18.1.12

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Desencontros
(Última crônica do Viking?)
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Instalação pós-contemporânea
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M o s q u i t a d a
(Emanuel Medeiros Vieira)

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Foto: Celso Martins

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D E S E N C O N T R O S

Por Olsen Jr.*

Foi na arrumação de uma caixa que percebi o envelope, era uma carta entre duas mulheres contendo um perfil de alguém que uma delas parecia interessada, não fosse... Afirmava: “... Se você pretende ser uma pessoa nom grata na casa dele, basta fazer estas coisas, não necessariamente nesta ordem: depois de comer, limpar a boca ou as mãos no pano de enxugar pratos; utilizar o garfo com que está comendo para esgravatar uma salada ou qualquer outro à mesa; terminada a refeição, indagar se na casa não existe palitos; servir-se de uma fatia de pão e sair espalhando migalhas pela casa; esquecer o cigarro aceso no balcão do bar (o seu canto favorito depois da biblioteca) de maneira que a xepa queime e atinja a madeira”...

Fui lendo distraidamente o texto e achando curioso que alguém se desse aquele trabalho, continuo... “Mexer nas peças de barro que representam o nosso boi-de-mamão e perguntar se pode levar esta ou aquela figura de recordação; pedir um livro emprestado de sua biblioteca; no banheiro, fazer xixi e não acionar a descarga ou lavar as mãos e respingar a água num raio de 10 cm ao redor da pia; tentar beliscar a carne na churrasqueira antes que ela esteja assada; pedir se não dá pra gelar um pouco o vinho tinto”...

Comecei a prestar mais atenção naquele comportamento sistematizado, até porque estava constatando certa familiaridade com o que eu próprio fazia, sigo... “Fazer a seguinte observação, sem ofender, mas não dá pra por um pouco de açúcar no chimarrão; cortar o queijo com a mesma faca com que você usou para passar geléia no pão; adoçar o café com a colher do açucareiro; perguntar se “ele” já consertou o desgraçado do telhado”...

Já estava identificado com muita coisa ali, ou então era uma grande coincidência, avanço... “Indagar quando irá por uma maldita lareira naquela casa; questionar se é bom morar sozinho naquele paraíso; especular se “ele” não gosta de outro grupo musical além dos Beatles; descobrir se “ele” não tem um interesse honesto por outra coisa que não sejam os livros e a literatura; ousar conhecer os segredos do “feiticeiro”, ou seja, saber se “escrever é fácil”; confirmar o que disse o poetinha Vinicius de Moraes, se o cachorro é o melhor amigo do homem ou se o uísque é o cachorro que vem engarrafado; finalmente, você sabe que “está na hora de ir embora” quando, imitando o mais nobre sotaque ilhéu, “ele” pergunta: -- “Já vais? (pronunciando como um manezinho: --- “Já vásss?”.

Se este cara aí não for minha “alma gêmea” então sou eu mesmo. Não contenho o riso. A carta estava datada de 1995 com a recomendação de me ser entregue depois que sua autora estivesse viajado para os Estados Unidos... Nunca dei importância, talvez a encarregada da incumbência não me inspirasse confiança e tivesse pensado que a tal carta fosse dela... Cá entre nós, não mudaria nada, afinal a cretina tinha feito uma radiografia acurada, claro, passado tanto tempo poderia ser acrescentado outros detalhes, aliás, o detalhe é a sofisticação do método, mas ela concluiu bem na carta para a amiga “... Meu anarquismo plebeu não combina com as esquisitices de um intelectual”...

E se fosse o contrário, penso, com esta sensibilidade, a escritora poderia ser ela!





Essa música “You’ve Got to Hide Your Love Away”, dos Beatles integra o álbum “Help” (1965) e também faz parte da trilha sonora do filme de igual nome...
Sempre tive um carinho especial por ela, pela sonoridade, eles eram muito musicais...
Foi a segunda música em que convidaram alguém de fora (o flautista John Scott) para participar de uma gravação...
A primeira vez foi com “Love me Do”...
A letra diz que “você deve esconder o seu amor”...
Well, não é fácil... Nem esconder “o seu” amor e tampouco partir... Ir embora...
Dói...
Dói mesmo!
Até breve in another place... (Olsen Jr.)

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PS

* Antes de seguir para Rio Negrinho, onde desenvolve trabalhos com a família, Olsen antecipou as crônicas dos meses de dezembro (parte) e janeiro, algumas inéditas, outras não. Elas vieram acompanhadas de mensagens e, na última, o que parecia ser uma despedida. Por isso escrevi ao nosso Viking solicitando esclarecimentos nos seguintes termos:
"Caro Olsen
Primeiramente desejo sucesso no novo domicílio, grande desafio profissional, novos ares e perfumes, gostos e paladares, teores diferenciados. É o mesmo que desejar um Feliz 2012. Pelas tuas palavras ficaremos privados das crônicas. É isso mesmo? A pergunta tem o respaldo dos milhares de leitores teus no Daqui na Rede e no Sambaqui na Rede.
Abraços
Celso".
A resposta veio em seguida:
"Olá Celso, salve!
Que bom ouvir isso que você acaba de me dizer...
Apenas adiantei os textos (aliás que já foram publicados em 2007 e 2008)... Para os blogs, você e o “Daqui”, o Arthur lá em Brasíla com o ABC, e outros... Assim enquanto me instalo em Rio Negrinho, o mês de janeiro está coberto com quatro textos (o texto 05, 06, 07 e 08) já enviados...
Depois, este mês de janeiro ainda, retomo a comunicação de lá...
Espero que você consiga manter este teu empreendimento forte, útil e necessário e claro, com sucesso...
Em breve o amigo poderá contar com anunciantes e tudo melhora... Mantenha a seriedade e o “Norte” assim se adquire confiança e credibilidade o que faltou em alguns de “nossos” amigos...
Hei! Continuarem acompanhando tudo de lá... Uma vez por mês (na última segunda-feira de cada mês) tenho de vir para a reunião da Academia Catarinense de Letras... Aí, marcamos, conversamos, projetamos, fazemos, como sempre fizemos na década de 1970...
Um abração fraterno do poeta para todos os teus leitores e teus familiares, a Anita e a Margaret Grando...
Até mais!"

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Serviço de segunda
serve de inspiração
para uma instalação
pós-contemporânea


Refúgio e lar da arte plástica, o distrito de Santo Antônio de Lisboa acaba de ganhar uma obra fugaz, efêmera e por isso provisória, porém de grande valor estético e abastança pictórica com materiais do dia-a-dia. A instalação com ares de pós-contemporaneidade tenta dar existência a uma mal-acabada obra pública.
Anonimamente o autor deixou à visitação dos passeantes a sua obra. Usa uma folha de bananeira, seca, simbolizando, quem sabe, a usura para com o usuário e a benesse destinada ao usurário. Mas isso é apenas uma interpretação, o artista pode ter almejado proclamar outra mensagem.

Compondo um ângulo ligeiramente inclinado em relação ao tampo da caixa de inspeção de esgoto da Casan, o restolho de tapume se ergue ao alto e, como nas torres medievais, ali vemos a alegoria do poder, o prestígio do construtor, o esmero e capricho no uso do cum-quibus público.
A régua e o sarrafo surrado também se alinham com os ferros expostos do serviço de segunda, assegurando a ele um padrão de beleza singular, improviso que assegura ao espaço a sua individualidade perene, fruto sim da criatividade gaiata sempre a espreitar a destemperança oficial.
O conjunto chama atenção não apenas pelo inusitado do visual, impondo o belo ao meio da rua, entre os blocos de cimento nus, mas, sobretudo, provoca filas de admiradores em trânsito a pé ou em seus veículos. (CM)

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M O S Q U I T A D A S

Por Emanuel Medeiros Vieira

Para os amigos dos “sonhos de antigamente”.

O funeral está em marcha.
“Nunca se sabe quem vai manusear você quando morto” (“Ulysses, de James Joyce)
Analfabetos das emoções e do tempo: sempre seremos.
Panfleto?
Não: não mais um.
Lembrar das lutas passadas, inquietação, voluntarismo – não farei isso.
E os urubus esperando a hora, os desafetos, os processos, os oficiais de justiça (justiça?) advogados, a falta de dinheiro, a velha depressão que te toma numa noite que não quer passar. – o dia não amanhece, a dor no peito, o Avaí na segunda divisão, e a tristeza que não quer ir embora.,
Sim, lembro dos anos jovens.
Sábia seria a pessoa que monotiza a existência?
“Sábio é o que se contenta com o espetáculo do mundo”
(Fernando Pessoa, em seu heterônimo Ricardo Reis)
Sim, o funeral está em marcha.
Não, não apenas de um amigo inquieto, ansioso, arisco (às vezes) – mas sempre amigo.
É um funeral maior: de uma geração, da tua e da que a antecedeu (a minha), e de tantos sonhos.
Um réquiem coletivo.

Em silêncio, eu sei, muitos se rejubilam com a tua morte.
Eram inimigos fortíssimos, de vários matizes – fortes não pelo humanismo (são carecedores dele), mas pelo poder mesquinho e pela pecúnia.
Esquecem o provérbio ilhéu: há a maré e a ressaca.
E por mais máscaras que coloquem, essa gente carregará a infâmia para sempre, em seus passos, em reuniões palacianas, nos pesadelos que virão – sim, virão!
Pois colocaram sem compaixão mais uma prego na tua cruz – te ajudaram a morrer.
São os algozes que dizem estar com as mãos limpas.
Não, não estão.
O funeral está em marcha.
Mosquito: não conseguiste conviver com a traição.
Outros – pelo vil metal, pelo poder que deslumbra –, que venderam, vendem e venderão a alma como se ela estivesse exposta numa banca do Mercado Público, não se importam.
Atribuem-se importância, mas logo serão esquecidos,e irão para a lata de lixo da História, e morrerão sem a solidariedade de si mesmos.
E para todos – todos – chegará a hora da Revelação.
(Uma Energia Maior está em vigília.)
E contam com o nosso esquecimento.
Mas o oblívio não chegará a nós.
(No natal, senti muitas saudades daqueles papos de 1982, da TV do Povo, da generosidade perdida, dos diálogos mais recentes, tentando furar a blindagem dos hipócritas e dos vendilhões.)
Não, não é nostalgia.
Tem morrido muita gente do nosso time.
Uma teia de aranha mental nos invade – a todos.
Chove em Brasília.
No mar da Lagoinha, Mosquito, conseguias rir.
Mas, no final, a vida estava pesada demais.
Mais do que os processos, a falta de dinheiro, era insuportável enxergar quase todos fechados em si mesmos, a mídia imbecilizante, o egoísmo velhaco, o mundo dirigido pelos financistas, o país dos nossos sonhos jogado na lata de lixo.
Agora serei retórico: é preciso continuar, amigo – estás fazendo muita falta.
É preciso
É preciso não esquecer, é preciso celebrar os nossos mortos (tão vivos) amados, dar um jeito de tirar a tristeza da alma e dizer: ainda estamos aqui. Ainda.
(Mosquito: talvez riste deste tom que utilizei).
Se o funeral está em marcha, a vida também é celebrada, nesta manhã, neste pássaro que agora escuto, no pão quente, no morango na cesta do piquenique que improviso com o meu filho Lucas, no mar imenso que sempre amaste, num arco-íris no céu.
(BRASÍLIA, JANEIRO DE 2012)

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