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E AGORA?
Amílcar Neves
INFÂNCIA & PARÓDIA
Emanuel Medeiros Vieira
E AGORA?
Amílcar Neves
INFÂNCIA & PARÓDIA
Emanuel Medeiros Vieira
I N F Â N C I A
(Ilha: Anos 50)
Por EMANUEL MEDEIROS VIEIRA
(Ilha: Anos 50)
Por EMANUEL MEDEIROS VIEIRA
Para Júlio César Vieira da Silva, sobrinho e amigo
Paulinho Paiva – absorto – ficava olhando as estrelas.
Dona Olga Sohn fazia doces alemães e dava aulas de Matemática.
Seu Salviano lia Plínio Salgado e era integralista.
Fui a um comício no Largo Fagundes com o meu pai – na campanha de 1955.
Seu Pinho tinha um carro de praça.
Dr. Hamilton era médico da Polícia – generoso vizinho.
(Havia serenatas de madrugada.)
Parecia tão pequena a Avenida Rio Branco.
A casa tinha quintal,
Nos terrenos baldios comíamos goiabas brancas e vermelhas.
Peladas, gibis, pandorgas, balão de São João, bala queimada, o Campo da Liga e do Manejo.
Sempre o mar – sempre.
O vento sul, beliches, café da tarde, a mãe fazendo crochê e cocadas.
E o mundo (mágico) estava todo ali.
A ilha era todo o universo.
E parecia que todos viveriam para sempre.
No “Miramar”, tomamos as primeiras cervejas, contemplando a lua e o mar.
E os circos paravam na cidade,
Sessão dupla no Cine Rox (e alguém berrava: “peguei uma pulga”).
E havia a Sessão das Moças no Ritz.
Missa do Galo, “barba-de-velho”, presépio, papai comprou um sapato para mim na Casa Perrone
Estefano Kotzias vestia a camiseta do Avaí.
Galego (Paulo Henrique Sohn) ganhou uma bicicleta eu também queria uma.
(Afinal, ganhei.)
Guilherme Júlio da Silva me convidou para caminhar pela ponte Hercílio Luz.
Papai vinha do mercado – peixe fresco –, depois da Missa no Colégio Catarinense.
Íamos comprar gelo na “Rita Maria”
E um navio do “Hoepeke” estava atracado.
Padre Cardoso nos levava para uma Lagoa da Conceição ainda primitiva.
Acampamentos, Exame de Admissão, Segunda Época em Matemática.
E eu já gostava de ler tudo – e de escrever.
Sou invadido por cheiro de manhãs fundadoras.
“Saudosista”, dirão.
Ah, se fosse isso – só isso.
(Não eram vidas dessacralizadas e sem utopia.)
Mapeio territórios – é da minha humana lida.
Procuro bússolas e cartas de navegação.
Velas ao vento!
Como o tricô de uma velha tia, tento unir as duas pontas – passado e presente.
Um velho contempla um menino pescando no trapiche da Praia de Fora.
(E não me esquecerei do Café Vesúvio, pouco abaixo do Grupo Escolar Dias Velho.)
Aquele cheiro bom ficará sempre comigo – e éramos eternos.
Repito a plenos pulmões:
Velas ao vento!
Alvíssaras!
(Brasília, maio de 2010, e Salvador, novembro de 2011)
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P A R Ó D I A
Por EMANUEL MEDEIROS VIEIRA
P A R Ó D I A
Por EMANUEL MEDEIROS VIEIRA
“A absoluta ausência de ilusões, de auto-engano, é o que caracteriza – ou deveria caracterizar – a postura do escritor.”
(De um observador da atual cena literária brasileira)
Autorretrato?
Paródia de mim mesmo?
É tudo é verdade
(Tudo ficção).
Homem de contrarreforma
do Barroco
jesuíta
ou dominicano,
estava com Tomás de Torquemada, na Inquisição: não podia ver uma fogueira...
Mas aspirei o Absoluto.
(Sim, acreditem.)
E queria escrever uns versos – como certo poema luso – para dizer que sou (posso ser) sublime.
Parodiando Leminski nas “Polanaises”, quero ser enterrado na cova comum dos idealistas
que o poder não corrompeu.
(Salvador outubro/novembro de 2011)
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E agora?
Por Amílcar Neves*
E agora?
Por Amílcar Neves*
Algumas pessoas às vezes mergulham tão profundamente num projeto, numa missão, num trabalho que, ao terminarem a tarefa, sobem à tona deslumbradas com o mundo em volta e como que ofuscadas pela luz intensa que banha os horizontes. Então elas pensam: E agora? O que fazer agora que o doce desafio foi vencido? Qual a próxima atividade a que vou me entregar de corpo, alma e espírito? Devo mesmo fazê-lo e sofrer as penas da criação, o jugo dos prazos, a satisfação da realização? Ou quem sabe não será melhor assumir a confortável passividade de só cumprir o que me ordenarem fazer, de me limitar aos deveres instituídos, de me poupar para não me cansar nem desgastar demais? Já não diziam que ler demais torna os olhos doentes e pensar demais deixa o cérebro variado?
Algumas pessoas às vezes agem assim, mas seguramente não é sempre nem constantemente que o fazem. Também parece que só algumas pessoas mostram esse comportamento, mas é de duvidar a veracidade desta especulação: talvez sejam muitas as pessoas que se dediquem com absolutas intensidade e entrega a um projeto, remunerado ou não - e geralmente, nesses casos, com escasso (ou nenhum) retorno financeiro, para desespero de quem esperava a justa retribuição pelo esforço despendido, pelo talento empregado, pelo desprendimento das coisas objetivas da vida cotidiana. Mas talvez sejam todas as pessoas que ajam assim, quem sou eu para saber de todo mundo, para falar em nome de sete bilhões?
E agora? Se a pergunta fosse feita ao Caio, hoje beirando por baixo os 10 anos de idade, ele responderia, desde antes dos cinco, com algo parecido com aquela musiquinha do jingle bell, jingle bell, acabou o papel: faz na mão (com K e H) e joga fora. Ensinamentos do pai dele. Para a vida do rapazinho. Mas não é o caso, este é um texto sério, uma respeitosa crônica dedicada à leitura e ao gozo da ilustre família catarinense.
Algumas pessoas, então (e suponhamos que sejam mesmo algumas pessoas apenas, para efeitos de raciocínio e para podermos dar seguimento - e não segmento - ao assunto), envolvem-se de tal maneira naquilo que as absorve e entusiasma que, concluída depois de dias, semanas e até meses a doce obrigação que se autoimpuseram, emergem e sentem-se vazias, ainda que plenas de satisfação e realização devido à execução caprichada, no máximo grau de qualidade que suas limitações permitem, da meta traçada: vazias no sentido de não saberem ou não lembrarem o que delas exige agora o mundo objetivo, vazias porque ansiosas já por começarem a gestar um novo projeto para um novo mergulho (regenerador).
Em tempo: autoimpor é verbo criado neste momento, os melhores dicionários do idioma pátrio ainda não registram sua existência. Devem fazê-lo em suas próximas edições.
Exemplificando: a composição de uma sinfonia para piano e orquestra ou de um caudaloso romance (estamos falando aqui de Música e de Literatura) não se realiza nos intervalos, nos momentos que o mundo nos concede - até mesmo porque o mundo não concede tempo algum para ninguém, ele é exigente e suga o que puder, o que lhe deixarmos ao alcance das mãos. O músico e o romancista têm um universo inteiro para administrar e precisam do tempo de que puderem dispor para dar forma e consistência às suas criações. Para eles, a solidão, o recolhimento, o claustro, a prisão são seus ambientes dos sonhos - o que equivale a dizer que precisam mesmo alienar-se das miuçalhas do cotidiano. Ou abdicar das suas mais caras aspirações.
E agora?
Algumas pessoas às vezes agem assim, mas seguramente não é sempre nem constantemente que o fazem. Também parece que só algumas pessoas mostram esse comportamento, mas é de duvidar a veracidade desta especulação: talvez sejam muitas as pessoas que se dediquem com absolutas intensidade e entrega a um projeto, remunerado ou não - e geralmente, nesses casos, com escasso (ou nenhum) retorno financeiro, para desespero de quem esperava a justa retribuição pelo esforço despendido, pelo talento empregado, pelo desprendimento das coisas objetivas da vida cotidiana. Mas talvez sejam todas as pessoas que ajam assim, quem sou eu para saber de todo mundo, para falar em nome de sete bilhões?
E agora? Se a pergunta fosse feita ao Caio, hoje beirando por baixo os 10 anos de idade, ele responderia, desde antes dos cinco, com algo parecido com aquela musiquinha do jingle bell, jingle bell, acabou o papel: faz na mão (com K e H) e joga fora. Ensinamentos do pai dele. Para a vida do rapazinho. Mas não é o caso, este é um texto sério, uma respeitosa crônica dedicada à leitura e ao gozo da ilustre família catarinense.
Algumas pessoas, então (e suponhamos que sejam mesmo algumas pessoas apenas, para efeitos de raciocínio e para podermos dar seguimento - e não segmento - ao assunto), envolvem-se de tal maneira naquilo que as absorve e entusiasma que, concluída depois de dias, semanas e até meses a doce obrigação que se autoimpuseram, emergem e sentem-se vazias, ainda que plenas de satisfação e realização devido à execução caprichada, no máximo grau de qualidade que suas limitações permitem, da meta traçada: vazias no sentido de não saberem ou não lembrarem o que delas exige agora o mundo objetivo, vazias porque ansiosas já por começarem a gestar um novo projeto para um novo mergulho (regenerador).
Em tempo: autoimpor é verbo criado neste momento, os melhores dicionários do idioma pátrio ainda não registram sua existência. Devem fazê-lo em suas próximas edições.
Exemplificando: a composição de uma sinfonia para piano e orquestra ou de um caudaloso romance (estamos falando aqui de Música e de Literatura) não se realiza nos intervalos, nos momentos que o mundo nos concede - até mesmo porque o mundo não concede tempo algum para ninguém, ele é exigente e suga o que puder, o que lhe deixarmos ao alcance das mãos. O músico e o romancista têm um universo inteiro para administrar e precisam do tempo de que puderem dispor para dar forma e consistência às suas criações. Para eles, a solidão, o recolhimento, o claustro, a prisão são seus ambientes dos sonhos - o que equivale a dizer que precisam mesmo alienar-se das miuçalhas do cotidiano. Ou abdicar das suas mais caras aspirações.
E agora?
*Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados e membro da cadeira nº 32 da Academia Catarinense de Letras. Crônica publicada na edição de 2.11.2011 do jornal Diário Catarinense (Florianópolis-SC). Reprodução autorizada pelo autor.
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