5.4.12

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Encantados do Vale

Olsen Jr.
SEXTA-FEIRA SANTA

Urda Alice Klueger
LEMBRANÇAS DA PÁSCOA

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Sexta-feira Santa

Por Olsen Jr.*

O “dia não é de alegria!”...
Foi a primeira frase que ouvi, logo seguida de um complemento: “as pessoas costumam meditar, fazer uma auto-análise daquilo que pretendem com a vida que levam, também se impõe uma espécie de penitência em que se inclui o jejum”...
Meu pai disse aquilo ao mesmo tempo em que me entregava uma obra "O Mais Belo Rabi", com a recomendação "leia este livro". A indicação vinha como uma ordem, e lá em casa se respeitava uma determinação paterna, pelo menos na infância. Era a primeira vez que ele me impunha uma leitura. Normalmente apenas comunicava os livros que havia comprado e estavam disponíveis na biblioteca. Sempre fui um rebelde e não gosto de imposições. Mas, acredito, naquele dia devia estar com um semblante indefinido, naquela incerteza que acompanha um "não saber qualquer", a dúvida que antecede uma nova escolha, no caso, de recomeçar a leitura ou de descobrir uma obra interessante para se ler, mas voluntariamente, sem indicação externa. Tinha entre 9 e 12 anos e sabia, por experiência própria, que quando se tem uma tarefa para cumprir, o melhor era acabar logo com a incumbência e se livrar do peso de um remorso, a posteriori, e a maldita consciência do dever não cumprido. E já estava encarando a leitura como um compromisso e não um prazer pessoal dela decorrente. É Sexta-Feira Santa e existe uma aura no ar, como convém a um dia especial. Dia de consternação, de ficar só...
Tudo passa num instantâneo enquanto observo um pai levando um filho pelas mãos em frente do banco onde estou em uma praça no centro da cidade, a criança vem sorrindo alheia ao que se celebra hoje, está contente - como disse Bertolt Brecht, porque ainda não havia recebido a má notícia... Mais além, outro garoto caminha sozinho, não tem a quem recorrer, por isso recorre a todos. Aquela mãozinha estendida era de cortar o coração. Que espécie de sociedade permite tal desempenho? De repente me descubro nela, dentro dela, sou ela, logo a lembrança de Sartre, a respeito da obra "A Náusea", afirmava que enquanto uma criança passasse fome no mundo, aquele livro não tinha o menor sentido. Era retórico para chamar a atenção sobre outra realidade, o que conseguiu...
Descubro-me, igualmente, sem ter a quem recorrer, estou tão só como aquele garoto, e por isso me lembro do meu pai e daquele livro, "O Mais Belo Rabi", que tratava da vida de Jesus Cristo. Uma leitura gratificante, edênica, menos dolorida que o filme "A Paixão de Cristo", dirigido por Mel Gibson. Depois, no ano seguinte voltei a relê-lo, e hoje apenas folheio as páginas detendo-me em parágrafos aleatórios alimentando a consciência de que a liberdade que permite essas elucubrações só faz sentido porque ainda não perdi a capacidade de me indignar!





*Olá, camaradas, salve!

Os últimos dias serviram para alguma reflexão... Um pequeno contraponto nesse vértice do redemoinho chamado vida e que estamos, mais por contingência (sentido sartriano) menos por necessidade...

A música "Amazing Grace" é um fenômeno...

Escrita por John Newton em parceria com o poeta William Cowper. Inicialmente para ilustrar um sermão no Dia do Ano Novo de 1773...

Foi publicada no hinário "Olney Hymns" em 1779...

Somente em 1835 foi oficializada (acordo "New Britain") a melodia como se conhece hoje...

Dito pelo escritor Gilberto Chase, "Amazing Grace é sem dúvida o mais famoso de todos os hinos folk"...

Estima-se que seja tocada mais de 10 milhões de vezes ao ano e teve uma influência na música popular, sua mensagem universal teve um resurgimento massivo nos anos de 1960 nos Estados Unidos e foi gravada uma centena de vezes e frequentemente aparece nas paradas de músicas populares, serviu de trilha de filmes, embalou passeatas pelos direitos civis, contra a guerra do Vietnan, serviu de canção de protestos com Joan Baez e até esteve no Festival de Woodstock em 1969 com Arlo Guthrie...

Foi gravada por Elvis Presley, Johnny Cash, Willie Nelson, The Byrds, John Lomax... Ella Fitzgerald, Mahalia Jackson, Judy Collins...

Uma versão com os índios Cherokees, espetacular... E grupos escoceses com as bagpipes, igualmente...

Difícil escolher a mais agradável, fiquei com o Elvis Presley porque foi com ele que descobri tudo isso, quase ao acaso... (Olsen Jr.)

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LEMBRANÇAS DE PÁSCOA

Por Urda Alice Klueger*

(Para Laura Alice Klueger)

Faz cerca de um quarto de século. Preparávamo-nos com grande antecedência, com semanas de planejamento, para que tudo saísse perfeito. Um campista, naquela altura, tinha que ser autossuficiente, pois ainda não era o tempo em que existiam os restaurantes de comida pronta e nem campings com cozinhas comunitárias e geladeiras. Então, tínhamos que levar tudo, desde colchões, roupa de cama, mesas, banquinhos, fogareiros, panela elétrica, caixas de isopor com gelo, comidas e louças, sem contar as enormes barracas de lona, que seriam armadas a partir de fortes tubos de metal, e essas barracas davam tal volume que ocupavam como que meio carro! No meio de tudo, muito bem acondicionados e escondidos, os ovos de Páscoa, tanto as casquinhas recheadas de amendoim, quanto Coelhinhos e ovinhos de chocolate (ainda não era o tempo dos grandes ovos de chocolates dos supermercados), fora os bombons cala-a-boca, feitos pela Fábrica de Balas Pfeiffer, aqui em Blumenau, e envolvidos individualmente em colorido papel celofane picotado!
Sempre já era outono, mas às vezes ainda era quente, e levávamos biquínis, vestidinhos e outras roupas assim para encarar a boa temperatura e aproveitar banhos de mar e banhos de sol. O ar fino e translúcido era estonteante e o mundo parecia perfeito, e acampávamos em Balneário Camboriú, que tinha um grande, imenso camping na Barra Sul, dando para a praia e para o rio, um dos lugares que naquela época eu mais gostava no mundo e onde a gente não encontrava a Farra do Boi, e que se foi embora debaixo de ruas calçadas e da especulação imobiliária.
Íamos com diversas barracas, diversas pessoas, mas havia uma rainhazinha para todo aquele aparato, para toda aquela movimentação e preparativos: Laura, nossa menina Laura, pequerrucha que parecia feita de maçã e de ouro, a inteligência como um estandarte , toda a fantasia e imaginação que uma criança pode ter a envolvê-la como se ela estivesse dentro de uma nuvem de tons suaves e cambiantes.
Como éramos felizes naqueles dias de Páscoa lá no camping de Camboriú! Brincávamos com Laura pelo camping e pela praia; íamos com ela olhar o rio e os mistérios que poderiam haver atrás de cada árvore, de cada moita, e de tardinha o Coelho fazia suas primeiras investidas pelo camping. De repente, como se tivesse surgido do nada, lá no meio da grama ou detrás de um arbusto havia casquinhas de Páscoa, quem sabe um ovinho de chocolate... Encantada, surpresa, nossa menina ia correndo buscar aqueles produtos da magia, os grandes olhos azuis arregalados de pasmo, e ela me olhava enquanto me mostrava aquelas coisas e me dizia num suspiro:
- Uva! - (que era como me chamava).
Ao redor da mesinha, esticadas em cadeiras de praia, tomávamos nossos cuba-libres enquanto aproveitávamos as últimas benesses do clima e imaginávamos a surpresa seguinte que faríamos àquela menina que era o nosso grande amor. Íamos para o camping na quinta-feira, e o ápice era na manhã de Páscoa, no domingo, quando por todos os lados havia casquinhas, cala-a-boca e chocolates escondidos, e Laura não sabia como fazer para dar conta de recolher tudo, enchendo diversas cestas daquelas guloseimas mágicas que vinham do mundo encantado onde morava o Coelho. Até a avó Minervina ia junto, algumas vezes, sem contar com a querida Dona Maria Geiser, que então já se aproximava dos oitenta anos, creio.
Depois, um dia o camping já não existia mais e Laura foi embora da minha vida irremediavelmente, e o meu coração verteu tanto sangue que não sei como se sobrevive a coisas assim.
Por sorte, restaram as Páscoas, e outras crianças para fazer a Páscoa, e esta coisa preciosa que eu tenho, chamada Literatura, que me permite lembrar assim, neste tempo de abril.
Feliz Páscoa da tua Uva, minha pequena!

Blumenau, 04 de Abril de 2012.

*Urda Alice Klueger é escritora, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR.
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Entardecer de 4 de abril de 2012 na praia do Fogo
(Sambaqui, Florianópolis-SC). Fotos: Celso Martins

Um comentário:

Anônimo disse...

Ao Olsen Jr. e a querida Urda dois escritores que orgulham Santa Catarina, meus parabéns pelos textos sempre belos e apaixonados.
Parabéns ao Celso pelas imagens imperdíveis.Fatima de Laguna.