21.11.11


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Comissão da Verdade
(Será da Verdade?)
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O homem e seu duplo


E S P E C I A L


COMISSÃO DA VERDADE2

COMISSÃO DA VERDADE
(SERÁ DA VERDADE?)



Por Emanuel Medeiros Vieira

PARA TODOS OS COMBATENTES DA DITADURA, VIVOS E MORTOS.
Para Clarice e Lucas, meus filhos, para que nunca se esqueçam
Para Célia
Para minha família

A presidente Dilma Rousseff sancionou (em 18 de novembro de 2011) as leis que criam a Comissão da Verdade e de Acesso à Informação.

No presente textos, nos deteremos na Comissão dita da Verdade.

Suportaremos a verdade?

AQUI E LÁ

Em 28 de outubro de 20011, o tribunal oral federal número 5 da capital argentina anunciou as sentenças de 28 militares acusados de 86 casos de crimes contra a Humanidade realizados na Escola de Mecânica da Armada (ESMA) – talvez o maior centro de torturas de presos políticos que já existiu em nuestra América –, o maior local clandestino de detenção da ditadura militar argentina (1976-1983).

Estimativas de organismos internacionais como a Anistia Internacional indicam que a ditadura argentina assassinou 30 mil civis.

Um tribunal de Buenos Aires condenou em 26 de outubro de 2011 o ex-militar Alfredo Astiz, de 59 anos , à prisão perpétua por crimes contra a humanidade.

No Uruguai, a Câmara dos Deputados aprovou o fim da anistia aos militares que atuaram durante a ditadura no país entre 1973 e 1985.

O Senado do país vizinho já havia a provado o fim da prescrição dos crimes contra os direitos humanos cometidos durante o regime militar, o que pode abrir casos para novos processos contra militares reformados.

Além de eliminar a prescrição dos crimes, o projeto também declara como crimes de lesa-humanidade os delitos cometidos durante a ditadura. Dessa forma, a nova lei elimina a lei de caducidade sobre o princípio punitivo do Estado, sancionada em 1986.

Para nossa vergonha, que exemplo luminoso os dois países citados dão para nós e para nossos governantes!

AQUI

A criação da Comissão da Verdade é motivo de comemoração?

Não creio.

“O que deveria ser motivo de comemoração para aqueles realmente preocupados com o legado da ditadura e com os crimes contra a humanidade cometidos neste período será, n o entanto, razão para profundo sentimento de vergonha”, o Observou lucidamente Vladimir Safatle.

E mais um exemplo de tristeza, impunidade e infortúnio.

Como lembra o citado analista, pressionado pela Corte Interamericana de Justiça, que denunciou a “situação aberrante do Brasil quanto à elucidação e punição dos crimes de tortura, sequestro, assassinato, estupro e ocultação de cadáveres perpetrados pelo Estado ilegal que vigorou durante a ditadura militar, o governo brasileiro precisava mostrar que fizera algo. Esse “algo” é tal Comissão da Verdade – tão cheia de dedos e acovardada perante os militares.

A presidente, atemorizada e com medo de mencionar o seu passado –ela sabe que é Comandante Supremo das Forças Armadas? –, na cerimônia da sanção da lei, aplaudida pela sua conhecida claque, disse que não haveria “revanchismo”.

Revanchismo, presidente? De quem?

Sei que essa gente apoiará a presidente e esquecerá todos os que combateram a ditadura (não é, Luiz Travassos?).

Nessas horas, a gente conhece as pessoas.

A tal comissão terá representantes dos militares, ou seja, daqueles que deveriam ser investigados.

Ela, a comissão para “inglês ver”, motivo de vergonha para o Brasil no mundo inteiro, investigará também crimes que porventura tenham ocorrido no período 1946-1988.

Como interpreta Safatle, um país que, na contramão do resto do mundo, tende a compreender exigências amplas de justiça como “revanchismo” não tem o direito de se indignar com a impunidade que se dissemina em vários setores da vida nacional.

“Aqueles que preferem nada saber sobre os crimes do passado, ainda estão intelectualmente associados ao espírito o que procuram esquecer.”

“O povo brasileiro tem o direito de saber, por exemplo, que os aparelhos de tortura e assassinato foram pagos com dinheiro de empresas privadas, empreiteiras e multinacionais que hoje gastam fortunas para falar de ética. Ele tem o direito de saber quem pagou e quanto.”

De uma verdadeira Comissão da Verdade (e não um simulacro de verdade), esperava-se que ela expusesse os crimes cometidos e “o vínculo incestuoso entre militares e empresariado.

Vínculo que “ajudaria a explicar o fato da ditadura militar ter sido um dos momentos de alta corrupção na história brasileira (basta lembrar casos como Capemi, Coroa Brastel, Lutfalla, Baugarten, Tucurui, Banco Econômico, Transamazônica, Ponte Rio-Niterói, Relatório Saraiva (não é, senhor Delfim Neto?), entre tantos outros.

“Quanta verdade o Brasil suporta?

JUDICIÁRIO

Como observou Fernando de Barros e Silva, não há o menor risco de uma figura influente ou endinheirada ser condenada por crime de corrupção pela justiça brasileira.

“O aparato legal do país opera de uma maneira seletiva e distorcida provê justiça de menos para o conjunto da sociedade, sobretudo para os mais pobres, e zela demais pela impunidade de quem está por cima da carne seca.”

Seria um Judiciário que afaga “descaradamente” (a expressão é do articulista) investigados que possuem poder político u econômico?

Sinceramente, foi essa sensação de impunidade, um dos motivos que me levou e a vários de geração, formados em Direito na UFRGS, em 1969, a desistirem desta profissão.

Podem rir! Foi por idealismo!

Felizmente, outros muito honrados (inclusive, vários familiares), continuaram tentando a melhor aro Judiciário nacional.

NOVAMENTE; A COMISSÃO

Serão 7 os integrantes da dita ComiSsão da Verdade.

“Dois anos para investigar as violências a direitos humanos desde o fim da ditadura de Getúlio parecem brincadeira, mas foi um artifício para restringir a atividade que é a razão de ser da comissão”, detectou Janio de Freitas.

O jornalista lembra que só para a procura dos assassinados do Araguaia criaram-se sucessivas missões e comissões no governo Lula, reduzidas à inutilidade por interferência militar.

Será por essa interferência (profundo medos militares) que a dita Comissão da Verdade – além de não poder punir, criada cheio de temores – não terá a dignidade para investigar o passado e investigar crimes futuros?

INFELICIDADE DO STF

A decisão do STF sobre a Lei da Anistia foi uma derrota daqueles que querem saber a verdade Como observam alguns juristas, não é possível afirmar que os servidores do regime de exceção cujo comportamento se destinava a manter o funcionamento desse mesmo regime, praticaram crimes políticos.

A Lei da Anistia trata de crimes conexos aos políticos.

Os delitos de tortura citados são conexos aos crimes políticos já definidos?

Não. O conceito de conexão entre crimes está previsto nas leis processuais brasileiras. Há conexão quando os crimes são praticados pelas mesmas pessoas, ou coma mesma finalidade, ou se os delitos são praticados no mesmo contexto de tempo e de lugar e a prova de um deles interfere na prova do outro.Nada disso ocorre com os delitos praticdos por agente da repressão, como observam Dalmo de Abreu Dallari, Perpaolo Cruz Bottini e Igor Mamasauskas.

“Os atos de tortura não ocorreram no momento do crime político, no calor do combate.

Foram ações sistemáticas, planejadas, regulares, realizadas sobre vítimas já detidas, sob a custódia dos agressores.”

Não se busca “revanche”, esse lugar-comum sempre adotado pela direita brasileira.

“Não se acredita que a incidência do direito penal terá o condão de reparar o sofrimentos das vítimas, seus familiares, amigos e de toda a comunidade que acompanhou tais atrocidades.

A Comissão– nos moldes em que foi gestada para não melindrar os militares– será uma vitória dos defensores da impunidade.

Radicalismo? Ser radical é buscar o real sentido – buscar a raiz.

Sectarismo é outra coisa.

“Da Comissão da Verdade não se exige mais do que uma comissão de verdade, que não se preste a farsas.”

Pessimismo meu? Que conhece a nossa história ou que viveu a ditadura (na pele). Só poderá repetir: Triste Brasil!

(Mantendo, gramscianamente, o pessimismo da inteligência e o otimismo da vontade)

Como alguém já constatou, a solidão profunda do homem pós-moderno mergulha em uma perda de referência, já que o passado se espalha como pó ao vento.

“A consequência inelutável disso é o enfraquecimento da idéia de futuro”.

Hannah Arendt já havia constatado, ainda no meio do século XX, que o sinal mais expressivo da privatização do público é a perda do interessa pela imortalidade (ver texto de José Moreira da Silva Filho).

CONTRA O OLVIDO E PELA MEMÓRIA COMO ALERTA PERMANENTE!

(BRASÍLIA E SALVADOR, DE MAIO DE 2010 A NOVEMBRO DE 2011)

*

O HOMEM E SEU DUPLO

Por Olsen Jr.
(olsenjr@matrix.com.br)

O que vou escrever não tem nada a ver com a obra “O Homem e o Seu Duplo”, de Alexandre Figueiredo, tampouco com “O Homem Duplo” (que originou o filme “A Scanner Darky”) de Philip K. Dick (o mesmo autor de Blade Runner) e menos ainda com “O Homem Invisível”, de H. G. Wells.

O assunto aqui é mais leve.

É vox populi que todo o homem tem em algum lugar um sósia. Em outras palavras, alguém que é a sua imagem e semelhança, pelo menos no estereótipo.

Mas também não é isso do que pretendo tratar.

Só abrindo um parênteses, o escritor Christopher Lash (conhecido pela obra “A Cultura do Narcisismo”) escreveu uma espécie de continuação dela em outro livro “O Mínimo Eu” em que fala do narcisismo passivo e que o Paulo Francis emendava, referindo-se ao autor “acha que o mundo de hoje é dominado de tal forma por um complexo de burocracias todo poderosas que é difícil a alguém ganhar a individualidade”, mais “a vida é um constante comercial de TV ao qual o espectador tenta se segurar e tenta seguir, mas não consegue”, concluindo “ teme a idade e a morte de maneira infantil, nunca sai da infância”.

Começo por aí, pela infância. Quando éramos crianças, nós inventávamos um mundo de mentirinha e nos refugiávamos nele. A partir daí as brincadeiras faziam um sentido especial o que as tornavam necessárias. Nós não estávamos muito conscientes da duplicidade dos mundos, o que era “real” de onde provínhamos e do outro “imaginado” que acabávamos de criar. Os dois mundos até poderiam se confundir, embora sempre preferíssemos aquele outro o do faz de conta e sobre o qual tínhamos o domínio absoluto, inventando personagens e situações que parodiavam a vida adulta (ou não), mas nesse caso era apenas uma representação que poderia ser abandonada quando estivéssemos cansados dela.

O importante era ter uma ingerência na fantasia que criávamos diferente do mundo “real” onde aquelas aventuras oníricas não tinham guarida.

Nessa vida, dita adulta, o escritor que habita em mim está fazendo esse papel, o mesmo daquela criança que ontem fui e que ainda não me abandonou (porque sempre a tratei bem e nunca a deixei sozinha o suficiente a ponto de ela me ignorar como companheiro de viagem) o que permite a criação de um mundo paralelo aonde vou quando escrevo.

Ao contrário dessa criança, tenho consciência da fronteira entre ambos os mundos (um que eu suporto e o outro que criei) e o curioso agora é que nunca preciso cruzar a ponte de maneira clandestina, sei que consegui cobrir o trajeto quando essa solidão que me condena de um lado me absolve do outro, então escrevo, sozinho, mas livremente.

Agora, recebo um telefonema de uma amiga que está lendo os meus livros, e ela afirma: “não é justo... Assim não é justo”, repete e explica: “fico aqui lendo... Estou me apaixonando”...

Interrompo aquele monólogo e digo que ela pode se apaixonar pelo escritor, que está inteiro nas mãos dela, nas obras que lê, mas o homem por trás do autor é demasiadamente comum, não vale a pena alimentar um interesse por uma natureza humana que pode ser encontrada em cada esquina. Ela não se conforma, mas é a realidade, o escritor foi o sujeito que inventei para melhor suportar o homem comum que eu sou.

Para as pessoas que se crêem normais é muito estranho fazer essa discriminação entre a criança, o homem e o escritor e constatei isso enquanto limpava uma coleção de soldadinhos de chumbo reproduzindo os templários e as cruzadas e comecei a perceber o fragor da luta entre sarracenos e cristãos e, palavra de escoteiro, naquela hora, juro, senti o zunido de flechas e as batidas secas de cimitarras nos escudos que tinham uma cruz pintada em vermelho, diante das muralhas castigadas por catapultas, enquanto uma lança me espetava e tombei ferido de morte antes de afirmar que aquelas distinções não faziam sentido e aquela carnificina era inútil!

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Sobre “Everybody Talking”

A música “Everybody Talking”, de Fred Neil é de 1966, mas celebrizou-se na voz de Harry Nilsson como trilha do filme “Midnight Cowboy”, em 1969...

Fred Neil fez também “Candy Man”, que foi gravada por Roy Orbinson e Sammy Davis Jr. entre outros...

Esperava-se que um dia explodisse, mas não aconteceu, hoje pouco se fala dele, velho Fred...

Já a versão de Harry Nilsson é imbatível, mais ou menos como Joe Cocker fez com “With a Little Help From My Friends”, dos Beatles...

Difícil fazer melhor...

Vai a de hoje com o carinho de sempre e o abraço do viking... (Olsen Jr.)

2 comentários:

Anônimo disse...

Caríssimo compadre:

Posso estar enganado, com um viés para alguns até mesmo vingativo, ou revanchista, como usam dizer ultimamente os que não querem a revisão da Anistia, para , como dizes, anistiar apenas aqueles que cometeram crimes politicios ou conexos com eles. Para mim, em que pese a presidente Dilma Roussef ter sido militante da esquerda e participado da luta armada, e em vista disso, ter sido presa e torturada, humilhada e violentada, não acredito que, nas circunstâncias em que está mergulhado o seu governo, cheio de denúncias de corrupção, ainda que em alguns casos ela tenha feito o acusado pedir demissão, depois de grande pressão da mídia, não acredito que ela tenha condições de poder ( políticas, morais , de apoio social ou militar) para fazer realmente uma comissão da verda-de. A própria substituta da então candidata a presidência da República, Erenice Guerra, teve que ser afastada da Chefia da Casa Civil, no final do Governo Lula, ( mesmo contra a opinião do ex-militante do MR-8 de Outubro, o Porta-voz da presidência da República, Frankilin Martins) por comprovado tráfico de influência. Tudo isso poderia ser superado, no sentido de se alcançar bom êxito a tal Comissão da Verdade, se a presidente se investisse da autoridade conferida pelas urnas e demitisse aqueles ministros millitares que se posicionassem contra a apuração da verdade, como ela fez com o ministro da Defesa, Nelson Jobim, quando ele mesmo preparou o caminho pra sua própria demissão. Do modo como está a atual Comissão da Verdade formada, e como bem observasses convocada para apurar abusos ainda do tempo do período pós Constituinte de 1946, um período tão abrangente que só faltou ir até a Revolução de 1930, confesso que não posso acreditar nessa pantomima, até porque a própria sociedade, diante de tanta alienação, propaganda enganosa, intimidação de milicos e até mesmo da completa impunidade desde a chamada Lei da Anistia, que anistiou sobretudo os torturadores e responsáveis pelas torturas, mortes e desaparecimentos de políticos como Rubens Paiva, até hoje sem o direito de ser enterrado pela família, como muitas vítimas da Guerrilha do Araguaia, até mesmo a sociedade brasileira, como dizia, não está mais ligada ou cobrando a apuração dos fatos ocorridos no período da ditadura mililtar pós 1964. É possível que esse arremedo de Comissão da Verdade acabe por inocen-tar , de uma vez por todas , os que torturaram e os que mandaram fazê-lo, os que mataram e os que autorizaram matar, os "bolsões sinceros mais radicais" como dizia o General Geisel, aquele que conseguiu freiar os fanáticos nazifacistas como Sílvio Frota, Hugo de Abreu, Ednardo D"Avila Mello, mas não teve coragem de mandar pra cadeia Newton Cruz, Antonio Bandeira, Gentil Marcondes, Brilhante Ustra, o Capitão Albernaz, e a turma da OBAN, e seus sequazes como o famigerado Delegado Sérgio Paranhos Fleury. Esses assassinos, sim, deveriam estar respondendo por crimes contra a Humanidade, num Tribunal Internacional de Haia. Isso, acho que nós e nossos filhos não vamos ver acontecer. Parabéns pelo artigo, que vou repassar aos amigos. abs. do Paulão.

Anônimo disse...

"A verdade vos libertará".
A viúva do ex-deputado Rubens Paiva, assassinado pela ditadura militar, FOI IMPEDIDA DE FALAR NA CERIMÔNIA DE INSTALAÇÃO DA COMISSÃO DA VERDADE POR PRESSÃO DOS MILITARES.
Repito: por pressão dos militares.
Começou bem a dita comissão?
O governo aceitou servilmente? E nós é que somos os "sectários"?
Quem apoia o governo poderia dizer alguma coisa?
Por favor, não venham com chavões de que FHC e curriola também se acorvardaram.
Sim: Também se acovardaram. Mas um erro não é álibi para outro erro.
(E daquela curriola, eu não esperava nada.)
A verdade não precisa de teorias conspiratórias!
Essa subserviência dignifica alguém?
Eu sei: restará o silêncio dos que dizem amém a tudo que é parido pelo governo.
A vida não é um Fla-Flu entre duas pragas: PSDB e PT.
A vida é maior e exige coragem, honra e coerência.
Ou o fingimento de alguns já está colado à pele?
Não adianta: para que alguém acredite em mim, é fundamental que eu - antes - também acredite. Isso se chama de autentividade.
Ou muitos ficarão no acomodado e covarde silêncio? Assim vai se instalando a serpente.
Sim: A verdade vos libertará! Não simulacros de verdade!
(Emanuel Medeiros Vieira, Salvador, novembro de 2011)