestes casos, o prejuízo é excelente negócio, altamente lucrativo. Fora isso, não.

Portanto, por definição, qualquer negócio em rede sempre será lucrativo.

Mas por que cargas d'água, afinal, esta longa introdução que já comeu metade do espaço disponível?

Porque a imprensa sai por aí a denunciar um sujeito que tinha uma ONG e pôs-se a negociar com ministros, senadores e até deputados. Aquelas coisas que os governos deveriam fazer e não fazem passam a ser feitas por organizações não governamentais, as tais ONGs, as quais podem arrecadar recursos da iniciativa privada mas também podem assinar opulentos convênios com os governos, que não fazem as coisas que deveriam fazer e pagam para ONGs executarem as tarefas. Dizem que muitas vezes esse dinheirão todo, que ninguém fiscaliza, some sem que se possa dizer onde foi parar.

Pois o tal sujeito da ONG acima (ONG acima não é o nome da ONG) foi tirar visto num consulado dos Estados Unidos e a mulher, funcionária pública à beira da aposentadoria, dura, seca e com cara de poucos amigos, apesar das ordens vindas de cima para aliviar com o pessoal da terrinha porque brasileiro está levando muito dinheiro para eles e eles precisam que cada vez mais brasileiros embarquem para Orlando e gastem lá uma bela de uma grana, ativo de que estão muito necessitados por conta da crise que vivem, perguntou-lhe a profissão.

- Ôngster - ele disse.

- Gângster?! - ela foi à loucura. - Já temos os nossos por lá, e são suficientes para o gasto. Não permitimos concorrência desleal, que vai tirar empregos e renda do nosso Cidadão!

Ele teve que explicar, sob olhares ameaçadores, que não era nada disso, tratava-se apenas do fato de que ele é dono de uma rede de ONGs de todos os tipos, profissões de fé e objetivos que se possam imaginar, desde a ONG da preservação dos jacarés do Rio do Sertão e a ONG do levantamento e guarda de toda a documentação histórica dos Osórios até ONGs pela valorização da saúde, da educação, da cultura e da segurança, passando por ONGs em defesa dos mangues e das águas, contra o desmatamento e a favor do florestamento (que consiste, ele esclareceu, em propugnar pelo confinamento nas florestas de toda e qualquer pessoa que tenha traços de sangue índio nas veias a fim de abrir espaço nas cidades para os não índios), sem contar uma HONG, quer dizer, uma holding das ONGs todas, senão ninguém segura a barra. Ressabiada, a mulher quis saber o seu hobby predileto.

- Quando estou muito tenso, dou-me ao luxo de me ausentar dos negócios e saio a abater ministros. De vez em quando derrubo um espécimen.


*Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados. Em 26.09.2011 foi eleito em primeiro turno, com 24 votos de 29 possíveis, para a Cadeira nº 32 da Academia Catarinense de Letras. Crônica publicada na edição de hoje (16.11) do jornal Diário Catarinense (Florianópolis-SC). Reprodução autorizada pelo autor.

14.11.11

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OS NOVOS BEATNIKS
Ou um elogio à liberdade


Por Olsen Jr.

Nos finais e começos de ano, é sempre assim, há um mecanismo inconsciente que faz com que abramos a guarda. De repente ficamos dóceis, ternos, receptivos. É uma constatação que faço e isso nada tem a ver com o cristianismo, apenas com a época, uma vibração diferente. A observação é uma das ferramentas de um escritor, já a sensibilidade para captar a nuance do que é observado pode ser atributo de um poeta. Se você conseguir reunir os dois quesitos em uma pessoa só, melhor. Mas isso ocorre o ano inteiro, então por que lembrar isso apenas agora?

Well, penso que ao afrouxar um pouco o ceticismo contemplativo com que a maioria das pessoas leva a vida, a realidade não parece ser tão soturna como imaginamos quando estamos mais pessimistas que o habitual. Percebi isso agora, vendo aquele grupo. Na verdade acompanho todos eles individualmente andando por aí, a esmo, sem destino e nem objetivos determinados.

Um grupo de pessoas, seis ao todo, lembra aquele livro “Cannery Row”, do John Steinbeck, escrito em 1945 e que integra uma saga do escritor norte-americano que já tinha publicado “Tortilla Flat”, em 1935 e prosseguiu com “Sweet Thursday”, em 1954.

Sim, foi um vislumbre da obra de Steinbeck, dadas as semelhanças, porque aqui na Lagoa da Conceição como lá em Monterey (na Califórnia) estes meio-habitats se parecem. Alguns indivíduos que estão unidos por laços comuns, quer dizer, nenhum deles tem um trabalho fixo, aliás, são os novos beatniks, agora os do século vinte e um. Todos têm certa habilidade em alguma área, seja carpintaria, artesanato, alvenaria e outras ocupações que exijam o emprego das mãos. Só o fazem, entretanto, quando não há mais alternativas para conseguirem o mínimo necessário para levar a vida numa boa.

Na última sexta-feira encontrei-os em um terreno gramado à beira da Lagoa. Na calçada mostravam o trabalho em jóias de arame, prata, bijuterias transformadas em brincos, braceletes, pingentes, camafeus, cordões, prendedores de cabelos, uma variedade de ornamentos capazes de satisfazer qualquer vaidade feminina menos sofisticada, mas de bom gosto para a simplicidade combinando sempre com o velho jeans de guerra. Também, o chimarrão passando de mão em mão enquanto alguém cuidava do fogo, sim, porque havia carne sendo assada, tudo isso ao lado de uma banca de revistas, embaixo de algumas árvores numa manhã de sol claro depois de toda a tragédia que se abateu sobre alguns lugares em Santa Catarina.

Aspirei aquele odor de carne assada, me deu saudades de ver a família reunida, e aquele dolce far niente a que eventualmente dávamos ao luxo de nos entregar. O momento vivido era único. O futuro é um espaço que não existe. Caminho devagar quando passo por eles, também por momentos queria ter a sensação de viver aquela heresia, de não pensar no “depois”... A despreocupação está nos rostos, pelo menos naquela hora.

Que País infernal é esse Brasil, penso.

Registro esse encantamento com a espontaneidade para celebrar a livre escolha, para eternizar a ação de se fazer o que se pode mesmo em uma situação que, muitas vezes, não deveria nem possibilitar esse “poder”: uma escolha apenas, mas vocês que estão chegando agora, que não precisaram viver o que nos foi imposto “como natural” durante o regime militar, leitores, não imaginam o que é viver essa liberdade, o que é desfrutá-la assim, como companheira de viagem, porque se não vamos chegar a lugar nenhum, então ela deve vir junto, afinal, de tudo o que nos podem “tirar” na vida: o vínculo com os nossos pais, o amor que se dizia eterno ou o que conseguimos com o nosso esforço, do homem revoltado às paixões inúteis, é a liberdade o único bem que não suportamos perder na vida... É por isso que todas as ditaduras caem, não importa por quanto tempo dissimulem ficar em pé!





Sobre “San Francisco”

A música é esta, nem poderia ser outra neste caso.
Na primavera de 1967 a música “San Francisco” (Be sure to wear some flowers in your hair)
estourou em todo o mundo.
A letra é de John Phillips (líder da banda “The Mamas & The Papas” – John Phillips, Michelle Gillian, Cass Elliot e Denny Doherty) e a interpretação de Scott McKenzie.
Tem composições que se tornam clássicas, ficam impregnadas de época, é o caso desta...
Aliás, foi em cima de “San Francisco” que o grupo “Bee Gees” fez a outra chamada “Massachusetts”, mas é outra história... (Olsen Jr.)

13.11.11

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T R A B A L H I S M O

e
No túmulo de Marighella

Por Emanuel Medeiros Vieira


Irani-SC. Novembro de 2011. Foto: Celso Martins

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T R A B A L H I S M O

Por Emanuel Medeiros Vieira


Para Paulão (Paulo Roberto Cardoso de Miranda), compadre, amigo, trabalhista digno, e para Bailon Taveira Vila Nova – que faz parte dos quadros honrados do PDT


OS “PAIS FUNDADORES” DO TRABALHISMO NÃO MERECIAM ISSO!

“Mais vale o pão da dignidade que o banquete da corrupção”.

A frase não é minha e pode soar pomposa como mais um lugar-comum.

Serei direto: Getúlio, Pasqualini, Jango, Brizola e os outros “pais fundadores” do trabalhismo não mereciam isso!

O PTB virou PDT, pelo maquiavelismo da senhora Ivete Vargas e do Dr. Golbery (que também “criou” o Pequeno Napoleão que chamam de Lula).

Mas muitos combatentes não desistiram e tentaram fazer do novo partido algo digno e merecedor de respeito.

A gula pelo poder, o deslumbramento, a corrupção interior de muitos quadros, levou o partido à base aliada do governo. O que essas pessoas queriam era só poder. “Queriam dar-se bem” – no sentido mais fisiológico da expressão – mesmo desonrando as tradições trabalhistas.

“Não se apaixonem pelo poder”, reivindicava Michel Foucault (1926-1984).

Não adiantou. Muitos quadros se apaixonaram por ele e venderam a alma ao diabo.

São geneticamente oportunistas, pelegos, incultos, analfabetos funcionais (não é força de expressão!) sem base teórica, e negaram as raízes do PTB original.

E chamavam o velho Joaquinzão de pelego...

Na cidade mítica de São Borja, Getúlio, Jango e Brizola devem estar se virando nos túmulos.

Sendo suave: ter um ministro como Carlos Lupi não enobrece qualquer partido.

Ele quis falar grosso, dar uma de machão de cabaré, e depois de receber um pito da ministra da Casa Civil por ordem da presidente, precisou pedir desculpas e dizer, da maneira mais infeliz (sórdida?): “Dilma, eu te amo”.

Só faltou gritar, como os malandros do morro: “Está tudo dominado”.

Vergonha!

Como disse alguém, virou prática na Esplanada dos Ministérios, a montagem de balcões de propina para cobrar “pedágio” das empresas que assinam contratos com o governo.

“É uma corrupção desenfreada que, quando o dinheiro público não vai direto para o bolso de ministros e assessores, acaba parando no caixa dois do partido”, reiterou outro.

No Congresso, há 100 projetos engavetados que combatem a corrupção.

Minha filha Clarice nasceu em Brasília e é um exemplo de dignidade e cultura (perdoem a corujice de pai, mas é verdade). Lucas, outro filho, também veio ao mundo na capital.

Eles não merecem isso! Nem as outras pessoas de bem que trabalham da maneira mais digna.

Outros também honram a (ex) chamada “capital da esperança” – assim chamada por André Malraux.

E o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) lava as mãos no “Plano Pilatus”. Por onde anda? Não fala nada? Seu vão narcisismo não permite que ele tome posições autênticas.

Se houvesse dignidade e não apenas sede de poder, o ministro Carlos Lupi pediria demissão.

Não, não vai pedir.

Não. Há pessoas que amam as sinecuras.

E para as novas gerações, sobram o desencanto e a carência de utopias.

Termino com o Padre Antônio Vieira: “Mais afronta o cortejo de um adulador do que a bofetada de um inimigo.”

(Salvador, novembro de 2011)

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MARIGHELLA2

NO TÚMULO DE MARIGHELLA



Por Emanuel Medeiros Vieira


“Quando se perde o respeito pela verdade, nem que
seja só um pouco, tudo se torna duvidoso.” (
Santo Agostinho)


“Os que atravessam os mares mudam se
firmamento, não sua alma.” (
Horácio)


Faz 42 anos (em 5 de novembro de 1969) que Carlos Marighella (1911-1969) foi executado pela ditadura, numa emboscada das forças repressoras do regime militar.

Baiano de Salvador, ele está enterrado no Cemitério Quinta dos Lázaros.

Na cidade em que nasceu, foram abertas as comemorações pelo centenário de nascimento do guerrilheiro, numa cerimônia que reuniu familiares, amigos e ex-presos políticos em torno de seu túmulo.

Flores foram depositadas na urna em cuja lápide de mármore – desenhada pelo arquiteto Oscar Niemeyer – está escrito: “Não tive tempo de ter medo.”

Mesmo que alguém possa discordar de seus métodos, não se pode questionar sua enorme coragem e seu idealismo – a devoção à causa.

Não podemos esquecer que vivíamos o período mais duro e repressor da ditadura.

Seu filho, Carlos Augusto Marighella, também ex-preso político, defendeu o tombamento do túmulo como patrimônio da municipalidade.

Peço que seja lido com atenção o trecho abaixo.

Na cerimônia, foi realizado um protesto contra a corrupção, feito por um homem que se identificou apenas como “um combatente político”.

Após depositar uma sobre o túmulo de Carlos Marighella, ele pediu “perdão” ao ex-guerrilheiro por muitos dos que lutaram a seu lado, e que, estando hoje no poder, “envergonham a sua memória e a sua luta.”

Posso repetir: ENVERGONHAM A SUA MEMÓRIA E A SUA LUTA.

Imagino Marighella, remexendo-se no túmulo e pensando no legado de sua luta, com os orlandos (Silva), os agnelos (Queiroz) e tantos outros. Ele não merecia.

Ao contrário dele, quase toda essa gente- – diversamente do que reivindicou Michel Foucault (1926-1984) – ele não se apaixonou pelo poder. Ou melhor – não vendeu a sua alma, em troca da pecúnia e da corrupção *.

*Algumas informações deste texto foram retiradas de matéria
da jornalista Patrícia França, publicada em jornal de Salvador.


(Salvador, novembro de 2011)


Irani-SC. Novembro de 2011. Foto: Celso Martins

8.11.11

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E AGORA?
Amílcar Neves

INFÂNCIA & PARÓDIA
Emanuel Medeiros Vieira




I N F Â N C I A
(Ilha: Anos 50)

Por EMANUEL MEDEIROS VIEIRA


Para Júlio César Vieira da Silva, sobrinho e amigo


Paulinho Paiva – absorto – ficava olhando as estrelas.

Dona Olga Sohn fazia doces alemães e dava aulas de Matemática.

Seu Salviano lia Plínio Salgado e era integralista.

Fui a um comício no Largo Fagundes com o meu pai – na campanha de 1955.

Seu Pinho tinha um carro de praça.

Dr. Hamilton era médico da Polícia – generoso vizinho.

(Havia serenatas de madrugada.)

Parecia tão pequena a Avenida Rio Branco.

A casa tinha quintal,

Nos terrenos baldios comíamos goiabas brancas e vermelhas.

Peladas, gibis, pandorgas, balão de São João, bala queimada, o Campo da Liga e do Manejo.

Sempre o mar – sempre.

O vento sul, beliches, café da tarde, a mãe fazendo crochê e cocadas.

E o mundo (mágico) estava todo ali.

A ilha era todo o universo.

E parecia que todos viveriam para sempre.

No “Miramar”, tomamos as primeiras cervejas, contemplando a lua e o mar.

E os circos paravam na cidade,

Sessão dupla no Cine Rox (e alguém berrava: “peguei uma pulga”).

E havia a Sessão das Moças no Ritz.

Missa do Galo, “barba-de-velho”, presépio, papai comprou um sapato para mim na Casa Perrone

Estefano Kotzias vestia a camiseta do Avaí.

Galego (Paulo Henrique Sohn) ganhou uma bicicleta eu também queria uma.

(Afinal, ganhei.)

Guilherme Júlio da Silva me convidou para caminhar pela ponte Hercílio Luz.

Papai vinha do mercado – peixe fresco –, depois da Missa no Colégio Catarinense.

Íamos comprar gelo na “Rita Maria”

E um navio do “Hoepeke” estava atracado.

Padre Cardoso nos levava para uma Lagoa da Conceição ainda primitiva.

Acampamentos, Exame de Admissão, Segunda Época em Matemática.

E eu já gostava de ler tudo – e de escrever.

Sou invadido por cheiro de manhãs fundadoras.

“Saudosista”, dirão.

Ah, se fosse isso – só isso.

(Não eram vidas dessacralizadas e sem utopia.)

Mapeio territórios – é da minha humana lida.

Procuro bússolas e cartas de navegação.

Velas ao vento!

Como o tricô de uma velha tia, tento unir as duas pontas – passado e presente.

Um velho contempla um menino pescando no trapiche da Praia de Fora.

(E não me esquecerei do Café Vesúvio, pouco abaixo do Grupo Escolar Dias Velho.)

Aquele cheiro bom ficará sempre comigo – e éramos eternos.

Repito a plenos pulmões:

Velas ao vento!

Alvíssaras!

(Brasília, maio de 2010, e Salvador, novembro de 2011)

*


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P A R Ó D I A

Por EMANUEL MEDEIROS VIEIRA

“A absoluta ausência de ilusões, de auto-engano, é o que caracteriza – ou deveria caracterizar – a postura do escritor.”

(De um observador da atual cena literária brasileira)

Autorretrato?
Paródia de mim mesmo?

É tudo é verdade

(Tudo ficção).

Homem de contrarreforma

do Barroco

jesuíta

ou dominicano,

estava com Tomás de Torquemada, na Inquisição: não podia ver uma fogueira...

Mas aspirei o Absoluto.

(Sim, acreditem.)

E queria escrever uns versos – como certo poema luso – para dizer que sou (posso ser) sublime.

Parodiando Leminski nas “Polanaises”, quero ser enterrado na cova comum dos idealistas

que o poder não corrompeu.

(Salvador outubro/novembro de 2011)

*


As ilustrações que acompanham a postagem são
de Mauricio Nascimento (Domínio Publico)


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E agora?

Por Amílcar Neves*

Algumas pessoas às vezes mergulham tão profundamente num projeto, numa missão, num trabalho que, ao terminarem a tarefa, sobem à tona deslumbradas com o mundo em volta e como que ofuscadas pela luz intensa que banha os horizontes. Então elas pensam: E agora? O que fazer agora que o doce desafio foi vencido? Qual a próxima atividade a que vou me entregar de corpo, alma e espírito? Devo mesmo fazê-lo e sofrer as penas da criação, o jugo dos prazos, a satisfação da realização? Ou quem sabe não será melhor assumir a confortável passividade de só cumprir o que me ordenarem fazer, de me limitar aos deveres instituídos, de me poupar para não me cansar nem desgastar demais? Já não diziam que ler demais torna os olhos doentes e pensar demais deixa o cérebro variado?

Algumas pessoas às vezes agem assim, mas seguramente não é sempre nem constantemente que o fazem. Também parece que só algumas pessoas mostram esse comportamento, mas é de duvidar a veracidade desta especulação: talvez sejam muitas as pessoas que se dediquem com absolutas intensidade e entrega a um projeto, remunerado ou não - e geralmente, nesses casos, com escasso (ou nenhum) retorno financeiro, para desespero de quem esperava a justa retribuição pelo esforço despendido, pelo talento empregado, pelo desprendimento das coisas objetivas da vida cotidiana. Mas talvez sejam todas as pessoas que ajam assim, quem sou eu para saber de todo mundo, para falar em nome de sete bilhões?

E agora? Se a pergunta fosse feita ao Caio, hoje beirando por baixo os 10 anos de idade, ele responderia, desde antes dos cinco, com algo parecido com aquela musiquinha do jingle bell, jingle bell, acabou o papel: faz na mão (com K e H) e joga fora. Ensinamentos do pai dele. Para a vida do rapazinho. Mas não é o caso, este é um texto sério, uma respeitosa crônica dedicada à leitura e ao gozo da ilustre família catarinense.

Algumas pessoas, então (e suponhamos que sejam mesmo algumas pessoas apenas, para efeitos de raciocínio e para podermos dar seguimento - e não segmento - ao assunto), envolvem-se de tal maneira naquilo que as absorve e entusiasma que, concluída depois de dias, semanas e até meses a doce obrigação que se autoimpuseram, emergem e sentem-se vazias, ainda que plenas de satisfação e realização devido à execução caprichada, no máximo grau de qualidade que suas limitações permitem, da meta traçada: vazias no sentido de não saberem ou não lembrarem o que delas exige agora o mundo objetivo, vazias porque ansiosas já por começarem a gestar um novo projeto para um novo mergulho (regenerador).

Em tempo: autoimpor é verbo criado neste momento, os melhores dicionários do idioma pátrio ainda não registram sua existência. Devem fazê-lo em suas próximas edições.

Exemplificando: a composição de uma sinfonia para piano e orquestra ou de um caudaloso romance (estamos falando aqui de Música e de Literatura) não se realiza nos intervalos, nos momentos que o mundo nos concede - até mesmo porque o mundo não concede tempo algum para ninguém, ele é exigente e suga o que puder, o que lhe deixarmos ao alcance das mãos. O músico e o romancista têm um universo inteiro para administrar e precisam do tempo de que puderem dispor para dar forma e consistência às suas criações. Para eles, a solidão, o recolhimento, o claustro, a prisão são seus ambientes dos sonhos - o que equivale a dizer que precisam mesmo alienar-se das miuçalhas do cotidiano. Ou abdicar das suas mais caras aspirações.

E agora?

*Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados e membro da cadeira nº 32 da Academia Catarinense de Letras. Crônica publicada na edição de 2.11.2011 do jornal Diário Catarinense (Florianópolis-SC). Reprodução autorizada pelo autor.

7.11.11

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Olsen Jr.
Discurso de posse na ACL
e a despedida do cronista

Amílcar Neves
Maria Amélia, eu te amo!

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Imagens da Ponta do Sambaqui (6.11.2011). Fotos: Celso Martins

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ESPECIAL
DISCURSO DE POSSE
Academia Catarinense de Letras

Por Olsen Jr.

O que dizer na posse de uma cadeira em uma Academia de Letras? O que dizer para os sócios de um clube que durante um lapso temporário o consideraram mais uma “ameaça” (o que nunca fui) que um provável companheiro de viagem (o que vim a ser)?

Confesso que estas dúvidas me inibiram durante muitos dias... Foi somente quando li, por acaso, o depoimento de Steve Jobs, na Universidade de Stanford em 2005, publicado na íntegra em uma revista semanal, em que o gênio da informática, autor do mais famoso slogan motivador dos últimos tempos o “pense diferente” comentava de maneira franca os três fatos que considerava, tinham marcado sua vida.

Foi aí que deu o “estalo”. Eleger três situações marcantes em sua vida, falar com simplicidade, mas honestamente sobre elas, acredito, seria uma forma de se aproximar da verdade. Êi-las, então:

O Homem, as Palavras e o Escritor... A uní-los uma tessitura urdida de sonhos, ideais e utopia.


O HOMEM

A vida não me deu refresco, por
isso tenho evitado os refrigerantes
”.

Ultimamente tenho me surpreendido com alguns questionamentos cujas respostas começaram a moldar o “grande fingidor” em que acabei me transformando. As três perguntas clássicas nunca me impressionaram: de onde viemos? O que somos? E para onde vamos? No meu caso, o melhor seria afirmar logo: estou aqui, o que fazer com isso? Melhor, o que se pode fazer ainda?

Tenho mantido a dignidade, diante do possível. Não peço favores e também não os devo. Fui bem educado, tive uma infância feliz. Sempre fiz as minhas escolhas. Claro, se tivesse uma orientação, não teria perdido sete anos de minha vida num curso de engenharia civil, mas também, não fosse assim, não a teria conhecido, também não teria os filhos que tive; se fosse mais objetivo não teria gasto tempo, energia e dinheiro numa faculdade de direito (alguns dos maiores canalhas que conheço são formados em direito) e naquele mestrado (uma fogueirazinha de vaidades inconseqüentes) onde ninguém cobra nada de ninguém e o governo paga todas as contas...

Estou tergiversando, fazendo voltas para escapar a esta consciência que me pôs no banco dos réus hoje, na verdade já vinha respondendo em liberdade, me enganando seria mais apropriado. Francamente, o cara chega aos 56 anos com um casamento fracassado, dois cursos superiores inúteis; queria mudar o mundo e não consegue mudar o “seu mundinho” próprio, vai ver, diria aquela de senso comum ilustrado, não tem sequer um plano de saúde, para quê? Digo, nunca encontrei um hospital de almas, mas supondo que houvesse um quem seriam os médicos? E os remédios? Solidão por solidão, fico com a minha. Tá, eu sei, deveríamos ter esperanças, mas experimente dar uma olhadinha ao redor, ah! Lembrei do humorista Karl Kraus “o diabo é um otimista, se acha que pode tornar as pessoas piores do que já são”. Não, não responsabilizo ninguém, meu tom é que é, às vezes, sarcástico, não ofendo ninguém (diria Paulo Francis), quem ofende é o jornalismo em cima do muro, que não quer contestar coisa nenhuma. Posso ser desagradável, mas uma das poucas realidades que ainda me dão prazer é fazer pouco desta natureza humana (que também carrego comigo) para o caso de encontrar outra que não posso suportar.

Ser crítico foi a maneira que encontrei de ter respeito por mim, ou talvez, seja mesmo, como disse Paulo Francis “a irritação do amante rejeitado”. Como queiram. Tudo isso começou quando peguei na biblioteca um livro que li quando tinha nove anos de idade, “Sem Família”, de Hector Malot... O livro era o mesmo, o que tinha mudado foi a criança, e surpreendo-me como ela se tornou amargurada, mais ainda, não consigo dissimular uma vontade secreta de voltar a ser aquela criança, e quem sabe sonhar tudo novamente... Mas seria outra história!


AS PALAVRAS

A indignação diante da barbárie é uma
forma de mostrar amor pelos homens
”.

Ultimamente as palavras vêm levando uma surra de nossa indiferença. Quando digo “nossa” estou referindo-me aos jornalistas que se valem das palavras no seu fazer diário, mas principalmente aos escritores que buscam sempre o que Gustave Flaubert chamou de “le mote juste” (a palavra certa). A constatação pode parecer recente, mas a situação é antiga. Apropriadas pela voracidade do marketing e pelo mercantilismo predatório algumas palavras foram perdendo o seu significado próprio a ponto de não lhes reconhecermos a verdade que deveriam ensejar. A arte da palavra artificial está encontrando refúgio na publicidade, no esporte e na política, sem contar os estrangeirismos.

O escritor uruguaio Eduardo Galeano, já na década de 1970 chamava a atenção para o fenômeno, dizia: “liberdade” é, no meu país, o nome da maior cadeia para presos políticos; a palavra “amor” define a relação de um homem com seu automóvel; por “revolução” se entende aquilo que um novo detergente pode fazer em sua cozinha; “glória” é o que um sabonete de certa marca produz; “felicidade” é a sensação que se tem ao comer salsichas. “País em paz” significa em muitos lugares da América Latina, “cemitério em ordem”; e onde se diz “homem são” deveria se ler muitas vezes “homem impotente”.

Mas a linguagem esportiva também não fica atrás. Constata-se, por exemplo: “dramática”, é o conjunto de situações que leva uma equipe de futebol (com um jogador a menos) a assegurar um resultado positivo; “heróico”, é o ato de marcar um gol quando ninguém esperava mais nada do time; “garra”, é a disposição de continuar “batendo” enquanto o juiz não apita o final da partida. Fala-se muito em “garra” quando já acabou a técnica; “pintura”, um lance desusado que jamais se repetirá naquele jogo; “feita a justiça”, expressão usada quando uma equipe (em desvantagem) está jogando o mesmo futebol que o adversário e consegue arrancar um empate; “povo unido”, refere-se a massa compacta que torce para um clube das arquibancadas do estádio; “marginal”, um espaço sem grama que circunda o campo indo, nas laterais, até o banco dos reservas, e nas extremidades, até onde se situam os repórteres fotográficos, a uni-los, apenas os gandulas.

Em política é mais grave. Pessoas (ou indivíduos) aparentemente esclarecidas esgrimem as palavras ao sabor das intemperanças do momento a ponto de anularem o significado de algumas palavras que nos são caras. Algumas à força de serem banalizadas acabaram destituídas de significado. O que quer dizer a palavra “democracia” na voz de muitos de nossos homens públicos (destes em que já lhes adivinhamos às segundas intenções antes que eles nos revelem as primeiras) heim? Para estes, “democracia” significa apenas a harmonia dos opostos em seus interesses plenamente conciliados na partilha do poder, bem distante, portanto do ideal grego de onde a palavra teve origem (demo=povo + cracia=governo). “Progressista”, expressão que significava ideias levadas a termo por pessoas consideradas avançadas e com preocupações eminentemente sociais e que eram chamadas “de esquerda”; hoje está incorporada ao nome de um partido político “de direita” que faz exatamente o contrário; aliás, “esquerda” e “direita” hoje só servem para orientar alguém no trânsito, supondo é claro, que alguém ainda aceita tal orientação; e uma palavra que deveria significar “qualidade”, como “excelência”, por exemplo, ficou condenada a ser pronome de tratamento para, a pretexto de boa educação, alguém da política xingar outro alguém da política, assim: “Vossa excelência não tem escrúpulos”... E “Vossa excelência é um grandissíssimo mentiroso”... “Vossa excelência não honra os fios de bigode que tem na cara”... E que saber mesmo? Acho que neste caso, os três têm razão.

Com os estrangeirismos, às vezes podemos repetir a indagação de Francelino Pereira “Que País é Este?” (denotando indignação) a pergunta já foi título de um livro de humor do Millôr Fernandes, de um livro de poemas de Afonso Romana de Sant'Anna, também , música do Legião Urbana. Do discurso político passando pelo humor, pela poesia e pela música, todos querem saber que país é este?

Ouço no rádio do carro, uma conclamação para o "Chevrolet test drive show". Se não conhecesse o alcance do aparelho, poderia supor que estivesse no Estados Unidos ouvindo um programa em edição bilíngüe. Mais tarde, leio no "Estado de S. Paulo" que o SP Fashion Week foi um tremendo sucesso. Na semana anterior, o governador do Estado de Santa Catarina, na praia da Vila, em Imbituba, para quem quisesse ouvir, havia garantido mais uma etapa do WCT-World Championship Tour de surfe, nem vou comentar o campeonato irmão Hang Loose Pro Contest.

Tem um restaurante aqui perto de casa que serve uma comida mal feita e insossa a qual dá o nome pretensioso de fast food, também, se você preferir comê-la em casa, o serviço de entrega do boçal chama-se delivery. Para quem pretende trabalhar no local, o proprietário exige que faça um test drive porque, segundo se soube, cansou de ser autuado por motoristas inabilitados. Nos finais de semana, oferece uma oportunidade para os clientes virtuosos da música, numa reunião a qual se deu o nome singelo de jam session. Está claro que tudo é planejado, adrede, num prazo limite conhecido na intimidade como dead line, e por tudo isso, os garçons têm o maior orgulho do que fazem, são legítimos work class hero.

A universidade tem dado a sua contribuição na área, porque lá não se escrevem artigos, mas sim, papers... Mas é outra história. O que é bom lembrar, ou não é demais fazê-lo, é que um idioma como o nosso, que consegue arrolar mais de cem sinônimos para a palavra dinheiro, mais de 200 para a palavra imbecil e mais de 300 para prostituta, não deveria submeter-se assim a uma língua estrangeira que resolve tudo com apenas 50 mil vocábulos. Somente uma ignorância apropriada pelo imaginário coletivo permite que se gaste tanto, em tamanha permissividade, para se obter tão pouco, não é verdade ou será que devo dizer it’s not true?

Está aí, então, uma das grandes tarefas do escritor, devolver às palavras o seu verdadeiro significado e não capitular ao colonialismo estrangeiro. Ter a consciência disso já é um bom começo. O idioma deveria ser a última trincheira a sucumbir a esta indigência mental.


O ESCRITOR

O escritor foi o sujeito que inventei para
melhor suportar o homem comum que eu sou
”.

Sartre afirmava “um escritor sempre fará com que as “coisas” sejam menos piores”. Nisso também acredito. Mas se o homem comum que eu sou (como me referi anteriormente) se dá o direito à desesperança, o escritor que inventei para melhor suportá-lo não tem este mesmo direito.

Nenhum escritor tem o direito à desesperança. Explico. Se o escritor quando faz uma obra de ficção, ele cria um mundo dissociado do real (por isso ela se chama ficção) e povoa este mundo recém criado com personagens frutos de sua imaginação (baseado na realidade, uma vez que ninguém pode criar nada do nada, a não ser que seja Deus) ele está com o seu talento e estilo, (re)criando a realidade da qual faz parte, e neste sentido o autor se põe como Deus no universo: dá a vida e também pode tirá-la; fazer e desfazer... E se o que move um escritor é a insatisfação com o mundo em que vive (uma questão com a vida como disse Rilke) qual o sentido de se recriar um mundo nas artes que seja mera reprodução deste outro do qual tentamos nos libertar?

Afirmei no início que haveria toda uma tessitura de sonhos, ideais e utopia a unir o homem, as palavras e o escritor.

Lembro de uma entrevista dada pelo Eduardo Galeano para a Tv espanhola onde o entrevistador menciona uma frase de ordem das manifestações locais de rua que dizia “Se não nos deixais sonhar, não os deixaremos dormir”... E instigava o escritor uruguaio a premiá-los com a leitura de algum texto em que o sonho e o delírio estivessem implícitos... Antes de fazer a sua leitura, Galeano se recordou de um debate em que participou com um amigo, diretor de cinema argentino Fernando Birri, em Cartagena das Índias, quando os universitários faziam questionamentos ora para um e oura para outro e coube ao amigo responder o que ele julgava a perguntas mais difícil de todas: para que serve a UTOPIA? Galeano ficou preocupado no início, mas logo se tranqüilizou com a resposta que ouviu, disse Fernando Birri: a UTOPIA está no horizonte, sei muito bem que não a alcançarei... Se avanço dez passos, ela se afasta dez passos. Quanto mais há busco menos a encontrarei porque quando me aproximo, ela se afasta... Aí a pergunta foi repetida: para que serve a Utopia? A utopia serve para isso, para nos fazer caminhar!

Ainda lembrando... De que espécie de escritor estamos falando?


O DURO OFÍCIO

Escrevo para tornar esta vida menos fuleira e
bebo para manter a ilusão de que estou conseguindo
”.

Estava em Rio Negrinho, Norte do Estado, tratando de assuntos de família inadiáveis, às voltas com pagamentos de taxas, de um vai e vem burocrático sem muita razão, mas tudo recheado com muitos carimbos. Parece que nada funciona se não houver alguns carimbos estampados no papel. É assunto para outro dia, mas começou assim.

Aí toca o celular e a repórter, após se apresentar, indaga à queima roupa: “por que o senhor quer entrar na Academia Catarinense de Letras?”...

O que disse em tom desabafo ou trata-se apenas de uma profissão de fé, se preferirem, da qual, naturalmente, não abro mão.

Passado o susto, remonto aos idos de 1970 (do século passado) para buscar na história, no tempo passado e presente, a dureza que tem sido essa caminhada, no quanto tem de inexplicável, de absurdo, de loucura, de incompreensão, de desespero, de desprezo, de desdém, de acídia, da força que temos de buscar no inaudito para suportar o caminho, uma estrada que não tem atalhos, um destino que não se encontra em mapa algum, a poeira e a aridez dos lugares inóspitos com os quais nos deparamos e a maldição que todo o escritor carrega porque a penitência é avançar sozinho, mas o caminho, como afirma o poeta, se faz ao caminhar, então tocamos em frente. Não se olha para trás porque a impressão que temos é de que não estamos avançando, o que foi percorrido é um trecho sempre menor daquele que está a nossa disposição, além da inerente consciência fatídica de que não teremos tempo. O que nos move? Quando souber disso a busca terá terminado e a vida não terá mais sentido, portanto, a caminhada continua.

Digo para a repórter que tudo começou quando fui surpreendido fazendo um poema em uma prova de cálculo diferencial e integral II enquanto cursava engenharia civil em Blumenau e certamente aquela energia ou impulso criativo era maior que a racionalidade que deveria se impor para solucionar equações matemáticas. Deixar-se levar pela arte parece cômodo, o difícil foi suportar o desdém da professora fazendo tal constatação. Ser observado num ato criativo é constrangedor, parece que temos uma obrigação de compartilhar com o vulgo de nossas dores, o que não corresponde com a verdade que a grande arte carrega. Mas aquele ato parecia concentrar todas as forças do universo e nunca mais fui o mesmo... Dobrei aquele papel contendo algumas questões de menor importância e onde havia gravado sentimentos profanos, guardei no bolso e sem dizer nada, me levantei e sai da sala. Ouço até hoje os gritos daquele silêncio que se seguiu. Aquele vácuo de dezenas de olhares e dedos me apontando na rua como se dissessem “ali vai o desvairado que abandonou uma profissão lucrativa para ser poeta”...

Depois de malhar por mais de 37 anos esse ferro frio que é a literatura catarinense, escrito duas dezenas de livros, quero dizer que sobrevivi bem aos acenos de todas as facilidades porque, querem saber? Nunca tive nenhuma. Meu caráter foi forjado tomando decisões quando o medo calava todo o mundo. Sempre fui uma voz destoando no coreto dos homens acomodados. Desafino para chamar a atenção do desdém e da indiferença porque o sonho vale muito e é o que nos transforma.

Quase esqueço, a Academia é uma estação de passagem, um momento de trégua para um artífice que pratica uma arte menos por ser “diferente”, mas porque sem ela, sua vida não teria a menor importância.

Agradeço aos meus pais por esse discernimento, alô seu Oldemar e dona Nica, onde vocês estiverem, muito obrigado! (Olsen Jr.)

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*

Olá, camaradas, salve!

Vai a da semana em tom de despedida...

Claro está que nada é definitivo, para usar uma frase original “Não há felicidade que dure sempre e nem dor que não termine”...

Até!


AO LEITOR DO
NOTÍCIAS DO DIA


Por Olsen Jr.

Repito nestas primeiras linhas o que já disse em outros tempos, em outro lugar nas mesmas circunstâncias: “Francamente, não gosto de despedidas. Um adeus sempre sugere a hipótese de que seja definitivo. Foi assim quando minha mãe morreu e o fato se repetiu com o meu pai, do mesmo jeito: era para ser apenas um até breve, e acabou sendo um nunca mais.

“Prefiro mil vezes os encontros. A aproximação possibilita uma expectativa, algo capaz de gerar uma esperança e essa, naturalmente, abre horizontes... Não restringe, amplia”.

Depois de ter morado em Chapecó, São Carlos, Rio Negro, Curitiba, Blumenau e finalmente em Florianópolis, quis acreditar que esta seria de fato, a minha última parada antes de partir “desta” para o oblívio, como diria o Paulo Francis.

O “destino” caprichoso, entretanto, ainda me reserva novas descobertas. Por razões estritamente profissionais devo estar mudando de domicílio em breve para Rio Negrinho, Norte do Estado de Santa Catarina e onde se encontra o berço da “Olsen’s Family”. Devo acreditar que a permanência por aquelas plagas não ultrapasse há dois anos, porém nunca se sabe. Como desde os nove anos de idade quando saí de casa pela primeira vez, sempre me senti um estrangeiro em qualquer lugar, tal determinismo passageiro não me incomoda. O homem é ele e sua memória, o restante é decorrência.

Com as atribuições inerentes ao ingresso na Academia Catarinense de Letras (Cadeira 11) devo visitar a Ilha pelo menos uma vez por mês, contingência que não abdicarei em hipótese alguma.

A primeira crônica publicada aqui foi no dia 11 de novembro de 2010, portanto, daqui a quatro dias fará um ano, período marcado por uma boa convivência neste espaço democrático e também gratificante.

Em retrospectiva, os textos publicados aqui em que aludi à família foram os que encontraram maior receptividade. De resto, o mesmo sentimento que embalou minha participação em outro jornal já mencionado. A família ainda continua um forte sustentáculo social a quem as pessoas não transigem. Tal constatação não deixa de ser alvissareira.

Aos meus leitores, figuras enigmáticas e muitas vezes distantes, agradeço a atenção que me dedicaram durante este período que pode ter sido curto, mas foi produtivo e sempre rico em aprendizado, deixo o agradecimento sincero e também levo um sentimento de perda, o mesmo que carregam todos os que se ausentam.

Encerro da mesma maneira que a última vez “E como diria o poeta, vamos em frente e sejamos felizes, se pudermos: um bom final de ano para todos e até outro dia... Por aí!”.


Nota do editor

O jornalista e escritor Olsen Jr. vai continuar a colaborar com o Sambaqui na Rede e manterá a coluna no Portal de Notícias Daqui na Rede.

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Sobre "Auld Lang Syne"

De um poema de Robert Burns escrito em 1788 logo foi popularizada no Reino Unido...

Graças a uma gravação de Guy Lombardo, líder de banda canadense, em 1929 apresentada no final daquele ano e popularizada nos anos seguintes como uma espécie de despedida do ano que terminava, acabou associada e repetida sempre... Nas despedidas...

Nos Estados Unidos, é conhecida como ""The song tha nobody knows" (a música que ninguém conhece) porque embora a melodia tenha se internacionalizado, poucos conhecem a letra do poema...

Como acontece com canções que se tornam populares mundialmente, acabam sendo adaptadas de acordo com a índole do país que as abriga...

No Brasil há uma versão de Alberto Ribeiro e Carlos Alberto Ferreira Braga (o "Braguinha") e ficou conhecida como a "Valsa da Despedida"... E começava assim: "Adeus amor eu vou partir"...

Well, em fase de despedidas, parece que todo o mundo está fazendo o mesmo... Enfim, novo ares se avizinham, e isso cabe bem aqui, agora, acho...

Com o carinho de sempre do poeta. (Olsen Jr.)

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Maria Amélia, eu te amo!

Por Amílcar Neves*

Era o seu grito de guerra quando voltava para casa algumas vezes por mês, nos dias em que estaria de folga à noite do seu trabalho de vigilância na Universidade: "Maria Amélia, eu te amo!" A vizinhança chegava às janelas, abria as portas, debruçava-se sobre o muro baixo, apoiava-se ao portão, ou melhor, à porteira que dava para o caminho de terra batida pomposamente chamado Estrada Geral do Córrego Grande, pelo qual o trânsito era escasso e as pessoas gastavam muita sola quando não chovia. Não havia calçadas, apenas um capim que crescia onde o gado não alcançava pastar.

"Maria Amélia, eu te amo!", e as pessoas riam dentro das casas, e diziam: "O Moacir hoje não trabalha de noite!" E vinham à rua para vê-lo passar alegre e feliz, tão leve e desoprimido que até se diria que os pés não tocavam a poeira do chão, o que dava a sensação de que cambaleasse quando, na verdade, ele flutuava.

Antes de, por fim, abrigar-se em casa, uma construção despretensiosa, porém ampla, ventilada e iluminada erguida na parte da frente do terreno que era um sítio, praticamente uma fazendola, havia que transpor a entrada, um longo bambu atravessado a meia altura entre dois moirões da cerca com o fim único de impedir suas vaquinhas de saírem para os campos em volta e o gado alheio de apropriar-se do sustento da sua criação, comendo-o, ou de servir-se das suas reses, cobrindo-as. Na hora de enfrentar o obstáculo, soltava de novo: "Maria Amélia, eu te amo!" Jamais invertia a ordem entre o vocativo e o afirmativo.

Em casa, Maria Amélia o esperava com um chá de losna bem forte e a inevitável sopa de galinha caipira proveniente das crias do quintal. No forno, o pão caseiro fumegava, ávido por receber, nas fatias, camadas de nata batida ou de manteiga fresca que não davam conta de consumir. "Maria Amélia, eu te amo!" Não fossem a dedicação e o recato da mulher, poder-se-ia pensar que o Moacir fizesse, por via das dúvidas, o que fazem hoje os funcionários das empresas de segurança que, no cumprimento dos contratos que elas mantêm com seus clientes, patrulham de motocicleta as suas casas, apitando porém desde a esquina, com seu apito inconfundível, como a dizer que não querem complicações com malfeitores de qualquer espécie.

Havia sempre uma dificuldade considerável com o demônio daquele bambu, nem tão alto que lhe permitisse transpô-lo por baixo e nem tão baixo que o deixasse vencê-lo por cima. Mas, uma hora, sempre havia de conquistar o acesso ao território sagrado: "Maria Amélia! Eu te amo, viste, mulher?"

Em pouco tempo o progresso chegou: com asfalto, carros, buracos, prédios e um mundo de pessoas estranhas que, ele via, riam dele de uma maneira muito diferente da carinhosa saudação dos seus vizinhos de toda vida. Ao lado da sua casa brotou de súbito um monstruoso edifício apinhado de apartamentos amontoados. E seu grito de guerra agora incomodava muita gente a um tempo só.

Para piorar as coisas, há as comemorações, horas a fio, em dias de futebol. Torcedor do Avaí de hastear bandeira, nas vitórias azuis a casa de Moacir se enche com gente trazendo uma carninha, uma cervejinha, um foguetinho; nas derrotas, o povo do Figueirense não para de passar com buzinas e fogos. Um inferno! Será que esse pessoal não podia torcer por times de verdade, do Rio, de São Paulo ou de Porto Alegre?

Por três vezes chamaram a polícia para recolher aquele bêbado inconveniente que chegava aos berros pelas ruas do bairro, que agora é residencial.


*Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados. Em 26.09.2011 foi eleito em primeiro turno, com 24 votos de 29 possíveis, para a Cadeira nº 32 da Academia Catarinense de Letras. Crônica publicada na edição de 26.10.2011 do jornal Diário Catarinense (Florianópolis-SC). Reprodução autorizada pelo autor.

PS

Estimadas amigas, prezados amigos,

Aproveito a ocasião para recomendar-lhes o lançamento de dois livros, conforme convite anexo. O coquetel de lançamento das obras acontecerá na Fundação Cultural Badesc (Rua Visconde de Ouro Preto 216, Centro, Florianópolis) no dia 8 de novembro, terça-feira, às 19h30.
Moradas de Orfeu (Editora Letras Contemporâneas), organizado por Marco Vasques, reúne uma seleção de poemas de 59 poetas "emergentes" dos três estados do Sul; dizem que há um texto estupendo em uma das orelhas do livro...
Já Osíris, Revista de Literatura e Arte (organização de Marco Vasques e Rubens da Cunha, Editoras Redoma e Papa-Terra), tem lançamento nacional de sua Edição I, Ano I, destacando o Dossiê Osíris Péricles Prade, um inventário da obra do escritor e poeta que atualmente preside a Academia Catarinense de Letras.
Na ocasião, ambos os livros serão distribuídos gratuitamente.
Aguardo-os lá, se puderem e/ou quiserem comparecer. Abraços,

Amilcar.

*