28.3.12

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Emanuel Medeiros Vieira
Informação, cidadania e corrupção
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Domingo de março
(Meditações sobre o cotidiano)

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Amílcar Neves
Adélia e o seu pai Severo



INFORMAÇÃO,
CIDADANIA
E CORRUPÇÃO


Por EMANUEL MEDEIROS VIEIRA

As pessoas não dão atenção a certos modos de comportamento essenciais, como respeitar os mais velhos, obedecer a passagem de pedestres, a cordialidade no trânsito, a valorização do bem público”. (Gilberto Velho – antropólogo)

Há uma sobrecarga de informações, mas falta cidadania.
Como observou David Allen, a pessoa atualmente pode estar produzindo o mesmo que três antigamente, mas não está recebendo o triplo.
É claro que o mundo com informação e infinitas possibilidades, veio para ficar.
“O desafio é participar de forma produtiva nesse mundo novo e turbulento, sem ficar paralisado por ele”, acrescentou o jornalista.
No fundo: sem ser dele escravo.
Para muitos, a sobrecarga de informação recebida pelos usuários da internet está mais ligada ao consumo do que a produção.
“É preciso filtrar corretamente a informação que chega até você, porque, nos próximos anos, isso vai piorar”, afirmou Luli Radfahrer, professor de Comunicação Digital da USP.
“A água ainda está na cintura, mas é preciso ser rápido. Caso contrário, a água vai bater na boca, no nariz, na testa, e, aí, vai ser tarde demais”, arrematou.

A palavra cidadania vem do Latim “civitas”, que quer dizer cidade.
Ela designa, de modo geral, o conjunto de direitos e deveres que uma pessoa possui em determinada sociedade e também em relação ao Estado.
É o conjunto de valores morais que orienta os comportamentos dos indivíduos de um grupo ou de uma sociedade.
Também pode ser entendida como o campo da filosofia que reflete sobre os costumes e à moral.
Estamos muito mal nesse terreno.
Vemos isso nas ruas: na falta de civilidade, de cortesia, de gentileza. De educação.
O estresse e a agressividade predominam.
Nesse ambiente, a corrupção se multiplica.
A falta de respeito ao outro e ao bem público se traduz em números.
Dados da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) mostra que, numa estimativa realista, anualmente, a corrupção causa um rombo de R$50, 8 bilhões aos cofres públicos.
Com esse dinheiro, seria possível pavimentar 39 mil quilômetros de rodovia, construir 78 aeroportos ou oferecer rede de esgoto a 15,7 milhões de lares.

(BRASÍLIA, MARÇO DE 2012)



DOMINGO DE MARÇO
(Meditações sobre o cotidiano)

Por EMANUEL MEDEIROS VIEIRA

PARA LÚCIA HELENA SÁ

“Do rio que tudo arrasta, se diz violento, mas não se diz violentas as margens que o oprimem”.
(Bertold Brecht)
*

Apenas isso – nada napoleônico
domingo de março
microacontecimento
pássaros cantando naquela árvore (perto da janela) – sempre isso, e tão belo.
Tendo sorte ou não – dizia W. B, Yeats – o trabalho sempre deixa rastro.

Deus faz que me Esquece.
Depois Reaparece.

Já não preciso de bandeiras.
A vida – ela mesma, sempre – é a minha maior “bandeira”.
Não quero saber de engenhocas eletrônicas – apenas dessa existência.
Chegará um tempo em que o mundo todo terá se transformado em um homem de negócios?
Agora não importa.
A vida pode ser um processo de demolição.
É preciso saber driblar.
E – por que não? – amar.
(Uso o verbo como “arqueólogo” – que vai lá no fundo – para resgatar o verdadeiro sentido das palavras.)
Pai, mãe, filho, flor, mar, irmão, amigo, esperança – e paz.
(...) “Alguma (pouca) coisa que foi feita/ pode talvez merecer uma espécie/de não exatamente eternidade/mas mais do que o imediato esquecimento”.
(Paulo Henriques Britto, no livro de poemas “Formas do Nada”)

Apenas isso (e tanto): um domingo de março
céu azul
pão feito em casa
um café quente
e aquela árvore que continuará sempre ali.
Domingo de março...

*Mantenho a forma verbal ("se diz violentas") na tradução do verso de Brecht.)

(Brasília, março de 2012)


Imagens no campo do Triunfo (Sambaqui). Fotos: Celso Martins

Adélia e o seu pai Severo

Por Amílcar Neves*

Quando Adélia dos Santos Ferreira morreu, seus pais já estavam separados. Naquele tempo isso era muita coisa, essa coisa de separarem-se marido e mulher, pai e mãe casados, era caso para escândalo público e vergonha familiar. Na época, a mãe ficou na casa da Prainha, com sua religiosidade beata e a filha única que teimava em viver lendo e estudando, enquanto o pai se mudou para a Agronômica, onde morava amancebado, porém como cônjuge verdadeiro, com uma dona de nome Luzia.
A história da morte de Adélia, atropelada por um ônibus no meio da Ponte Colombo Salles, e das consequências desse trágico acontecimento foi contada em um livro publicado em 1984 e nunca mais reeditado, de título Dança de Fantasmas. O caso andou um tanto esquecido porque pouca gente leu o livro e - desgraça suprema para soterrar qualquer acontecimento! - o fato aconteceu justo num sábado de carnaval.
O fato referido no parágrafo anterior é a circunstância de que Adélia ejetou-se - ou foi ejetada - de um carro em movimento que transitava pela segunda pista da ponte; logo após aquele veículo, na primeira pista, a da beirada, aquela que corre olhando para a Hercílio Luz, ponte que naqueles anos ainda existia de pé, subia o ônibus que atingiu a garota plena e irremediavelmente, prostrando seu condutor em estado de choque. O carro em que a menina se encontrava perdeu-se no continente defronte.
Adroaldo Ferreira adorava aquela filha e era na casa do pai que Adelinha se sentia mais gente, como se diz, mais à vontade, com espaço para leitura, com estante repleta dos seus livros de estimação e sem a perseguição implacável do odor de vela santa, da umidade de água benta, da ameaça dos cruéis castigos eternos nem do rosário sempre rezado das obrigações eclesiásticas recorrentes. Foi daquele ambiente de vida e realização pessoal que ela saiu para encontrar a morte. O pai sofreu dor profunda, assim covardemente apunhalado pelo destino.
Tempos depois, já em 2003, a história foi filmada num curta-metragem de 18 minutos produzido pela Laine Milan e dirigido pelo Chico Caprario, levando o título As Diversas Mortes de Adélia - porque cada pessoa que conhecia a jovem de 17 ou 18 anos tinha a sua memória muito pessoal de Adélia e via uma razão ou justificativa muito própria para a sua morte: como se ela fosse ao mesmo tempo várias e todas tivessem morrido subitamente.
Severo foi o pai de Adélia no curta. Vendo-o preparar sua participação no filme, qualquer um era capaz de jurar que ali estava o personagem vivo, não um ator. Ali estava um pai completamente arrasado, destroçado, acabado, com as roupas e o rosto em desalinho pelo pesado golpe recebido: uma voz embargada, ainda que firme, uns olhos úmidos pousados na face idealizada da filha querida que se fora, uma expressão de dor difusa e autêntica a cortar-lhe os traços, um ser humano alquebrado e, naquele momento, totalmente desesperançado. A participação de Severo Cruz conferiu uma dimensão humana marcante ao filme.
Agora, em fevereiro deste ano de 2012, esse pai sofre novo golpe ao ver sua casa na Costa da Lagoa totalmente consumida pelo fogo. Amigos e admiradores se organizam e marcam um Tributo a Severo Cruz - Renascer das Cinzas, espetáculo com mais de 30 músicos, cantores e grupos musicais no palco do Teatro Pedro Ivo no sábado, 31 de março, para juntar dinheiro e comprar nova casa para o ator e também cantor.
E para que Severo continue a fazer o pai de muitas outras Adélias no cinema.

*Amílcar Neves é escritor e membro da Academia Catarinense de Letras (ACL). Crônica publicada na edição de hoje (28.3) do jornal Diário Catarinense (Florianópolis-SC). Reprodução autorizada pelo autor.

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