13.10.11

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Dois imortais
OLSEN Jr. e
AMÍLCAR NEVES


Textura. Foto: Celso Martins

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QUASE COMPLÔ!

Ilustração: Uelinton Silva

Por Olsen Jr.

Na minha infância quando as “coisas” não iam bem era comum se ouvir a expressão “Quando o circo vai mal até o anão cresce”. Em outras palavras, quando você imagina que nada mais pode acontecer, ainda assim, alguma coisa acontece... Ah! Quase esqueço e acrescento, para pior!

Parece mentira ou algo de quem possui imaginação, mas a realidade está constantemente competindo com a nossa capacidade criativa. Vejamos, esperei a minha vida toda para encontrar uma “agente literária” (por que somente mulheres se dão bem nesta área é algo para ser discutido outro dia) e, finalmente, quando menos esperava, embora estivesse atento sempre, eis que “ela” se apresenta.

Por e-mail digo da minha satisfação por estar em contato diretamente com ela e gostaria de conversar... Ela me responde afirmando que para não “ficar só na conversa” eu poderia enviar uma coleção dos meus livros para serem avaliados e uma síntese de cada um, assim já ganharíamos tempo...

Apreciei aquela desenvoltura e vou atrás das obras. Algumas (pelo menos três) estão esgotadas e aí me ocorreu procurá-las nos sebos aqui da Capital. Depois de alguns dias, consigo recuperar duas delas e a terceira, pego da minha coleção particular para não atrasar o processo. Junto com as outras quatro, num total de sete, tudo arrumado numa caixa de sedex, anexo uma carta com uma pequena sinopse de cada livro e no dia 13 de outubro de 2011 despacho na agência da Lagoa da Conceição.

No final daquela tarde, celebrando o fato de que só na metade da minha existência (sou um otimista) estava dando, finalmente, um encaminhamento científico para a minha carreira literária, fui celebrar sozinho bebendo um espumante (ver Blog Enoteca Le Pic) e saborear aquele acontecimento.

Não comentei com ninguém porque era apenas o início do que se poderá constituir uma grande parceria.

Na manhã seguinte abro os jornais e me deparo com a Greve dos Correios... Quase 30 dias depois e a paralisação perdura.

O pessoal do Correio me pergunta (via e-mail) o que penso da greve, respondo:

A "greve" é um direito democrático e estou solidário, espero que desta vez o pleito seja atendido e tudo volte à normalidade... Enviei um sedex (protocolo SZ904391519BR) era algo importante e urgente... Bem a encomenda ainda não foi entregue embora já esteja na cidade do destinatário... Como disse, estou solidário com a Greve, talvez o coletivo deva prevalecer sobre o individual, neste caso, o meu problema é o menor... Sorte para vocês...

Parece um complô... Aconteceu o mesmo com os bancos... Com o Detran, com a saúde, com os professores... Todo mundo fazendo greve simultaneamente... Alguém me alertou, mas tem um lado positivo, ainda bem que a AMBEV é uma empresa privada... Está bem, a boemia está salva, menos mal!





Sobre Bridge over troubled water

A música é esta “Bridge over troubled water”, da dupla Simon & Garfunkel.

Paul Frederic Simon e Arthur Ira Garfunkel são amigos desde os tempos de escola.

Simon era filho de um professor universitário e também músico e a mãe professora primária. Formou-se em literatura.

Garfunkel era filho de uma dona de casa com um caixeiro-viajante. Ganhou um Bachelor of arts grau com especialização em história da arte e também era mestre em matemática. Foi ator.

Ambos se conheceram na interpretação da peça “Alice no País das Maravilhas”. O gosto pela música foi despertado quando Simon ouviu Garfunkel interpretar “Too Young”, de Nat King Cole num show de talentos da escola.

Eles fizeram uma parceria que produziu grandes sucessos, “America”, “I’m a Rock”, “The Boxer”, “Sound of Silence”, entre outras.

Lançaram num total de seis discos. Todos ganharam “Discos de Ouro” por recordes de vendas.

Nas composições há uma sensibilidade para as contradições do homem urbano e que explica o sucesso da dupla. Iniciaram a caminhada no início dos anos 1960, influenciados por Bob Dylan e também pela dupla “Everly Brothers” conseguindo harmonizar o folk e o rock.

Estão na estrada até hoje, com shows beneficentes e outros reunido multidões como o feito no Central Park em Nova York em 1981. (Olsen Jr.)

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Morar num shopping

Ilustração: Uelinton Silva


Por Amílcar Neves*

Começou a se incomodar com aquele negócio de cortar a grama duas vezes por mês. Pagava para o Gumercindo fazer o serviço, sentou, fez as contas e viu que era mais barato comprar uma máquina e ele mesmo aparar o gramado. Até uma terapia, como de fato foi no início. Depois virou obrigação, e aí é como ir trabalhar com horário fixo e ter um chefe fungando na nuca. Tinha a mulher, que não tolerava mato no quintal, folha alta demais saindo do chão. Chovesse ou fizesse sol, no frio invernal ou no calor infernal, tinha a grama para cortar a cada 15 dias.

Impermeabilizou o terreno ele mesmo, após umas buscas na internet, a compra de pisos cerâmicos, de cimento cola, de rejunte e de uma cortadeira elétrica de azulejos. Semanas de labuta seguindo o manual que imprimiu no escritório, lá eles têm papel que nunca acaba e tinta de impressão à vontade. E a qualidade profissional que sai daquela impressora. Aproveitou para aterrar a piscina, cobrindo o local com um piso azul cinzento em memória do equipamento de lazer que, nos últimos tempos, não foi mais usado e só dava uma trabalheira insana para deixar a água nos padrões mínimos de sanidade com químicas e produtos caríssimos.

Seu quintal ficou uma beleza, lisinho e brilhante, zero de grama, tendo sobrevivido apenas uma pitangueira, uma goiabeira e uma ameixeira. As duas primeiras emporcalhavam o chão: metade do ano com folhas, a outra metade com frutos enjoativamente maduros. A ameixeira juntava morcegos como um hotel de alta rotatividade. E os bichinhos não paravam de lambuzar tudo em sua incontinência intestinal. Um fedor, a mulher não se conformava, abateu as três árvores e tapou com restos de piso o que restava de terra à vista em sua casa.

O diabo, porém, são os vizinhos. Não adianta falar, pedir que cuidem das folhas geradas em seus quintais e das sementes de todos os tipos que as plantas largavam do outro lado do muro. Ia-se solicitar providências e eles riam, primeiro pelas costas, a gente sabe, depois na cara mesmo. Morar em casa e reclamar da sujeirinha que os gatos alheios fazem de noite no quintal, eles falavam, melhor então mudar para um apartamento.

Quando um vizinho sugeriu que o denunciassem à secretaria do meio ambiente e o processassem na Justiça porque se recusava a abater uma araucária estéril que tinha, decidiram, ele e a mulher, que chegara a hora de partir, venderam a casa, aplicaram o dinheiro e escolheram um shopping para morar.

Num grande centro de compras tem-se de tudo e não se precisa levar quase nada para lá: cafés para um farto desjejum, bancas com jornais e revistas de todo o país, televisões ligadas por todos os lados, praça de alimentação tão variada que se pode passar meses sem repetir cardápio, os lançamentos do cinema internacional, lavanderias, bancos, banda larga gratuita, serviço de cerzidos, academia, agência de turismo para o caso de uma viagem de férias e segurança quase absoluta. Há uma farmácia para tratar de resfriados e cefaleias, banheiros sempre limpos e uma livraria para abastecer-se de livros de autoajuda, com frases inteiras que ele sublinha e destaca como orientação para sua vida particular, dele e da mulher, e como subsídio para sua atividade profissional.

Quanto ao verde, o mais próximo que eles chegam é das árvores de Natal, que não largam folhas nem abrigam bichos que sujam. Vivem muito felizes morando no shopping de sua eleição: não tem igual, proclamam, satisfeitos da vida, e não tem vizinho por perto.

*Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados, membro da Academia Catarinense de Letras. Crônica publicada na edição de 12.10.2011 do jornal Diário Catarinense (Florianópolis-SC). Reprodução autorizada pelo autor.

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