12.5.11

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Emanuel fala do Ofício
de escrever e Amílcar diz por
que a Ponte continua em pé


A molecada joga bola no entardecer na
Ponta do Sambaqui. Foto: Celso Martins


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O F Í C I O


Por Emanuel Medeiros Vieira


Mal rompe a aurora:

papel, lápis afiado, borracha.

Nada muda nada?

Continuas: sempre.

A palavra.

Não importa que (quase) ninguém queira mais saber.

Prevalência de imagens, aparelhos eletrônicos

Soberano reino do aparecer.

Chove lá fora: solitário ofício – desde menino.

Desaparecerá o sonho de ouvir e de contar histórias?

Rompeu a aurora e continuas:

o café ficou frio, o leite talhou, o pão é dormido.

(O que importa?)

Médium, antena.

Freud já sabia: os poetas chegaram antes de nós.

“Publicar é pôr o espírito humano em leilão”

(Emily Dickinson).

Dar a cara ao tapa:

este o ofício.

Agora, tudo é noite.

(E desmoronamos.)

Navegando, aportando,envelhecendo – a caminho da eternidade

(As Parcas sempre chegam – para todos: fúteis, soberbos, sonhadores.)

(Salvador, maio de 2011)


*

Razão por
que a Ponte
continua de pé


Por Amílcar Neves*

A Ponte no chão é uma mina de ouro com a boca de saída fechada por uma avalanche de rochas, barro e lama: torna-se inacessível, deixa de gerar riquezas, não dá mais lucro para ninguém.

Essa é a razão pela qual a Ponte ainda permanece pendurada (trata-se, no caso, de uma ponte pênsil).

Quando se fala Ponte com inicial maiúscula, todo mundo sabe que se faz referência à Hercílio Luz, que, à época da sua construção, seus críticos (que queriam a mudança da Capital para o centro geográfico do Estado) diziam que ela se destinava a ligar nada a coisa nenhuma. Algo semelhante ao que aconteceu meio século depois, quando o coronel Mário Andreazza, ministro dos Transportes da ditadura e notório postulante à presidência do Brasil via nomeação pelo autodenominado Alto Comando Militar, cortou literalmente pela metade o projeto da nova ponte, que viria a ser a Colombo Salles, argumentando, do alto da sua empáfia, que Florianópolis levaria décadas até justificar, entre a Ilha e o continente, uma ligação com "absurdas oito pistas!", quatro para ir e quatro para sair, fora as duas da Hercílio Luz. A julgar pelas histórias sobre o personagem e pelos costumes da época, apenas o projeto foi cortado ao meio, sem prejuízo do orçamento - bastante inferior, enfim, ao custo total e ao valor pago pela obra. Na década seguinte, a terceira ponte era uma necessidade premente e a Pedro Ivo, emparelhada à meia ponte do coronel, complementou-a tal como previa o projeto mutilado.

Pontes, por aqui, sempre dão muito dinheiro.

Se não desabar até lá, a Ponte completará 85 anos de serviço na próxima sexta-feira, 13. A rigor, 56 anos de serviço e 29 de licença para tratamento de saúde: construída em três anos e meio menos um dia (com início das obras em 14 de novembro de 1922 e inauguração na tarde chuvosa de 13 de maio de 1926), está fechada há quase trinta anos, desde 1982, para restauração. Não temos mais, hoje, a tecnologia que permitiu sua construção em tempo recorde para o padrão atual das obras públicas - ou fazemos questão de não tê-la para perpetuar quanto possível os vultosos pagamentos pela manutenção precária da sua bela estrutura de aço.

Muita gente vem ganhando dinheiro com a Ponte interditada: são escritórios de projetos, empresas de vigilância, firmas de engenharia, consórcios de manutenção, indústrias de aço, fábricas de tintas, empreiteiras de mão-de-obra, pais de família que arriscam a vida no trabalho braçal in loco de mantê-la de pé. Talvez mais uma penca de gente esteja rica com as obras que nunca terminam, mas isso, sob pena de processos judiciais pesadíssimos, só se pode afirmar com base em provas irrefutáveis e "trânsito em julgado". Ou seja: nunca.

Os custos superlativos dos últimos 30 anos, já que governante algum teve a coragem e determinação de usar o mesmo dinheiro para arrumar a Ponte de vez, são o combustível que move seus novos críticos, que computam o total gasto como culpa da Ponte e não de administradores públicos interessados na morosidade do banho-maria protelatório. E alardeiam então que isso é um desperdício, uma fortuna para manter um troço sem qualquer serventia, o qual, por economia, precisa pois ser posto abaixo sem tardança, esquecidos de que o Cristo Redentor, a Estátua da Liberdade e a Torre Eiffel não têm qualquer valor pragmático, não levam ninguém a lugar algum - são apenas símbolos de uma cultura, identidades de um povo e motivos de orgulho para quem os possui e guarda.


*Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados.
Crônica publicada na edição de ontem
(11.5) do jornal Diário Catarinense.
Reprodução autorizada pelo autor.



Nota
O 8º livro de Amílcar Neves, Se Te Castigo É Só Porque Eu Te Amo (teatro), foi lançado dia 29 de abril na Barca dos Livros, "em frente aos trapiches da Lagoa da Conceição, em Florianópolis, com leitura dramática da obra por alunos do CEART/UDESC e Encontro com o Autor. A noite e o local estavam maravilhosos e acolhedores".

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