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Álamo revisitado
Olsen Jr.
Rosário dos Pretos
Emanuel Medeiros Vieira
Deus e a Evolução
Leonardo Boff
Álamo revisitado
Olsen Jr.
Rosário dos Pretos
Emanuel Medeiros Vieira
Deus e a Evolução
Leonardo Boff
Foi durante o café, no restaurante aqui perto de casa, que a pergunta me surpreendeu. Já deveria estar vacinado contra certos tipos de interpelações. Todas às vezes que alguém começa afirmando “oh, fulano, você que é mais esclarecido”... Vem um pedido em seguida. Bem, mas o garçom se limitou em afirmar: o que é o Álamo? O que esta palavra significa? Olhei para ele, esquisito, partindo de quem partiu. Lembrei na hora do conto bem humorado de Artur de Azevedo em que o garoto pergunta para o pai, o que é plebiscito? Começo a rir sozinho enquanto o garçom, sem entender nada, tenta acompanhar-me acreditando que fosse com ele. Desculpe, digo, me veio à cabeça uma história que li quando criança e depois eu conto.
- Tudo bem, diz o garçom, só queria saber...
- É que, assim solta, a palavra fica a mercê de várias possibilidades, brinco, tentando adivinhar de qual contexto aquilo tinha saído. Como ele não esclareceu, fui dizendo as primeiras coisas que me ocorreram. Tinha que começar por algum lugar, o Álamo é uma árvore, é um conhecido estúdio de gravação e dublagem... Também é o nome de um forte no Texas. Na verdade, uma Vila que tinha sido colonizada por espanhóis e quando o território foi disputado por americanos e mexicanos, serviu de palco para uma das mais conhecidas batalhas da história onde cerca de 400 pessoas, entre agricultores e pecuaristas e mais alguns pequenos grupos de voluntários resistiram por quase 20 dias o cerco de um exército com mais de seis mil homens. Aliás, deu um belo filme com John Wayne e Richard Widmark... E no final, acrescento, tendo súbita lembrança, como a ordem era não deixar sobreviventes, restou algumas mulheres e crianças, também, alguns homens, entre eles, talvez um dos poucos heróis (com tudo o que esta palavra significa) da história norte-americana, o David Crockett, que acabou sendo executado. Também, digo, era um dos meus gibis favoritos, num tempo em que estes “heróis” ainda tinham caráter. Para concluir, aqueles quase 20 dias de resistência no Álamo, permitiram que se fizesse uma Constituição para o Texas, e que foi, em seguida, anexado aos outros Estados da União.
O garçom se deu por satisfeito e foi cuidar dos seus afazeres. Ainda bem, pensei, porque não me ocorre mais nada envolvendo a palavra Álamo. Depois que ele se afastou, fiquei imaginando aqueles heróis dos gibis, tirados da história, do guia e pioneiro Kid Carson, do caçador William Sidney Cody, o Búfallo Bill como ficou conhecido porque matava búfalos para alimentar os homens que construíam as estradas de ferro, do Daniel Boone... Do Roy Rogers e do Rex Allen, tirados do cinema, e claro, do Gordon Scott, Lex Barker e Johnny Weissmüller interpretando o famoso Tarzan, do Edgar Rice Burroughs... Não temos o hábito, nem a tradição, de cultuar nossos homens célebres, mas vejo o que poderia ser feito com o Cândido Rondon, a Coluna Prestes, e naturalmente, o bom e velho Monteiro Lobato, mas aí seria baratear os nossos sonhos, talvez, ficam as dúvidas.
O que eu não confessei para o Cleber, no restaurante, foi que “O Álamo” tinha sido o primeiro filme que assisti, em Curitiba, Cine Vitória (final de 1969), por isso estava impregnado na minha memória, tinha 14 anos e marcou muito. Está bem, mas a gente não precisa contar tudo sempre, pô!
Ah! E o Arthur de Azevedo ficou para outro dia...
- Tudo bem, diz o garçom, só queria saber...
- É que, assim solta, a palavra fica a mercê de várias possibilidades, brinco, tentando adivinhar de qual contexto aquilo tinha saído. Como ele não esclareceu, fui dizendo as primeiras coisas que me ocorreram. Tinha que começar por algum lugar, o Álamo é uma árvore, é um conhecido estúdio de gravação e dublagem... Também é o nome de um forte no Texas. Na verdade, uma Vila que tinha sido colonizada por espanhóis e quando o território foi disputado por americanos e mexicanos, serviu de palco para uma das mais conhecidas batalhas da história onde cerca de 400 pessoas, entre agricultores e pecuaristas e mais alguns pequenos grupos de voluntários resistiram por quase 20 dias o cerco de um exército com mais de seis mil homens. Aliás, deu um belo filme com John Wayne e Richard Widmark... E no final, acrescento, tendo súbita lembrança, como a ordem era não deixar sobreviventes, restou algumas mulheres e crianças, também, alguns homens, entre eles, talvez um dos poucos heróis (com tudo o que esta palavra significa) da história norte-americana, o David Crockett, que acabou sendo executado. Também, digo, era um dos meus gibis favoritos, num tempo em que estes “heróis” ainda tinham caráter. Para concluir, aqueles quase 20 dias de resistência no Álamo, permitiram que se fizesse uma Constituição para o Texas, e que foi, em seguida, anexado aos outros Estados da União.
O garçom se deu por satisfeito e foi cuidar dos seus afazeres. Ainda bem, pensei, porque não me ocorre mais nada envolvendo a palavra Álamo. Depois que ele se afastou, fiquei imaginando aqueles heróis dos gibis, tirados da história, do guia e pioneiro Kid Carson, do caçador William Sidney Cody, o Búfallo Bill como ficou conhecido porque matava búfalos para alimentar os homens que construíam as estradas de ferro, do Daniel Boone... Do Roy Rogers e do Rex Allen, tirados do cinema, e claro, do Gordon Scott, Lex Barker e Johnny Weissmüller interpretando o famoso Tarzan, do Edgar Rice Burroughs... Não temos o hábito, nem a tradição, de cultuar nossos homens célebres, mas vejo o que poderia ser feito com o Cândido Rondon, a Coluna Prestes, e naturalmente, o bom e velho Monteiro Lobato, mas aí seria baratear os nossos sonhos, talvez, ficam as dúvidas.
O que eu não confessei para o Cleber, no restaurante, foi que “O Álamo” tinha sido o primeiro filme que assisti, em Curitiba, Cine Vitória (final de 1969), por isso estava impregnado na minha memória, tinha 14 anos e marcou muito. Está bem, mas a gente não precisa contar tudo sempre, pô!
Ah! E o Arthur de Azevedo ficou para outro dia...
*Olá, camaradas, salve!
Tendo de viajar em breve, talvez amanhã mesmo, para Florianópolis, antecipo a crônica...
Talvez consiga enviar mais um texto, além deste porque nunca sei quando vou voltar...
Tudo vai acontecendo assim, como no texto, basta tirar partido, na condição de observador...
A música poderia ser esta, a mesma da trilha sonora do filme...
Tendo de viajar em breve, talvez amanhã mesmo, para Florianópolis, antecipo a crônica...
Talvez consiga enviar mais um texto, além deste porque nunca sei quando vou voltar...
Tudo vai acontecendo assim, como no texto, basta tirar partido, na condição de observador...
A música poderia ser esta, a mesma da trilha sonora do filme...
Composta por Dimitri Tiomkin com letra de Paul Francis Webster...
O filme ganhou o “Oscar” de 1961 na categoria de Melhor Som, a Melhor Trilha Original...
Dimitri era norte-americano naturalizado, de origem judaico-ucraniana...
Compôs grandes trilhas para filmes como: “O Velho e o Mar”, “Os Canhões de Navarone”, “Disque M para Matar”, “Um Fio de Esperança”, “A Queda do Império Romano”, entre outros... (Olsen Jr.)
O filme ganhou o “Oscar” de 1961 na categoria de Melhor Som, a Melhor Trilha Original...
Dimitri era norte-americano naturalizado, de origem judaico-ucraniana...
Compôs grandes trilhas para filmes como: “O Velho e o Mar”, “Os Canhões de Navarone”, “Disque M para Matar”, “Um Fio de Esperança”, “A Queda do Império Romano”, entre outros... (Olsen Jr.)
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ROSÁRIO DOS PRETOS
(NOVAS CARTAS BAIANAS)
IGREJA DO ROSÁRIO DOS PRETOS
(E BARUCH DE SPINOZA)
Por EMANUEL MEDEIROS VIEIRA*
Os membros da Irmandade dos Homens Pretos “perderam a paciência ante os constantes atrasos das obras de restauração da Igreja do Rosário dos Pretos”, uma das mais famosas de Salvador.
Como informa o jornalista Biaggio Talento, eles resolveram reabrir o templo, mesmo com a reforma inconclusa, no próximo domingo, dia 15.
A Igreja do Rosário dos Pretos foi erguida no século XVIII, e é referência histórica no processo de resistência dos negros.
A reforma custou cerca de R$2,3 milhões – recursos do ministério do Turismo, com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento e contrapartida do governo estadual.
O prazo? Estourou! E os Irmãos da Confraria não se conformaram.
É preciso fazer algo pelo Pelourinho – abandonado à cracolândia, à violência, à mendicância –, quem sabe, o monumento histórico mais importante do Brasil.
É um pedaço fundamental da nossa História, que está sendo constantemente degradado.
Andar por lá, só com companhia, segurança e em determinados horários (de preferência, matinais).
A INTOLERÂNCIA É ATEMPORAL E ETERNA
Foi com essas palavras que a comunidade judaica de Amsterdã, no século XVIII, excomungou o filósofo Baruch de Spinoza (1631-1677), um dos mais importantes da História:
“Pela decisão dos anjos e julgamento dos santos, expulsamos, execramos e maldizemos Baruch de Spinoza. Maldito seja de dia e maldito seja de noite; maldito seja quando se deita e maldito seja quando se levanta; maldito seja quando sai, maldito seja quando regressa... Ordenamos que ninguém mantenha com ele comunicação oral ou escrita, que ninguém permaneça com ele sob o mesmo teto ou a menos de quatro jardas, que ninguém leia algo escrito ou transcrito por ele”.
MAS A SUA OBRA PERMANECE!
Quem se lembra dos seus inquisidores?
(Salvador, abril de 2012)
Como informa o jornalista Biaggio Talento, eles resolveram reabrir o templo, mesmo com a reforma inconclusa, no próximo domingo, dia 15.
A Igreja do Rosário dos Pretos foi erguida no século XVIII, e é referência histórica no processo de resistência dos negros.
A reforma custou cerca de R$2,3 milhões – recursos do ministério do Turismo, com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento e contrapartida do governo estadual.
O prazo? Estourou! E os Irmãos da Confraria não se conformaram.
É preciso fazer algo pelo Pelourinho – abandonado à cracolândia, à violência, à mendicância –, quem sabe, o monumento histórico mais importante do Brasil.
É um pedaço fundamental da nossa História, que está sendo constantemente degradado.
Andar por lá, só com companhia, segurança e em determinados horários (de preferência, matinais).
A INTOLERÂNCIA É ATEMPORAL E ETERNA
Foi com essas palavras que a comunidade judaica de Amsterdã, no século XVIII, excomungou o filósofo Baruch de Spinoza (1631-1677), um dos mais importantes da História:
“Pela decisão dos anjos e julgamento dos santos, expulsamos, execramos e maldizemos Baruch de Spinoza. Maldito seja de dia e maldito seja de noite; maldito seja quando se deita e maldito seja quando se levanta; maldito seja quando sai, maldito seja quando regressa... Ordenamos que ninguém mantenha com ele comunicação oral ou escrita, que ninguém permaneça com ele sob o mesmo teto ou a menos de quatro jardas, que ninguém leia algo escrito ou transcrito por ele”.
MAS A SUA OBRA PERMANECE!
Quem se lembra dos seus inquisidores?
(Salvador, abril de 2012)
* Celso, meu irmão
Não quero te atropelar com textos.
Mas é algo muito importante:
A Igreja do Rosário dos Pretos, aqui em Salvador, é um monumento do século XVIII, muito importante.
é referência histórica no processo de resistência dos negros.
Os prazos para a sua reforma estouraram. E a Irmandade dos Homens Pretos perdeu a paciência ante os constantes atrasos na sua restauração. E RESOLVERAM REABRIR O TEMPLO NO PRÓXIMO DOMINGO, DIA 15.
[...]
Faço também uma meditação sobre a degradação do Pelourinho - e algo que acho, igualmente, muito valioso - sobre a "excomunhão" do filósofo Baruch de Spinoza, um dos mais importantes da História.
[...]
Gestei esse texto durante bom tempo!
Abraços do Emanuel
Não quero te atropelar com textos.
Mas é algo muito importante:
A Igreja do Rosário dos Pretos, aqui em Salvador, é um monumento do século XVIII, muito importante.
é referência histórica no processo de resistência dos negros.
Os prazos para a sua reforma estouraram. E a Irmandade dos Homens Pretos perdeu a paciência ante os constantes atrasos na sua restauração. E RESOLVERAM REABRIR O TEMPLO NO PRÓXIMO DOMINGO, DIA 15.
[...]
Faço também uma meditação sobre a degradação do Pelourinho - e algo que acho, igualmente, muito valioso - sobre a "excomunhão" do filósofo Baruch de Spinoza, um dos mais importantes da História.
[...]
Gestei esse texto durante bom tempo!
Abraços do Emanuel
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Como Deus emerge no
processo evolucionário?
Por Leonardo Boff*
processo evolucionário?
Por Leonardo Boff*
A nova cosmologia, derivada das ciências do universo, da Terra e da vida, vem formulada no arco da evolução ampliada. Esta evolução não é linear. Conhece paradas, recuos, avanços, destruições em massa e novas retomadas. Mas, olhando-se para trás, o processo mostra uma direção: para frente e para cima.
Somos conscientes de que renomados cientistas se recusam a aceitar uma direcionalidade do universo. Ele seria simplesmente sem sentido. Outros, cito apenas um, como o conhecido físico da Grã-Bretanha Freeman Dyson que afirma: “Quanto mais examino o universo e estudo os detalhes de sua arquitetura, tanto mais evidências encontro de que ele, de alguma maneira, devia ter sabido que estávamos a caminho”.
De fato, olhando retrospectivamente o processo evolucionário que já possui 13,7 bilhões de anos, não podemos negar que houve uma escalada ascendente: a energia virou matéria, a matéria se carregou de informações, o caos destrutivo se fez generativo, o simples se complexificou, e de um ser complexo surgiu a vida e da vida a consciência. Há um propósito que não pode ser negado. Efetivamente, se as coisas em seus mínimos detalhes, não tivessem ocorrido, como ocorreram, nós humanos não estaríamos aqui para falar destas coisas.
Escreveu com razão o conhecido matemático e físico Stephen Hawking em seu livro Uma nova história do tempo (2005): “tudo no universo precisou de um ajuste muito fino para possibilitar o desenvolvimento da vida; por exemplo, se a carga elétrica do elétron tivesse sido apenas ligeiramente diferente, teria destruído o equilíbrio da força eletromagnética e gravitacional nas estrelas e, ou elas teriam sido incapazes de queimar o hidrogênio e o hélio, ou então não teriam explodido. De uma maneira ou de outra, a vida não poderia existir".
Como emerge Deus no processo cosmogênico? A ideia de Deus surge quando colocamos a questão: o que havia antes do big-bang? Quem deu o impulso inicial? O nada? Mas do nada nunca vem nada. Se apesar disso apareceram seres é sinal de que Alguém ou Algo os chamou à existência e os sustenta no ser.
O que podemos sensatamente dizer, é: antes do big bang existia o Incognoscível e vigorava o Mistério. Sobre o Mistério e o Incognoscível, por definição, não se pode dizer literalmente nada. Por sua natureza, eles são antes das palavras, da energia, da matéria, do espaço e do tempo.
Ora, o Mistério e o Incognoscível são precisamente os nomes que as religiões e também o Cristianismo usam para significar aquilo que chamamos Deus. Diante dele mais vale o silêncio que a palavra. Não obstante, Ele pode ser percebido pela razão reverente e sentido pelo coração como uma Presença que enche o universo e faz surgir em nós o sentimento de grandeza, de majestade, de respeito e de veneração.
Colocados entre o céu e a terra, vendo as miríades de estrelas, retemos a respiração e nos enchemos de reverência. Naturalmente nos surgem as perguntas: Quem fez tudo isso? Quem se esconde atrás da Via-Lactea? Como disse o grande rabino Abraham Heschel de Nova York: “Em nossos escritórios refrigerados ou entre quatro paredes brancas de uma sala de aula podemos dizer qualquer coisa e duvidar de tudo. Mas inseridos na complexidade da natureza e imbuídos de sua beleza, não podemos calar. É impossível desprezar o irromper da aurora, ficar indiferentes diante do desabrochar de uma flor ou não quedar-se pasmados ao contemplar uma criança recém-nascida”. Quase que espontaneamente dizemos: foi Deus quem colocou tudo em marcha. É Ele a Fonte originária e o Abismo alimentador de tudo.
Outra questão importante é esta: que Deus quer expressar com a criação? Responder a isso não é preocupação apenas da consciência religiosa, mas da própria ciência. Sirva de ilustração o já citado Stephen Hawking, em seu conhecido livro Breve história do tempo (1992): “Se encontrarmos a resposta de por que nós e o universo existimos, teremos o triunfo definitivo da razão humana; porque, então, teremos atingido o conhecimento da mente de Deus” (p. 238). Até hoje os cientistas estão ainda buscando o desígnio escondido de Deus.
A partir de uma perspectiva religiosa, suscintamente, podemos dizer: O sentido do universo e de nossa própria existência consciente parece residir no fato de podermos ser o espelho no qual Deus mesmo se vê a si mesmo. Cria o universo como desbordamento de sua plenitude de ser, de bondade e de inteligência. Cria para fazer outros participarem de sua superabundância. Cria o ser humano com consciência para que ele possa ouvir as mensagens que o universo nos quer comunicar, para que possa captar as histórias dos seres da criação, dos céus, dos mares, das florestas, dos animais e do próprio processo humano e religar tudo à Fonte originária de onde procedem.
O universo está ainda nascendo. A tendência é acabar de nascer e mostrar as suas potencialidades escondidas. Por isso, a expansão significa também revelação. Quando tudo tiver se realizado, então se dará a completa revelação do desígnio do Criador.
Somos conscientes de que renomados cientistas se recusam a aceitar uma direcionalidade do universo. Ele seria simplesmente sem sentido. Outros, cito apenas um, como o conhecido físico da Grã-Bretanha Freeman Dyson que afirma: “Quanto mais examino o universo e estudo os detalhes de sua arquitetura, tanto mais evidências encontro de que ele, de alguma maneira, devia ter sabido que estávamos a caminho”.
De fato, olhando retrospectivamente o processo evolucionário que já possui 13,7 bilhões de anos, não podemos negar que houve uma escalada ascendente: a energia virou matéria, a matéria se carregou de informações, o caos destrutivo se fez generativo, o simples se complexificou, e de um ser complexo surgiu a vida e da vida a consciência. Há um propósito que não pode ser negado. Efetivamente, se as coisas em seus mínimos detalhes, não tivessem ocorrido, como ocorreram, nós humanos não estaríamos aqui para falar destas coisas.
Escreveu com razão o conhecido matemático e físico Stephen Hawking em seu livro Uma nova história do tempo (2005): “tudo no universo precisou de um ajuste muito fino para possibilitar o desenvolvimento da vida; por exemplo, se a carga elétrica do elétron tivesse sido apenas ligeiramente diferente, teria destruído o equilíbrio da força eletromagnética e gravitacional nas estrelas e, ou elas teriam sido incapazes de queimar o hidrogênio e o hélio, ou então não teriam explodido. De uma maneira ou de outra, a vida não poderia existir".
Como emerge Deus no processo cosmogênico? A ideia de Deus surge quando colocamos a questão: o que havia antes do big-bang? Quem deu o impulso inicial? O nada? Mas do nada nunca vem nada. Se apesar disso apareceram seres é sinal de que Alguém ou Algo os chamou à existência e os sustenta no ser.
O que podemos sensatamente dizer, é: antes do big bang existia o Incognoscível e vigorava o Mistério. Sobre o Mistério e o Incognoscível, por definição, não se pode dizer literalmente nada. Por sua natureza, eles são antes das palavras, da energia, da matéria, do espaço e do tempo.
Ora, o Mistério e o Incognoscível são precisamente os nomes que as religiões e também o Cristianismo usam para significar aquilo que chamamos Deus. Diante dele mais vale o silêncio que a palavra. Não obstante, Ele pode ser percebido pela razão reverente e sentido pelo coração como uma Presença que enche o universo e faz surgir em nós o sentimento de grandeza, de majestade, de respeito e de veneração.
Colocados entre o céu e a terra, vendo as miríades de estrelas, retemos a respiração e nos enchemos de reverência. Naturalmente nos surgem as perguntas: Quem fez tudo isso? Quem se esconde atrás da Via-Lactea? Como disse o grande rabino Abraham Heschel de Nova York: “Em nossos escritórios refrigerados ou entre quatro paredes brancas de uma sala de aula podemos dizer qualquer coisa e duvidar de tudo. Mas inseridos na complexidade da natureza e imbuídos de sua beleza, não podemos calar. É impossível desprezar o irromper da aurora, ficar indiferentes diante do desabrochar de uma flor ou não quedar-se pasmados ao contemplar uma criança recém-nascida”. Quase que espontaneamente dizemos: foi Deus quem colocou tudo em marcha. É Ele a Fonte originária e o Abismo alimentador de tudo.
Outra questão importante é esta: que Deus quer expressar com a criação? Responder a isso não é preocupação apenas da consciência religiosa, mas da própria ciência. Sirva de ilustração o já citado Stephen Hawking, em seu conhecido livro Breve história do tempo (1992): “Se encontrarmos a resposta de por que nós e o universo existimos, teremos o triunfo definitivo da razão humana; porque, então, teremos atingido o conhecimento da mente de Deus” (p. 238). Até hoje os cientistas estão ainda buscando o desígnio escondido de Deus.
A partir de uma perspectiva religiosa, suscintamente, podemos dizer: O sentido do universo e de nossa própria existência consciente parece residir no fato de podermos ser o espelho no qual Deus mesmo se vê a si mesmo. Cria o universo como desbordamento de sua plenitude de ser, de bondade e de inteligência. Cria para fazer outros participarem de sua superabundância. Cria o ser humano com consciência para que ele possa ouvir as mensagens que o universo nos quer comunicar, para que possa captar as histórias dos seres da criação, dos céus, dos mares, das florestas, dos animais e do próprio processo humano e religar tudo à Fonte originária de onde procedem.
O universo está ainda nascendo. A tendência é acabar de nascer e mostrar as suas potencialidades escondidas. Por isso, a expansão significa também revelação. Quando tudo tiver se realizado, então se dará a completa revelação do desígnio do Criador.
*Leonardo Boff é teólogo e filósofo. Texto encaminhado pela escritora Urda Alice Klueger.
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2 comentários:
Celso as ondulações do mar sob tua lente, os textos de Olsen, Emanuel, Amílcar e Boff são de tanta vibração que a vida fica assim à mercê da poesia. Um sábado triste aqui na praia em Laguna migra para a cintilação das águas que inventas e as viagens de esperança a que nos remete Leonardo Boff.Abraços lagunenses. Fatima.
Espero que este local tenha mesmo a reforma concluída, como marco histórico da resistência dos negros!
Spinoza, verdade, ficou para a história! E os outros? Os outros... quem são mesmo? Rsrs
Parabéns, gostei!!!!
Abraço afetuoso, querido tio Tadeu!
Eduardo Luchini (Duda)
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