7.11.11

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Olsen Jr.
Discurso de posse na ACL
e a despedida do cronista

Amílcar Neves
Maria Amélia, eu te amo!

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Imagens da Ponta do Sambaqui (6.11.2011). Fotos: Celso Martins

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ESPECIAL
DISCURSO DE POSSE
Academia Catarinense de Letras

Por Olsen Jr.

O que dizer na posse de uma cadeira em uma Academia de Letras? O que dizer para os sócios de um clube que durante um lapso temporário o consideraram mais uma “ameaça” (o que nunca fui) que um provável companheiro de viagem (o que vim a ser)?

Confesso que estas dúvidas me inibiram durante muitos dias... Foi somente quando li, por acaso, o depoimento de Steve Jobs, na Universidade de Stanford em 2005, publicado na íntegra em uma revista semanal, em que o gênio da informática, autor do mais famoso slogan motivador dos últimos tempos o “pense diferente” comentava de maneira franca os três fatos que considerava, tinham marcado sua vida.

Foi aí que deu o “estalo”. Eleger três situações marcantes em sua vida, falar com simplicidade, mas honestamente sobre elas, acredito, seria uma forma de se aproximar da verdade. Êi-las, então:

O Homem, as Palavras e o Escritor... A uní-los uma tessitura urdida de sonhos, ideais e utopia.


O HOMEM

A vida não me deu refresco, por
isso tenho evitado os refrigerantes
”.

Ultimamente tenho me surpreendido com alguns questionamentos cujas respostas começaram a moldar o “grande fingidor” em que acabei me transformando. As três perguntas clássicas nunca me impressionaram: de onde viemos? O que somos? E para onde vamos? No meu caso, o melhor seria afirmar logo: estou aqui, o que fazer com isso? Melhor, o que se pode fazer ainda?

Tenho mantido a dignidade, diante do possível. Não peço favores e também não os devo. Fui bem educado, tive uma infância feliz. Sempre fiz as minhas escolhas. Claro, se tivesse uma orientação, não teria perdido sete anos de minha vida num curso de engenharia civil, mas também, não fosse assim, não a teria conhecido, também não teria os filhos que tive; se fosse mais objetivo não teria gasto tempo, energia e dinheiro numa faculdade de direito (alguns dos maiores canalhas que conheço são formados em direito) e naquele mestrado (uma fogueirazinha de vaidades inconseqüentes) onde ninguém cobra nada de ninguém e o governo paga todas as contas...

Estou tergiversando, fazendo voltas para escapar a esta consciência que me pôs no banco dos réus hoje, na verdade já vinha respondendo em liberdade, me enganando seria mais apropriado. Francamente, o cara chega aos 56 anos com um casamento fracassado, dois cursos superiores inúteis; queria mudar o mundo e não consegue mudar o “seu mundinho” próprio, vai ver, diria aquela de senso comum ilustrado, não tem sequer um plano de saúde, para quê? Digo, nunca encontrei um hospital de almas, mas supondo que houvesse um quem seriam os médicos? E os remédios? Solidão por solidão, fico com a minha. Tá, eu sei, deveríamos ter esperanças, mas experimente dar uma olhadinha ao redor, ah! Lembrei do humorista Karl Kraus “o diabo é um otimista, se acha que pode tornar as pessoas piores do que já são”. Não, não responsabilizo ninguém, meu tom é que é, às vezes, sarcástico, não ofendo ninguém (diria Paulo Francis), quem ofende é o jornalismo em cima do muro, que não quer contestar coisa nenhuma. Posso ser desagradável, mas uma das poucas realidades que ainda me dão prazer é fazer pouco desta natureza humana (que também carrego comigo) para o caso de encontrar outra que não posso suportar.

Ser crítico foi a maneira que encontrei de ter respeito por mim, ou talvez, seja mesmo, como disse Paulo Francis “a irritação do amante rejeitado”. Como queiram. Tudo isso começou quando peguei na biblioteca um livro que li quando tinha nove anos de idade, “Sem Família”, de Hector Malot... O livro era o mesmo, o que tinha mudado foi a criança, e surpreendo-me como ela se tornou amargurada, mais ainda, não consigo dissimular uma vontade secreta de voltar a ser aquela criança, e quem sabe sonhar tudo novamente... Mas seria outra história!


AS PALAVRAS

A indignação diante da barbárie é uma
forma de mostrar amor pelos homens
”.

Ultimamente as palavras vêm levando uma surra de nossa indiferença. Quando digo “nossa” estou referindo-me aos jornalistas que se valem das palavras no seu fazer diário, mas principalmente aos escritores que buscam sempre o que Gustave Flaubert chamou de “le mote juste” (a palavra certa). A constatação pode parecer recente, mas a situação é antiga. Apropriadas pela voracidade do marketing e pelo mercantilismo predatório algumas palavras foram perdendo o seu significado próprio a ponto de não lhes reconhecermos a verdade que deveriam ensejar. A arte da palavra artificial está encontrando refúgio na publicidade, no esporte e na política, sem contar os estrangeirismos.

O escritor uruguaio Eduardo Galeano, já na década de 1970 chamava a atenção para o fenômeno, dizia: “liberdade” é, no meu país, o nome da maior cadeia para presos políticos; a palavra “amor” define a relação de um homem com seu automóvel; por “revolução” se entende aquilo que um novo detergente pode fazer em sua cozinha; “glória” é o que um sabonete de certa marca produz; “felicidade” é a sensação que se tem ao comer salsichas. “País em paz” significa em muitos lugares da América Latina, “cemitério em ordem”; e onde se diz “homem são” deveria se ler muitas vezes “homem impotente”.

Mas a linguagem esportiva também não fica atrás. Constata-se, por exemplo: “dramática”, é o conjunto de situações que leva uma equipe de futebol (com um jogador a menos) a assegurar um resultado positivo; “heróico”, é o ato de marcar um gol quando ninguém esperava mais nada do time; “garra”, é a disposição de continuar “batendo” enquanto o juiz não apita o final da partida. Fala-se muito em “garra” quando já acabou a técnica; “pintura”, um lance desusado que jamais se repetirá naquele jogo; “feita a justiça”, expressão usada quando uma equipe (em desvantagem) está jogando o mesmo futebol que o adversário e consegue arrancar um empate; “povo unido”, refere-se a massa compacta que torce para um clube das arquibancadas do estádio; “marginal”, um espaço sem grama que circunda o campo indo, nas laterais, até o banco dos reservas, e nas extremidades, até onde se situam os repórteres fotográficos, a uni-los, apenas os gandulas.

Em política é mais grave. Pessoas (ou indivíduos) aparentemente esclarecidas esgrimem as palavras ao sabor das intemperanças do momento a ponto de anularem o significado de algumas palavras que nos são caras. Algumas à força de serem banalizadas acabaram destituídas de significado. O que quer dizer a palavra “democracia” na voz de muitos de nossos homens públicos (destes em que já lhes adivinhamos às segundas intenções antes que eles nos revelem as primeiras) heim? Para estes, “democracia” significa apenas a harmonia dos opostos em seus interesses plenamente conciliados na partilha do poder, bem distante, portanto do ideal grego de onde a palavra teve origem (demo=povo + cracia=governo). “Progressista”, expressão que significava ideias levadas a termo por pessoas consideradas avançadas e com preocupações eminentemente sociais e que eram chamadas “de esquerda”; hoje está incorporada ao nome de um partido político “de direita” que faz exatamente o contrário; aliás, “esquerda” e “direita” hoje só servem para orientar alguém no trânsito, supondo é claro, que alguém ainda aceita tal orientação; e uma palavra que deveria significar “qualidade”, como “excelência”, por exemplo, ficou condenada a ser pronome de tratamento para, a pretexto de boa educação, alguém da política xingar outro alguém da política, assim: “Vossa excelência não tem escrúpulos”... E “Vossa excelência é um grandissíssimo mentiroso”... “Vossa excelência não honra os fios de bigode que tem na cara”... E que saber mesmo? Acho que neste caso, os três têm razão.

Com os estrangeirismos, às vezes podemos repetir a indagação de Francelino Pereira “Que País é Este?” (denotando indignação) a pergunta já foi título de um livro de humor do Millôr Fernandes, de um livro de poemas de Afonso Romana de Sant'Anna, também , música do Legião Urbana. Do discurso político passando pelo humor, pela poesia e pela música, todos querem saber que país é este?

Ouço no rádio do carro, uma conclamação para o "Chevrolet test drive show". Se não conhecesse o alcance do aparelho, poderia supor que estivesse no Estados Unidos ouvindo um programa em edição bilíngüe. Mais tarde, leio no "Estado de S. Paulo" que o SP Fashion Week foi um tremendo sucesso. Na semana anterior, o governador do Estado de Santa Catarina, na praia da Vila, em Imbituba, para quem quisesse ouvir, havia garantido mais uma etapa do WCT-World Championship Tour de surfe, nem vou comentar o campeonato irmão Hang Loose Pro Contest.

Tem um restaurante aqui perto de casa que serve uma comida mal feita e insossa a qual dá o nome pretensioso de fast food, também, se você preferir comê-la em casa, o serviço de entrega do boçal chama-se delivery. Para quem pretende trabalhar no local, o proprietário exige que faça um test drive porque, segundo se soube, cansou de ser autuado por motoristas inabilitados. Nos finais de semana, oferece uma oportunidade para os clientes virtuosos da música, numa reunião a qual se deu o nome singelo de jam session. Está claro que tudo é planejado, adrede, num prazo limite conhecido na intimidade como dead line, e por tudo isso, os garçons têm o maior orgulho do que fazem, são legítimos work class hero.

A universidade tem dado a sua contribuição na área, porque lá não se escrevem artigos, mas sim, papers... Mas é outra história. O que é bom lembrar, ou não é demais fazê-lo, é que um idioma como o nosso, que consegue arrolar mais de cem sinônimos para a palavra dinheiro, mais de 200 para a palavra imbecil e mais de 300 para prostituta, não deveria submeter-se assim a uma língua estrangeira que resolve tudo com apenas 50 mil vocábulos. Somente uma ignorância apropriada pelo imaginário coletivo permite que se gaste tanto, em tamanha permissividade, para se obter tão pouco, não é verdade ou será que devo dizer it’s not true?

Está aí, então, uma das grandes tarefas do escritor, devolver às palavras o seu verdadeiro significado e não capitular ao colonialismo estrangeiro. Ter a consciência disso já é um bom começo. O idioma deveria ser a última trincheira a sucumbir a esta indigência mental.


O ESCRITOR

O escritor foi o sujeito que inventei para
melhor suportar o homem comum que eu sou
”.

Sartre afirmava “um escritor sempre fará com que as “coisas” sejam menos piores”. Nisso também acredito. Mas se o homem comum que eu sou (como me referi anteriormente) se dá o direito à desesperança, o escritor que inventei para melhor suportá-lo não tem este mesmo direito.

Nenhum escritor tem o direito à desesperança. Explico. Se o escritor quando faz uma obra de ficção, ele cria um mundo dissociado do real (por isso ela se chama ficção) e povoa este mundo recém criado com personagens frutos de sua imaginação (baseado na realidade, uma vez que ninguém pode criar nada do nada, a não ser que seja Deus) ele está com o seu talento e estilo, (re)criando a realidade da qual faz parte, e neste sentido o autor se põe como Deus no universo: dá a vida e também pode tirá-la; fazer e desfazer... E se o que move um escritor é a insatisfação com o mundo em que vive (uma questão com a vida como disse Rilke) qual o sentido de se recriar um mundo nas artes que seja mera reprodução deste outro do qual tentamos nos libertar?

Afirmei no início que haveria toda uma tessitura de sonhos, ideais e utopia a unir o homem, as palavras e o escritor.

Lembro de uma entrevista dada pelo Eduardo Galeano para a Tv espanhola onde o entrevistador menciona uma frase de ordem das manifestações locais de rua que dizia “Se não nos deixais sonhar, não os deixaremos dormir”... E instigava o escritor uruguaio a premiá-los com a leitura de algum texto em que o sonho e o delírio estivessem implícitos... Antes de fazer a sua leitura, Galeano se recordou de um debate em que participou com um amigo, diretor de cinema argentino Fernando Birri, em Cartagena das Índias, quando os universitários faziam questionamentos ora para um e oura para outro e coube ao amigo responder o que ele julgava a perguntas mais difícil de todas: para que serve a UTOPIA? Galeano ficou preocupado no início, mas logo se tranqüilizou com a resposta que ouviu, disse Fernando Birri: a UTOPIA está no horizonte, sei muito bem que não a alcançarei... Se avanço dez passos, ela se afasta dez passos. Quanto mais há busco menos a encontrarei porque quando me aproximo, ela se afasta... Aí a pergunta foi repetida: para que serve a Utopia? A utopia serve para isso, para nos fazer caminhar!

Ainda lembrando... De que espécie de escritor estamos falando?


O DURO OFÍCIO

Escrevo para tornar esta vida menos fuleira e
bebo para manter a ilusão de que estou conseguindo
”.

Estava em Rio Negrinho, Norte do Estado, tratando de assuntos de família inadiáveis, às voltas com pagamentos de taxas, de um vai e vem burocrático sem muita razão, mas tudo recheado com muitos carimbos. Parece que nada funciona se não houver alguns carimbos estampados no papel. É assunto para outro dia, mas começou assim.

Aí toca o celular e a repórter, após se apresentar, indaga à queima roupa: “por que o senhor quer entrar na Academia Catarinense de Letras?”...

O que disse em tom desabafo ou trata-se apenas de uma profissão de fé, se preferirem, da qual, naturalmente, não abro mão.

Passado o susto, remonto aos idos de 1970 (do século passado) para buscar na história, no tempo passado e presente, a dureza que tem sido essa caminhada, no quanto tem de inexplicável, de absurdo, de loucura, de incompreensão, de desespero, de desprezo, de desdém, de acídia, da força que temos de buscar no inaudito para suportar o caminho, uma estrada que não tem atalhos, um destino que não se encontra em mapa algum, a poeira e a aridez dos lugares inóspitos com os quais nos deparamos e a maldição que todo o escritor carrega porque a penitência é avançar sozinho, mas o caminho, como afirma o poeta, se faz ao caminhar, então tocamos em frente. Não se olha para trás porque a impressão que temos é de que não estamos avançando, o que foi percorrido é um trecho sempre menor daquele que está a nossa disposição, além da inerente consciência fatídica de que não teremos tempo. O que nos move? Quando souber disso a busca terá terminado e a vida não terá mais sentido, portanto, a caminhada continua.

Digo para a repórter que tudo começou quando fui surpreendido fazendo um poema em uma prova de cálculo diferencial e integral II enquanto cursava engenharia civil em Blumenau e certamente aquela energia ou impulso criativo era maior que a racionalidade que deveria se impor para solucionar equações matemáticas. Deixar-se levar pela arte parece cômodo, o difícil foi suportar o desdém da professora fazendo tal constatação. Ser observado num ato criativo é constrangedor, parece que temos uma obrigação de compartilhar com o vulgo de nossas dores, o que não corresponde com a verdade que a grande arte carrega. Mas aquele ato parecia concentrar todas as forças do universo e nunca mais fui o mesmo... Dobrei aquele papel contendo algumas questões de menor importância e onde havia gravado sentimentos profanos, guardei no bolso e sem dizer nada, me levantei e sai da sala. Ouço até hoje os gritos daquele silêncio que se seguiu. Aquele vácuo de dezenas de olhares e dedos me apontando na rua como se dissessem “ali vai o desvairado que abandonou uma profissão lucrativa para ser poeta”...

Depois de malhar por mais de 37 anos esse ferro frio que é a literatura catarinense, escrito duas dezenas de livros, quero dizer que sobrevivi bem aos acenos de todas as facilidades porque, querem saber? Nunca tive nenhuma. Meu caráter foi forjado tomando decisões quando o medo calava todo o mundo. Sempre fui uma voz destoando no coreto dos homens acomodados. Desafino para chamar a atenção do desdém e da indiferença porque o sonho vale muito e é o que nos transforma.

Quase esqueço, a Academia é uma estação de passagem, um momento de trégua para um artífice que pratica uma arte menos por ser “diferente”, mas porque sem ela, sua vida não teria a menor importância.

Agradeço aos meus pais por esse discernimento, alô seu Oldemar e dona Nica, onde vocês estiverem, muito obrigado! (Olsen Jr.)

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Olá, camaradas, salve!

Vai a da semana em tom de despedida...

Claro está que nada é definitivo, para usar uma frase original “Não há felicidade que dure sempre e nem dor que não termine”...

Até!


AO LEITOR DO
NOTÍCIAS DO DIA


Por Olsen Jr.

Repito nestas primeiras linhas o que já disse em outros tempos, em outro lugar nas mesmas circunstâncias: “Francamente, não gosto de despedidas. Um adeus sempre sugere a hipótese de que seja definitivo. Foi assim quando minha mãe morreu e o fato se repetiu com o meu pai, do mesmo jeito: era para ser apenas um até breve, e acabou sendo um nunca mais.

“Prefiro mil vezes os encontros. A aproximação possibilita uma expectativa, algo capaz de gerar uma esperança e essa, naturalmente, abre horizontes... Não restringe, amplia”.

Depois de ter morado em Chapecó, São Carlos, Rio Negro, Curitiba, Blumenau e finalmente em Florianópolis, quis acreditar que esta seria de fato, a minha última parada antes de partir “desta” para o oblívio, como diria o Paulo Francis.

O “destino” caprichoso, entretanto, ainda me reserva novas descobertas. Por razões estritamente profissionais devo estar mudando de domicílio em breve para Rio Negrinho, Norte do Estado de Santa Catarina e onde se encontra o berço da “Olsen’s Family”. Devo acreditar que a permanência por aquelas plagas não ultrapasse há dois anos, porém nunca se sabe. Como desde os nove anos de idade quando saí de casa pela primeira vez, sempre me senti um estrangeiro em qualquer lugar, tal determinismo passageiro não me incomoda. O homem é ele e sua memória, o restante é decorrência.

Com as atribuições inerentes ao ingresso na Academia Catarinense de Letras (Cadeira 11) devo visitar a Ilha pelo menos uma vez por mês, contingência que não abdicarei em hipótese alguma.

A primeira crônica publicada aqui foi no dia 11 de novembro de 2010, portanto, daqui a quatro dias fará um ano, período marcado por uma boa convivência neste espaço democrático e também gratificante.

Em retrospectiva, os textos publicados aqui em que aludi à família foram os que encontraram maior receptividade. De resto, o mesmo sentimento que embalou minha participação em outro jornal já mencionado. A família ainda continua um forte sustentáculo social a quem as pessoas não transigem. Tal constatação não deixa de ser alvissareira.

Aos meus leitores, figuras enigmáticas e muitas vezes distantes, agradeço a atenção que me dedicaram durante este período que pode ter sido curto, mas foi produtivo e sempre rico em aprendizado, deixo o agradecimento sincero e também levo um sentimento de perda, o mesmo que carregam todos os que se ausentam.

Encerro da mesma maneira que a última vez “E como diria o poeta, vamos em frente e sejamos felizes, se pudermos: um bom final de ano para todos e até outro dia... Por aí!”.


Nota do editor

O jornalista e escritor Olsen Jr. vai continuar a colaborar com o Sambaqui na Rede e manterá a coluna no Portal de Notícias Daqui na Rede.

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Sobre "Auld Lang Syne"

De um poema de Robert Burns escrito em 1788 logo foi popularizada no Reino Unido...

Graças a uma gravação de Guy Lombardo, líder de banda canadense, em 1929 apresentada no final daquele ano e popularizada nos anos seguintes como uma espécie de despedida do ano que terminava, acabou associada e repetida sempre... Nas despedidas...

Nos Estados Unidos, é conhecida como ""The song tha nobody knows" (a música que ninguém conhece) porque embora a melodia tenha se internacionalizado, poucos conhecem a letra do poema...

Como acontece com canções que se tornam populares mundialmente, acabam sendo adaptadas de acordo com a índole do país que as abriga...

No Brasil há uma versão de Alberto Ribeiro e Carlos Alberto Ferreira Braga (o "Braguinha") e ficou conhecida como a "Valsa da Despedida"... E começava assim: "Adeus amor eu vou partir"...

Well, em fase de despedidas, parece que todo o mundo está fazendo o mesmo... Enfim, novo ares se avizinham, e isso cabe bem aqui, agora, acho...

Com o carinho de sempre do poeta. (Olsen Jr.)

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Maria Amélia, eu te amo!

Por Amílcar Neves*

Era o seu grito de guerra quando voltava para casa algumas vezes por mês, nos dias em que estaria de folga à noite do seu trabalho de vigilância na Universidade: "Maria Amélia, eu te amo!" A vizinhança chegava às janelas, abria as portas, debruçava-se sobre o muro baixo, apoiava-se ao portão, ou melhor, à porteira que dava para o caminho de terra batida pomposamente chamado Estrada Geral do Córrego Grande, pelo qual o trânsito era escasso e as pessoas gastavam muita sola quando não chovia. Não havia calçadas, apenas um capim que crescia onde o gado não alcançava pastar.

"Maria Amélia, eu te amo!", e as pessoas riam dentro das casas, e diziam: "O Moacir hoje não trabalha de noite!" E vinham à rua para vê-lo passar alegre e feliz, tão leve e desoprimido que até se diria que os pés não tocavam a poeira do chão, o que dava a sensação de que cambaleasse quando, na verdade, ele flutuava.

Antes de, por fim, abrigar-se em casa, uma construção despretensiosa, porém ampla, ventilada e iluminada erguida na parte da frente do terreno que era um sítio, praticamente uma fazendola, havia que transpor a entrada, um longo bambu atravessado a meia altura entre dois moirões da cerca com o fim único de impedir suas vaquinhas de saírem para os campos em volta e o gado alheio de apropriar-se do sustento da sua criação, comendo-o, ou de servir-se das suas reses, cobrindo-as. Na hora de enfrentar o obstáculo, soltava de novo: "Maria Amélia, eu te amo!" Jamais invertia a ordem entre o vocativo e o afirmativo.

Em casa, Maria Amélia o esperava com um chá de losna bem forte e a inevitável sopa de galinha caipira proveniente das crias do quintal. No forno, o pão caseiro fumegava, ávido por receber, nas fatias, camadas de nata batida ou de manteiga fresca que não davam conta de consumir. "Maria Amélia, eu te amo!" Não fossem a dedicação e o recato da mulher, poder-se-ia pensar que o Moacir fizesse, por via das dúvidas, o que fazem hoje os funcionários das empresas de segurança que, no cumprimento dos contratos que elas mantêm com seus clientes, patrulham de motocicleta as suas casas, apitando porém desde a esquina, com seu apito inconfundível, como a dizer que não querem complicações com malfeitores de qualquer espécie.

Havia sempre uma dificuldade considerável com o demônio daquele bambu, nem tão alto que lhe permitisse transpô-lo por baixo e nem tão baixo que o deixasse vencê-lo por cima. Mas, uma hora, sempre havia de conquistar o acesso ao território sagrado: "Maria Amélia! Eu te amo, viste, mulher?"

Em pouco tempo o progresso chegou: com asfalto, carros, buracos, prédios e um mundo de pessoas estranhas que, ele via, riam dele de uma maneira muito diferente da carinhosa saudação dos seus vizinhos de toda vida. Ao lado da sua casa brotou de súbito um monstruoso edifício apinhado de apartamentos amontoados. E seu grito de guerra agora incomodava muita gente a um tempo só.

Para piorar as coisas, há as comemorações, horas a fio, em dias de futebol. Torcedor do Avaí de hastear bandeira, nas vitórias azuis a casa de Moacir se enche com gente trazendo uma carninha, uma cervejinha, um foguetinho; nas derrotas, o povo do Figueirense não para de passar com buzinas e fogos. Um inferno! Será que esse pessoal não podia torcer por times de verdade, do Rio, de São Paulo ou de Porto Alegre?

Por três vezes chamaram a polícia para recolher aquele bêbado inconveniente que chegava aos berros pelas ruas do bairro, que agora é residencial.


*Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados. Em 26.09.2011 foi eleito em primeiro turno, com 24 votos de 29 possíveis, para a Cadeira nº 32 da Academia Catarinense de Letras. Crônica publicada na edição de 26.10.2011 do jornal Diário Catarinense (Florianópolis-SC). Reprodução autorizada pelo autor.

PS

Estimadas amigas, prezados amigos,

Aproveito a ocasião para recomendar-lhes o lançamento de dois livros, conforme convite anexo. O coquetel de lançamento das obras acontecerá na Fundação Cultural Badesc (Rua Visconde de Ouro Preto 216, Centro, Florianópolis) no dia 8 de novembro, terça-feira, às 19h30.
Moradas de Orfeu (Editora Letras Contemporâneas), organizado por Marco Vasques, reúne uma seleção de poemas de 59 poetas "emergentes" dos três estados do Sul; dizem que há um texto estupendo em uma das orelhas do livro...
Já Osíris, Revista de Literatura e Arte (organização de Marco Vasques e Rubens da Cunha, Editoras Redoma e Papa-Terra), tem lançamento nacional de sua Edição I, Ano I, destacando o Dossiê Osíris Péricles Prade, um inventário da obra do escritor e poeta que atualmente preside a Academia Catarinense de Letras.
Na ocasião, ambos os livros serão distribuídos gratuitamente.
Aguardo-os lá, se puderem e/ou quiserem comparecer. Abraços,

Amilcar.

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