30.6.11

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GRUPO ENGENHO
O R I G I N A L
ESTÁ DE VOLTA


Saiba mais no Daqui na Rede

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Botões,
controles
e comandos


Por Amílcar Neves*

Gabriel não é um cara desta década, a segunda (já!) do século 21. Apesar do seu ano e meio incompleto, Gabriel nasceu na década passada. Há, pois, no mundo, gente muito mais moderna do que ele. Se ele fosse um dispositivo eletrônico qualquer, um sistema ou programa (também chamado software) de computador, um aplicativo dessa coisa antiquíssima e em vias de extinção a que, muito tempo atrás, se deu o nome pomposo e restritivo de telefone celular, sabiamente abreviado, nos dias de glória do dispositivo, para celular, apenas (há hoje muitos equipamentos dessa família que fazem milagres sem conta e maravilhas sem que se as imagine mas, talvez por esquecimento ou distração, não fazem ligações telefônicas ou não são usados para tal fim (na verdade usam o skype e outros recursos virtuais que, além de agregarem imagem em movimento e transferência de quaisquer tipos de arquivo, passam olimpicamente ao largo das velhas, superadas e vetustas companhias telefônicas que, na ânsia de se manterem vivas e rentáveis, autobatizaram-se de operadoras, algo supostamente muito mais nobre e elevado (desde que lucrativo, obviamente) do que uma reles companhia qualquer prestadora de serviços quaisquer.
Então: se o Gabriel, um aninho apenas completado em janeiro passado, já lá tão longe no tempo e nas nossas preocupações (qual era mesmo o nosso grande problema, o nosso enorme desafio, a nossa grandiosa dificuldade, o nosso monumental, insuperável, pesadelo no começo deste ano da graça de 2011 DC?), se ele fosse uma qualquer dessas bugigangas eletrônicas, tecnológicas, inúteis para o progresso humano e social do ser humano e social, ou outro miraculoso dispositivo de extraordinário sucesso relâmpago (um relâmpago é súbito, intenso e fugaz) que certamente surgirá no mercado no intervalo compreendido entre este momento em que escrevo o presente texto (à mão, com caneta e papel, lembram desses arcaicos instrumentos de escrita?, nas cadeiras da Ressacada, apenas para deixar aqui um registro romântico e sentimental) e esse momento em que lês o passado texto (praticamente o mesmo, embora concebido e degustado em situações, condições e estados de espírito totalmente diversos).
Assim: caso o Gabriel fosse qualquer dessas coisas efêmeras cada vez mais, ele já teria que ter sido descartado por obsolescência. No entanto, apesar disso tudo, ele tem a missão de testemunhar o rompimento do século 22.
O que acontece é que o Gabriel já está mesmo superado. Hoje espera-se muito mais, outras habilidades mais condizentes com as exigências e expectativas da vida, dos novos seres humanos, dos modelos-tipo da segunda década do corrente século, o qual corre à velocidade, não dos tempos presentes, mas da angústia existencial, cada vez mais acelerada e desnorteada, da vida pós-moderna, dessa atroz pós-vida.
Desde a mais tenra idade Gabriel foi fissurado por botões, teclas, chaves, interruptores e controles remotos. Desde cedo ele percebeu que, acionando-os, ele muda o mundo em redor: a televisão fica com chuvisco, o computador é instantaneamente desligado no meio de um trabalho importante, o volume do som sobe a alturas insuportáveis.
O que o está tornando obsoleto é o fato de que, numa atitude de resistência, Gabriel está sendo educado a perceber que existem comandos, que estes é que definem as funções dos botões e dos controles, e que os comandos é que devem ser vigiados e usados pelas pessoas. E não ao contrário.
Isto é muito grave.

*Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados. Crônica publicada na edição de
28.6.2011 do jornal Diário Catarinense (Florianópolis-SC). Reprodução autorizada pelo autor.

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"A reflexão do Amílcar"

Caros Amigos, Amilcar, Celso Martins, Emanuel, Remy, Moacir Pereira... Acabei de ler uma Maravilhosa cronica e reflexao do Amilcar Neves... Por isto e dada a posicao de observador, onde estou, neste momento, em Toronto, no Canada, penso que, no mínimo precisamos nos atentar e lembrar a todos para COMANDAR OS COMANDOS... Se nao a coisa fica ruim, mesmo. Estas "maravilhas" das tecnologias, no meu juízo e minhas observações, soh vão "isolando" as pessoas, a meninada, sobretudo... Estas tecnologias caminham na direcao da fragmentação. Departamentalizando e ensimesmando as crianças... Contraditoriamente, dah-lhes o "poder" do fácil acesso a todas as partes do mundo mas isola-as em seus compartimentados quartos, em seus áudio-cascos, etc. Eles já nao se comunicam mais com as pessoas presentes e ao seu lado... Parece que se vê uma poderosa e crescente imbecilizacao da CIVILIZACAO... Pelo menos, Caros Amigos, eh boa parte disto o que observo aqui onde estou, na inglesa Toronto, no Canada. Eles teem as suas pequenas "tribus" e se comunicam dentro delas. Nenhum dos outros, presentes e ao lado "existem" ou fazem parte de suas circunstâncias, no maximo, podem ser obstáculos para um passo, para alcançar qualquer coisa, para ver algum espectro de alguma curiosidade que possa lhes interessar e que o nosso corpo lhes dificulta... Eh IMPRESSIONANTE, Caros Amigos que trabalham com comunicação e que mexen com esta coisa fundamental e que ainda parece ser essencial para que se melhore o mundo, para que se harmonizem melhor as relações da vida privada e da vida publica... Foi por isto que achei ótima a reflexao do Amilcar, a proposito do menino da primeira geracao do século XXI... Serah que dah para imaginar o que serah esta geração com 80 anos!? Daqui a algumas décadas!? Observando aqui os Torontenses, da descendencia inglesa, alem de outros, imaginar o futuro eh um pouco assustador... Parece que ficara muito pior do que o BLADE HUNNER, 1984, ODISSEIA NO ESPACO, FIRENHIGHT, aquele filme em que se transformava defuntos em tabletes amarelados, etc. Etc. Vejam Voces por onde andamos !!! Com abraços do, Geronimo W. MACHADO. Fpolis (SC) BR.

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Debate com
Emir Sader em
Florianópolis



Tema: Lula, Dilma e o futuro do Brasil

Na próxima segunda-feira, dia 04 de julho.

Horário: 19h

Local: FECESC (Mauro Ramos, 1624 - em
frente a praça Etelvina Luz/Banco Redondo).


Emir Sader

Atualmente, é professor aposentado da Universidade de São Paulo, dirige o Laboratório de Políticas Públicas (LPP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde é professor de sociologia. Pensador de orientação marxista, Sader colabora com publicações nacionais e estrangeiras e é membro do conselho editorial do periódico inglês New Left Review. Presidiu a Associação Latino-Americana de Sociologia (ALAS, 1997-1999) e é um dos organizadores do Fórum Social Mundial.


Livros

Com mais de 30 livros publicados, seu debate é sempre atual e instigante. O livro "Brasil, entre o passado e o futuro" reúne reflexões sobre o Brasil da primeira década do novo século, revelando o caminho de um país que era dos mais injustos do mundo a outro, menos desigual, que se projeta como a quinta economia do planeta. Os textos de Brasil, entre o passado e o futuro não apenas mostram a herança recebida do passado e as transformações realizadas, como também apontam o caminho a trilhar para fazer deste um país realmente democrático, solidário e soberano.

Promoção: Partido dos Trabalhadores de Florianópolis

28.6.11

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SÃO JOÃO NÃO
É MAIS AQUELE


(E RELAÇÕES COMPLICADAS
DO GOVERNADOR DO RIO)


Por Emanuel Medeiros Vieira

Forrozeiros tradicionais – o chamado “pé de serra” – têm cada vez menos espaço nos festejos de São João, tão enraizados no Nordeste.

Eles estão perdendo espaço para a invasão de todos os ritmos, do axé ao pagode, como lembra o jornalista Levi Vasconcelos;

A cidade de São Francisco do Conde, na Bahia, faz uma milionária festa dizendo homenagear Luiz Gonzaga, mas leva como estrelas principais Chiclete com Banana e Exaltasamba.

Um grupo de forro autêntico, cujo cachê era de R$ 30 mil, foi “deletado” de uma grade de shows para ceder espaço a Bruno e Marrone, contratados por mais de R$ 200 mil

E o grupo excluído, como observa o jornalista, precisa ficar calado porque senão sofre perseguições.

“A roça é só alegoria. Cada dia está mais chic.”

No dia 17 de junho, caiu em Trancoso, na região de Porto Seguro, no Sul da Bahia, um helicóptero, matando sete pessoas.

É claro que se lamenta a tragédia.

Mas o governador do Rio, Sérgio Cabral parece ser forte com os fracos (lembram-se das reivindicações dos bombeiros?) e fraco com os fortes.

Ele viajou para o Sul da Bahia num jatinho do empresário Eike Batista em companhia de Fernando Cavendish, dono da Delta Construções.

A empresa é uma das maiores prestadoras de serviços do Estado do Rio de Janeiro e recebeu, desde 2007, contratos que chegam a R$ 1 bilhão.

A Delta Engenharia abocanha mais de 70% das obras do PAC, no Rio e também vai fazer a reforma do Maracanã (junto com a Odebrechet e a Andrade Gutierrez), e seu orçamento saltou de R$ 459 milhões para R$ 1 bilhão antes da obra começar.

A utilização de aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB) para transportar o corpo das vítimas do acidente com helicóptero, será alvo de investigação pelo Ministério Público Federal da Bahia (MPF-BA).

O procedimento administrativo foi instaurado no dia 22 de junho.

Parece crueldade?

Um leitor do “Correio da Bahia” lembrou que no Sul do Estado do Espírito Santo, um barco com seis pescadores está desaparecido no mar há mais de 15 dias e ninguém toca mais no assunto, “tendo a Marinha encerrado as buscas, se é que ocorreram”.

E sublinha: “Qual a diferença entre esses casos? La haviam empresários e amigos de políticos. Aqui eram todos trabalhadores e pobres”.

Dizem que Cabral 1 descobriu a filial.

E que Cabral 2 tentou e se deu mal.

(Salvador, junho de 2011)

25.6.11

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Resgatada peça
do naufrágio mais
antigo do Brasil


Resgate do artefato do mar. Fotos: Pablo Corti e Beth Karam

Pedra do século XVI com as armas da
Espanha gravadas em alto relevo foi retirada
retirada ontem do fundo do mar no
litoral Sul da Ilha de Santa Catarina
*

Mergulhadores do Projeto Barra Sul retiraram uma pedra com cerca de 800 quilos que estava há mais de 400 anos no fundo do mar da costa Sul da Ilha de Santa Catarina. Nas dimensões de 98 cm de altura por 76 cm de largura, a peça apresenta o desenho de dois leões e dois castelos em alto relevo e, no meio, um símbolo português, o que remete ao período da União Ibérica e ao reino de Leon e Castilla, entre os anos de 1580 a 1640.

Pesquisas históricas indicam que a peça, possivelmente, estava na nau provedora de uma frota de 23 navios que saiu da Espanha em 1583 com a missão de construir duas fortalezas no Estreito de Magalhães, em terras chilenas, para conter o avanço de piratas ingleses que ameaçavam os domínios da coroa espanhola no novo continente.

Caso essa hipótese se confirme, trata-se do naufrágio mais antigo já localizado em águas brasileiras. Talvez, o mais antigo de toda a América. Uma outra pedra, na forma triangular, com inscrições em latim, e duas bolas ornamentais, não puderam ser retiradas ontem, quinta-feira (23), pois o peso de 800 quilos da peça retirada danificou o guindaste. A operação de resgate foi acompanhada pelo ministro interino da Cultura, Vitor Ortiz; pelo capitão-tenente Ricardo Guimarães, da Diretoria de Patrimônio Histórico Documentação da Marinha e por Dalmo Vieira, diretor do IPHAN/Brasília.


O presidente da Fapesc Sérgio Gargioni, financiadora do projeto, também estava presente, assim como arqueólogos da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), pois a peça será encaminhada ao laboratório de Arqueologia da instituição para trabalhos de recuperação, e por equipes da Uniasselvi e Set Produções, responsáveis por pesquisas históricas e documentário.

Esses objetos serão retirados do fundo do mar do acesso sul da Ilha de Santa Catarina até agosto, assim como um canhão de bronze com mais de três metros de comprimento, com data de fundição e outras inscrições, além de objetos menores, como fragmentos de cerâmica, pedaços de madeira, pedras de lastro que eram utilizadas para as embarcações não balançarem e projéteis de vários calibres.

O Projeto Barra Sul faz pesquisas no acesso marítimo sul da Ilha de Santa Catarina desde 2005, região considerada um verdadeiro cemitério de navios, pois fazia parte da rota das navegações - era o último porto de abastecimento antes do Rio da Prata.
De acordo com documentos históricos, o local, na época denominado Porto dos Patos, abriga, nas profundezas de suas águas , no mínimo oito naufrágios. “Quando eles adentravam a baía Sul para se abastecerem de provisões, eram surpreendidos com a geografia acidentada do leito marinho, com bancos de areia móveis, e muitas vezes pegavam até mesmo um inesperado vento Sul. Era um ponto crítico, muitas não conseguiam entrar no estreito canal de acesso sul da Ilha de Santa Catarina, e naufragavam”, relata Gabriel Corrêa, diretor do Projeto Barra Sul.


HISTÓRIA

O Projeto Barra Sul pesquisa numa área de 400 quilômetros quadrados, englobando as praias de Naufragados, do Sonho, do Pântano do Sul e Ponta do Papagaio. Entre os séculos XVI e XVII, essa região era considerada um ponto estratégico de abastecimento para os navegadores que serviam aos reinos de diversos países europeus e seguiam rumo ao Rio da Prata. Até hoje o local é considerado um dos maiores santuários de galeões naufragados no Brasil.

* Por Duda Hamilton e Beth Karam.





21.6.11

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Emanuel Medeiros Vieira:
Violência,
agronegócio e
desmatamento

*
A Bahia não é
só Ivete Sangalo



Foz do rio Ratones (Florianópolis-SC).
Outono de 2011. Foto: Celso Martins


*

Desmatamento1
VIOLÊNCIA,
AGRONEGÓCIO E
DESMATAMENTO


Por Emanuel Medeiros Vieira

Que seja um lugar-comum, mas é preciso repetir (já que poucos escutam): a terra está doente e ameaçada.

É preciso cuidar do ser humano e do planeta inteiro.

Como lembra Dom Tomás Balduíno, a violência não acontece apenas nas chamadas áreas do “atraso” brasileiro.

O professor Carlos Walter Porta Gonçalves, da Universidade Federal Fluminense (UFF) – citado pelo prelado –afirma que “ela é mais intensa nos estados onde a dinâmica sociogeográfica está fortemente marcada pela influência da expansão dos modernos latifúndios (autodenominados agronegócios). É no Centro Oeste e no Norte que as últimas fronteiras agrícolas são conquistadas ás custas do sofrimento e do sangue dos trabalhadores e dos que os apóiam.”

Ele lembra que o agronegócio necessita permanentemente incorporar novas terras e para isso “lança mão de todos os mecanismos de que dispõe: os de mercado, os políticos e a violência.”

E, é claro, a violência é alimentada pela impunidade – fenômeno plenamente assimilado pelas instâncias do poder judiciário.

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) tem uma tabela dos assassinatos e julgamentos de 1985 a 2011: são 1580. Só um mandante se encontra na prisão.

O desmatamento da Floresta Amazônica em maio deste ano foi de 165 quilômetros quadrados.

Se comparado com os 96 quilômetros quadrados desmatados no mesmo mês do ano passado, o dado representa um aumento de 72%.

As informações são do Boletim Transparência Florestal, divulgado no dia 17 de junho, pelo Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

O documento também apontou a emissão de 2,8 milhões de toneladas de dióxido de carbono.

De acordo com a pesquisadora Sanae Hayashi, o aumento do desmatamento se deveu à expectativa de aprovação da reforma do Código Florestal.

A anistia aos desmatadores, proposta pelo novo texto, p ode implicar em maior destruição da floresta ao flexibilizar as regras para as áreas de preservação permanente nas propriedades rurais.

Não, não é um problema de “ecochatos”. Mas do Brasil e da humanidade inteira.

Um planeta não cuidado é um planeta doente. Faz diminuir a biosfera.

Mesmo que corra o risco de parecer alarmista, creio que é a própria espécie humana que está em jogo,

(Salvador, junho de 2011)

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Novas Cartas Baianas
POBRE BAHIA

Por Emanuel Medeiros Vieira

Não, não se enganem com a visão estereotipada e midiática: a Bahia não é só Ivete Sangalo, Daniela Mercury, bandas de pagode e de axé, carnaval, “macumba para turista”, e à pasteurização dos melhores valores.

Essa visão falsa serve ao turismo banalizado e à própria exploração sexual de crianças e de adolescentes.

A real? A BAHIA VERDADEIRA? É a da concentração de renda. Da desigualdade. Da miséria.

(Lógico, há o “sagrado” e a beleza não comercializados – que poucos enxergam.)

Exagero?

Dados divulgados pelo IBGE, de 2010, informam que 2,4 milhões de baianos, ou 17,7% da população do Estado, estão em situação de miséria, pois vivem com uma renda mensal per capita de até R$ 70.

É o Estado com maior contingente de pessoas com essa faixa de renda: 14,8% dos miseráveis do País estão na Bahia, de acordo com informações do site Bahia notícias.

A Bahia é a sétima economia brasileira.

E grande parte de sua população vive abaixo da linha da pobreza.

Os mais pobres temem perder o Bolsa-Família.

Nessa época de São João – festa tão enraizada no Nordeste – lembro do grande sanfoneiro Luiz Gonzaga: uma esmola para o homem que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão.

A esmola não gera dignidade.

Não querendo ideologizar minha fala, não seria melhor para população do semi-árido baiano e de outras regiões se o governo criasse programas para facilitar o desenvolvimento?

E quando, nos meus textos, insisto na condenação à corrupção, qualificando-a de crime contra a vida, muitos dizem que é visão de pequeno burguês ou de moralismo “udenista”.

É que não conhecem a região.

(Salvador, junho de 2011)

20.6.11

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Entardecer na avenida Beira-Mar Norte.
Florianópolis-SC. Fotos: Fernando Evangelista


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Sessão dupla
O estrogonofe e
as aventuras de
Amílcar Neves



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Estrogonofe

Por Amílcar Neves*

De manhã quase cedo, a mãe, dedo em riste, dirigia-se à professora:
- Quem te disse que tens o direito de chamar a atenção da minha filha? Nem que fosse em particular! Sabes muito bem que eu é que pago o teu salário, a tua boa vida. Colégio, por aqui, tem um monte. Se eu tiro a Dannyelly desta bosta de escola e outros pais fizerem o mesmo por causa dessa tua mania de querer impor ideias antiquadas, ultrapassadas, e de querer obrigar os alunos a estudar e fazer tarefas em casa, perturbando a tranquilidade deles, não só tu perdes o teu rico empreguinho como a escola fecha em dois tempos. Então, escuta bem, que não vou repetir: estou indo agora mesmo fazer uma reclamação formal à direção do estabelecimento. O próximo passo será registrar queixa no Procon [sigla de Procuradoria de Proteção e Defesa do Consumidor, segundo o Novo Dicionário Aurélio versão 6.0.6]. Depois é B. O. [boletim de ocorrência] direto.
No início da tarde, o rapaz, angustiado, procurou a assistente social:
- Não sei mais o que fazer, preciso conversar com alguém, e necessito dessa conversa agora, antes que eu caia de vez em desespero. Agradeço demais sua paciência, sei que é parte do seu trabalho, mas é que estou desorientado, me sinto perdido, não tem adiantado nada a minha mãe falar com ela, a mãe dela conversar com ela, e ainda tem o nosso filhinho, isso é o que me preocupa mais, claro, a nossa situação, a situação que estamos vivendo também me enche de preocupações e assombros, mas a senhora sabe, um filho sempre é um filho, o que a gente fizer com ele agora vai marcar toda a vida dele, o fato é que ela não se contenta mais com nada, diz que quer muito conhecer Buenos Aires, e Paris, e as ilhas gregas, e me xinga dizendo que não tenho dinheiro nem para levá-la a Biguaçu enquanto meu primo, do tráfico, tem vida boa, de rei, e ela só ralando, a senhora tem um tempinho para me escutar um pouco?, pois estou desesperado, não sei o que fazer...
Ao final do dia, o executivo, contrariado, mede palavras ao falar com o guarda:
- Não se pode correr riscos inutilmente, o Tenente Soiza aí sabe muito bem do que estou falando, por isso tenho amigos importantes e dedicados na alta cúpula do Governo, na alta magistratura do Tribunal e no alto comando da Polícia, gente que resolve. Não tenho amigos no alto escalão da Cultura porque isso não leva a nada. O que quero lhe dizer, Tenente Soiza aí, com todo o respeito pelo seu uniforme, é que lhe restam três opções: aceitar numa boa esse cinquentinha aí pra cerveja do final de semana e livrar a minha cara, fazer que não viu e não sabe de nada e sair de fininho no preju, ou terminar de preencher a bosta dessa multa por estacionamento em vaga de aleijado e se arrepender depois pelo resto da vida. A escolha é sua e eu não tenho mais tempo a perder.
Pelo meio da noite, na Câmara, logo após a hora do jantar, dois vereadores que deveriam estar em sessão colocam-se frente a frente a uma mesa de canto na cantina daquela casa do povo e olham-se fixamente em silêncio absoluto. Observando-os atentamente percebe-se que suas fisionomias mudam, de forma quase imperceptível, assumindo expressões de surpresa, desgosto, alegria, contrariedade, entusiasmo, concordância e juras solenes e profundas.
A fim de evitarem aborrecimentos com esses bagulhos eletrônicos que tudo ouvem e tudo veem e tudo leem e tudo registram, comunicam-se por telepatia quando precisam tratar de assuntos impublicáveis ligados a poder e dinheiro.

*


*
Uma aventura assustadora

Por Amílcar Neves

Foi parar dentro de uma biblioteca, coisa inimaginável para ele. Não tinha nada o que fazer ali, não tinha o menor interesse pelas coisas guardadas naquele prédio enorme nem, menos ainda, pelo conteúdo daquelas coisas, sempre louvado, esse infindável conteúdo, como o sumo da sabedoria, do conhecimento e da vida, vejam lá se isso é possível, condensar a vida nas páginas dos livros. Nem que fossem livros eletrônicos.
E era exatamente isso que debatiam naquele momento: o futuro das obras literárias num cenário de confronto surdo entre o livro impresso e sua versão já vitoriosa em bits & bytes. Curioso é que nunca ouvi ninguém combater o livro em papel, considerava Manoel Osório com seus botões, nem aqui, hoje, agora, nem em qualquer outro lugar, pelos prejuízos que causa à natureza, grande responsável, o livro juntamente com os jornais impressos, pelo desmatamento do planeta e da Amazônia.
Não, o pessoal só tem elogios para essas resmas de folhas grampeadas, costuradas, coladas ou o que seja. Nunca me interessei por livros e, sinceramente, jamais precisei deles nem me fizeram eles falta alguma.
Assim divagava Manoel Osório durante a mesa-redonda na Biblioteca Universitária enquanto professores doutores, sentados a uma comprida mesa retangular, discutiam apaixonadamente o sexo dos anjos. Mais produtivo e útil, talvez, se discutissem o sexo entre anjos.
Nunca poderia supor que um dia se encontraria em tal situação, dentro de uma biblioteca, circunstância que devia debitar a Mônica, sua gostosa amiga e apetitosa vizinha cujo casamento com Eduardo vinha se desfazendo a olhos vistos. Estava ali pelas fabulosas pernas de Mônica, por nada mais.
Interessada em Literatura e seus meios de suporte, Mônica teve o desprazer de receber uma negativa de Eduardo, que se recusou a acompanhá-la pelas alamedas escuras e cada vez mais perigosas da Universidade (pelos perigos das alamedas da vida, em verdade). Com isso, Manoel Osório gozou o prazer de lhe fazer companhia naquele evento cultural de caráter tão erudito.
Encurtando a conversa: ao final da discussão, e fazia calor no recinto, Manoel Osório levantou-se entusiasmado com as agradáveis e estimulantes perspectivas sugeridas pelo retorno através das aleias escurecidas ao lado de Mônica e esqueceu o blusão de fibra sintética e marca famosa no encosto da cadeira que ocupava, perda que somente foi perceber horas mais tarde.
Como era final de semana, só pôde ir atrás do seu agasalho na segunda-feira, ocasião em que o encontrou bem de saúde e bem disposto no lugar mesmo em que o largara. Vestiu-o, pois já fazia frio na rua, para horrorizar-se na hora: tinha a nítida e incômoda sensação de que sabia tudo sobre escritores e seus livros.
Aquela imersão da blusa por dois dias em um ambiente que destilava Literatura por todos os lados...
Antes que o mal se propagasse, Manoel Osório tratou de mandar lavar a peça de roupa contaminada. Na quarta-feira tudo estava resolvido e a vida voltava aos trilhos, à rotina habitual, a salvo de sobressaltos.

*Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados.
Crônicas publicadas nas edições de 1º.6 e 15.6 do jornal
Diário Catarinense (Florianópolis-SC).
Reproduções autorizadas pelo autor.

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17.6.11

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SARAIVADA
Emanuel e os documentos secretos
História do Tempo Presente
Jornalismo com recortes da Internet


Ponta do Sambaqui. Foto: Celso Martins

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DOCUMENTOS SECRETOS

Por Emanuel Medeiros Vieira

O SIGILO DOS DOCUMENTOS
CONTINUARÁ ETERNO?


A verdade continuará encoberta?

O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR) anunciou que será retirado o regime de urgência do projeto sobre o sigilo dos documentos públicos.

Em entrevista publicada no jornal “O Estado de São Paulo”, no dia 13 de junho, a ministra das relações institucionais, Ideli Salvatti afirmou que o governo Dilma Rousseff apoiará as mudanças no texto para atender a Fernando Collor (PTB-AL) e José Sarney (PMDB-AP).

Os dois senadores defendem a possibilidade de sigilo eterno de documentos ultra-secretos.

A retirada da urgência fará com que a proposta fique nas mãos de Collor, presidente da Comissão de Relações Exteriores, sem qualquer pressão de tempo para votação.

A discussão sobre o sigilo tem como base uma proposta enviada pelo então presidente Lula ao Congresso ainda em 2009, chamada de “Lei de Acesso à Informação”.

Para a historiadora Célia Costa, a manutenção do sigilo eterno representa o “atraso total” na política brasileira de acesso à informação.

“Nenhum segredo justifica privar a sociedade (de informação)”, ressaltou.

“Não reconheço Collor como alguém que tenha a competência de avaliar a competência de avaliar essa questão”, afirmou a militante baiana Diva Santana, do Grupo Tortura Nunca Mais.

“São documentos gerados por agentes públicos. Não deveriam ser incluídos entre os que precisam de sigilo”, reforçou.

A declaração do presidente do Senado, de que os documentos podem “reabrir feridas” foi contestada pelo atual presidente do Grupo Tortura nunca Mais na Bahia, Joviniano Neto: “Ao contrário do que disse Sarney, para cicatrizar uma ferida, é preciso conhecê-la e tratá-la”, assinalou.

“A maior seqüela da tortura é a falta de reconhecimento social desse sofrimento”, afirmou.

A idéia do sigilo permanente é um retrocesso lastimável.

“É uma inversão do processo de construção democrática”, reforça o historiador Carlos Fico, da UFRJ.

Seria um novo bloqueio à liberdade de busca de expressão e esclarecimento, ainda mais num momento em que aspira-se à Comissão da Verdade, que se empenhará em abrir arcanos da ditadura militar.

Por que sonegar documentos fundamentais ao esclarecimento de controvérsias institucionais?

É bíblico: só a verdade nos libertará.

Toda a justiça busca o não-esquecimento: não se pode permitir que o olvido apague do espaço público o que aconteceu..

É fundamental usar a memória como sinal de alerta permanente.

(Salvador, junho de 2011)

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Gaivota preocupada com a duplicação do
trecho norte da SC-401. Foto: Celso Martins


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História do Tempo Presente
Prorrogado prazo de
incrições de trabalhos


Foi prorrogado o prazo para inscrições de propostas de trabalhos para o Seminário Internacional História do Tempo Presente foi prorrogado até a próxima segunda-feira (20.6). O evento ocorrerá entre os dias 7 e 9 de novembro de 2011, na Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc, em Florianópolis (SC).
Para inscrever os trabalhos os sócios da Anpuh pagam R$ 50,00 e os não associados R$ 75,00. O pagamento ocorrerá após a aprovação dos mesmos. Estão isentos do pagamento os professores de educação básica da rede pública de Santa Catarina.
A abertura do evento no dia 7, às 10 horas, terá a presença do renomado historiador francês François Dosse (Universidade de Paris XII), com a conferência “História do Tempo Presente e Historiografia”. No dia 9, às 19 horas, será a vez de Michèle Lagny (Universidade de Paris III), que falará sobre “História do Tempo Presente e Audiovisual”.

Mais sobre o Seminário

Contato
seminariohtp@gmail.com

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Cotação da bolsa preocupa a gaivota do Dandão. Foto: Celso Martins

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Jornalismo com recortes
capturados na Internet


Por Celso Martins

Sempre que posso ajudo os alunos de Jornalismo e História em seus trabalhos de conclusão de curso. Afinal, acumulando coisas escritas e imagens ao longo de três décadas de exercício profissional, acabei dono de um apreciável acervo da vida catarinense nesse período.
Atendo a todos com a maior boa vontade, indicados ou não por professores conhecidos e amigos. Vários atuais jornalistas e historiadores podem atestar isso. Pois foi com essa fama que atendi uma ligação telefônica de uma acadêmica de Jornalismo, indicada por um amigo. Disse que estava fazendo seu trabalho final do curso sobre a ditadura civil-militar de 1964 em Florianópolis através do jornal O Estado.
- Eu gostaria de saber como posso conseguir os recortes, disse a moça.
- Recortes? Você está querendo saber da coleção do jornal...
- Me disseram que você tem os recortes.
- ...existe uma coleção completa na Biblioteca Pública.
Seguiram-se uns segundos de silêncio, quebrado pela moça.
- Mas não existe nada na Internet?
- Do meu acervo não tem nada, mas podem existir outros, não sei...
A moça do outro lado da linha, mal-agradecida, despediu-se, certamente indignada, quase desligando o telefone na face do freguês..
Voltei aos meus afazeres pensando que ela estaria querendo receber em casa, via internet, os recortes já selecionados do jornal O Estado dos anos 1960 a 1980, as fontes certamente centrais do tema do TCC dela. E fiquei imaginando coisas, como uma futura jornalista em busca de matéria, usando telefone e internet para montar as matérias que vamos ler no dia seguinte.

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Pensando o tema do TCC. Foto: Celso Martins

14.6.11

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Entardecer com partículas

Fotos: Celso Martins
(13.6.2011, Sambaqui)















13.6.11

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PARTICIPE!
Sua presença é decisiva.


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Aves da casa
ARACUÃ





Estas aves vivem na área, esgueirando-se pelos galhos das árvores atrás de frutas e outros alimentos e fugindo da sanha dos gatos. Fazem um alarido notável no final da madrugada, auxiliando os galos na tarefa de despertar os moradores. Em geral são silenciosos, observadores e ariscos. Andam em grupos de quatro a cinco. Adoram as ameixas, algumas chegam a dormir no pé de araçá e não dispensam a gabiroba, todas ao redor de casa. Competem com a gralha-azul e o anú-branco, mas não se importam com as saracuras.

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ANOTE NA AGENDA


SUGESTÃO
Deixe o carro na Ponta do Sambaqui

e vá caminhando até o local da festa.

12.6.11

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Kafka por
Emanuel Medeiros Vieira

&
Ensaio fotográfico:
movimento no trapiche


Praia do Fogo (Sambaqui), 11.6.2011. Foto: Celso Martins

*


O Alquimista Kafka
*

Por Emanuel Medeiros Vieira

Franz Kafka (1883-1924),
três quilos mais magro,
enigmático sorriso no canto da boca,
renasceu numa repartição do INSS,
misteriosa demanda. .
O velho Franz esperou em cadeiras mofadas,
“falta um documento” (voz do sub-burocrata mor)
“o carimbo do órgão K”.
Esperou, envelheceu.
Kafka: quieto, longilíneo, gentil e protocolar
(como o seu próprio estilo: cartorário- sutil
relatório para ser lido nas entrelinhas),
contempla uma barata passeando nas bordas
do processo, castelos sonâmbulos,
américas perdidas (inúteis caravelas),

Esperou mais – sorriso insubornável,
Franz Kafka retira-se –
plagas que não conhecemos.

*Este poema obteve o 3° lugar – concorrendo com mais de 700 trabalhos em evento de âmbito nacional – no III Varal de poesias da UNIFAMMA – Faculdade Metropolitana de Maringá, Paraná, 2008.

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Entardecer na
praia do Trapiche

Praia das Flores,
Sambaqui, 11.6.2011


Fotos: Celso Martins








11.6.11

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ENTARDECER DOURADO
Sambaqui, 10.6.2011

Fotos: Celso Martins