F E S T I V A L
Olsen Jr
Emanuel
Medeiros
Vieira
*
B A R C O
Por Emanuel Medeiros Vieira
Por Emanuel Medeiros Vieira
“Tenho me convivido muito ultimamente e descobri com
surpresa que sou suportável, às vezes até agradável
de ser. Bem. Nem sempre”. (Clarice Lispector)
“Nesta foto do tempo de criança/o que mais me encanta/não é
nossa alegria de infantes/mas a réstia de luz de uma manhã/brilhando
no chão de uma varanda// Ninguém apaga este sol que
nos chega da infância”. (Miguel Sanches Neto)
surpresa que sou suportável, às vezes até agradável
de ser. Bem. Nem sempre”. (Clarice Lispector)
“Nesta foto do tempo de criança/o que mais me encanta/não é
nossa alegria de infantes/mas a réstia de luz de uma manhã/brilhando
no chão de uma varanda// Ninguém apaga este sol que
nos chega da infância”. (Miguel Sanches Neto)
Meu barco me levará até o teu sonho.
Mapeio territórios, procuro bússolas, cartas de navegação.
Velas ao vento– singrando os Sete- Mares.
(Não quero ser o navegador do Apocalipse.)
O barco segue comigo – como o mar.
A vela só vale acesa.
E neste barco, penso em regatas e domingos azuis.
Voltarei a colher flores nas manhãs orvalhadas?
Vai, meu barco – esta jornada.
(Cantil cheio, pão de centeio.)
Segue, meu barco!
Segue.
Os veros viajantes estão no exílio?
Não quero só pranto – mas a redenção.
Navega com o meu barco – coração –, navega.
Alvíssaras!
*
*
NOVAS CARTAS BAIANAS
SALVADOR
Entre as décadas de 40 e 60 do século passado, Salvador foi um dos maiores polos culturais do Brasil.
A cidade caracterizava-se por “uma efervescência criativa impressionante”.
Edgar Santos, na Universidade Federal da Bahia (UFBA) era o grande timoneiro – na expressão de Fredie Didier Jr. –, trazendo para a primeira capital do Brasil, figuras como Agostinho da Silva, Eros Martins Gonçalves, Lina Bo Bardi, Ernst Widmer, Hans Koellreutter, Lia Lobato e Yanka Rudzka. Podiam também ser vistos na cidade, Diógenes Rebouças, Walter da Silveira (que tive o imenso prazer de conhecer e de passar uma tarde conversando com ele, na capital baiana, em 1966), Caribé, Jorge Amado, Pierre Verger, Mário Cravo, Floriano Teixeira Pancetti, Machado Neto e Milton santos – que se tornaria um dos maiores geógrafos do mundo.
Entre o final do anos 50 e início dos 60, apareceriam a Tropicália, o Cinema Novo (claro, não especificamente na Bahia), mas tendo o baiano Glauber Rocha como um dos seus maiores incentivadores.
“De alguns anos para cá, Salvador parece que perdeu o viço”, detectou alguém.
Violência, caos no trânsito, sujeira – espécie do modelo brasileiro dominante.
A cidade que “começou a existir para que o Brasil existisse”, na observação de um analista – apequenou-se.
“Temos de reconstruir a semântica da nossa convivência”, reivindica alguém.
Quem sabe, como disse um conhecido compositor,, ‘a seta’ da cidade acerta o caminho e chega lá”.
Nessa canção, Caetano Veloso dirige-se à cidade e pede a ela que insista no que é lindo e, então, “o mundo verá tu voltares ao lugar que é teu no globo azul, Rainha do Atlântico Sul”.
Não a Salvador “abandonada, esburacada, suja, cheia de drogados e vândalos, mendigos e assaltantes”, no dizer de Hélio Pólvora – que se orgulha de ser subsede da Copa do Mundo de 2014.
“No grito do gol, teremos um orgasmo coletivo”, arremata ele.
O alcaide da caótica e desgovernada Salvador está deslumbrado com a Copa. Como o governador, os tecnocratas, os aproveitadores de sempre além dos políticos – toda essa gente que não te merece, Salvador!
Todas as obras de infra-estrutura urbana e de transportes, que interessam diretamente à população, estão atrasadas.
Melhor uma cidade civilizada, humana, com saneamento básico, convivência digna, transportes coletivos de nível, do que a efemeridade de uma Copa – que apenas enriquecerá ainda mais corruptos de sempre.
Um dia, quem sabe, “Rainha do Atlântico Sul”, “o mundo verá tu voltares rindo ao lugar que é teu no globo azul”. (...)
NOVAS CARTAS BAIANAS
SALVADOR
Por Emanuel Medeiros Vieira
Entre as décadas de 40 e 60 do século passado, Salvador foi um dos maiores polos culturais do Brasil.
A cidade caracterizava-se por “uma efervescência criativa impressionante”.
Edgar Santos, na Universidade Federal da Bahia (UFBA) era o grande timoneiro – na expressão de Fredie Didier Jr. –, trazendo para a primeira capital do Brasil, figuras como Agostinho da Silva, Eros Martins Gonçalves, Lina Bo Bardi, Ernst Widmer, Hans Koellreutter, Lia Lobato e Yanka Rudzka. Podiam também ser vistos na cidade, Diógenes Rebouças, Walter da Silveira (que tive o imenso prazer de conhecer e de passar uma tarde conversando com ele, na capital baiana, em 1966), Caribé, Jorge Amado, Pierre Verger, Mário Cravo, Floriano Teixeira Pancetti, Machado Neto e Milton santos – que se tornaria um dos maiores geógrafos do mundo.
Entre o final do anos 50 e início dos 60, apareceriam a Tropicália, o Cinema Novo (claro, não especificamente na Bahia), mas tendo o baiano Glauber Rocha como um dos seus maiores incentivadores.
“De alguns anos para cá, Salvador parece que perdeu o viço”, detectou alguém.
Violência, caos no trânsito, sujeira – espécie do modelo brasileiro dominante.
A cidade que “começou a existir para que o Brasil existisse”, na observação de um analista – apequenou-se.
“Temos de reconstruir a semântica da nossa convivência”, reivindica alguém.
Quem sabe, como disse um conhecido compositor,, ‘a seta’ da cidade acerta o caminho e chega lá”.
Nessa canção, Caetano Veloso dirige-se à cidade e pede a ela que insista no que é lindo e, então, “o mundo verá tu voltares ao lugar que é teu no globo azul, Rainha do Atlântico Sul”.
Não a Salvador “abandonada, esburacada, suja, cheia de drogados e vândalos, mendigos e assaltantes”, no dizer de Hélio Pólvora – que se orgulha de ser subsede da Copa do Mundo de 2014.
“No grito do gol, teremos um orgasmo coletivo”, arremata ele.
O alcaide da caótica e desgovernada Salvador está deslumbrado com a Copa. Como o governador, os tecnocratas, os aproveitadores de sempre além dos políticos – toda essa gente que não te merece, Salvador!
Todas as obras de infra-estrutura urbana e de transportes, que interessam diretamente à população, estão atrasadas.
Melhor uma cidade civilizada, humana, com saneamento básico, convivência digna, transportes coletivos de nível, do que a efemeridade de uma Copa – que apenas enriquecerá ainda mais corruptos de sempre.
Um dia, quem sabe, “Rainha do Atlântico Sul”, “o mundo verá tu voltares rindo ao lugar que é teu no globo azul”. (...)
(Salvador, dezembro de 2011)
*
*
AS MULHERES AO REDOR
Por Olsen Jr.
Por Olsen Jr.
Estou na cama. As dores provocadas por uma crise de gota não se justificam, uma vez que sequer estou bebendo, mas o médico me irá esclarecer. O que importa agora é a constatação de que os meus atos passaram a ser pautados pela presença invisível de várias mulheres...
Batem à porta. Vou manquitolando atender pensando que o médico chegou cedo. Para surpresa minha, recebo a visita do jornalista, Valdir Alves. Chega com duas garrafas de vinho. Um dos meus poucos amigos, o Valdir “é da casa” como se diz, explico a situação e volto para o quarto. Ele aparece em seguida, puxa uma cadeira e senta-se ao lado da cama. Vai bebendo o seu “Cassillero Del Diablo” enquanto relato o que me atormentava antes dele chegar: as mulheres!
Ele escuta com um sorriso malicioso e certo brilho no olhar, percebo que está interessado e exponho o tal assédio. “Veja o caso da Dolores, por exemplo, vem aqui em casa, é metódica, fica ali no pé da cama, à minha direita, quase imperceptível, preciso me esforçar por dar por ela; depois tem as gêmeas, Janice e Janete, são tímidas, me lembra a minha infância, quando chegavam pessoas estranhas, a gente corria para se esconder, pois bem, elas ficam ali atrás daquela porta de vidro, espiam, fazem algum ruído e crêem que me divirto com isso, não digo que não, mas é curioso; tem a Gioconda, mais pretensiosa, metida a intelectual, ela prefere aquele nicho entre o balcão e a escrivaninha, já a surpreendi bisbilhotando os meus escritos, faço que não sei, mas sei. Não gosto quando vem acompanhada das três filhas, que já apelidei de Lalá, Lelé e Lili, uma alusão às sobrinhas do Pato Donald, porque são enxeridas, ficam bulindo os tabuleiros de xadrez, aquele de vidro (que ganhei do Horácio Braun) e aquele artesanal (presente do artista Telomar Florêncio), preciso intervir, quando então “as queridinhas” se contentam em pular em cima do tapete aqui em frente da minha cama...”
O Valdir continua sorrindo e esperando para ver onde aquela conversa iria dar. Como não diz nada, continuo: “Aí vem a Domitila, caseira, prefere ficar lá na cozinha, não sai da frente do fogão, tudo bem se gosta disso, penso; mas a mais terrível é a Claudia Castañeda, não precisa rir, porque parece que ela está sempre “chapada”, demorei em entender que aquele era o “seu jeito”, e com todo o respeito, há muito deixei de pretender reformar o mundo, mas o “duro” são as amigas, a trupe quando resolve reunir-se em frente da televisão. Abstraindo a Dulcinéia que prefere a permanência ao lado da escultura do Dom Quixote na sala, as outras tartamudeiam todas ao mesmo tempo sem o menor decoro; a Angélica prefere o espaldar do sofá, esbaforida e barulhenta, a Genoveva, aristocrática só no nome, foi reprimida em outros tempos, mas ali se esbalda e parece que se multiplica; A Christininha, uma incógnita porque a chamo no diminutivo, parece três e açambarcar toda a mesa de centro quando resolve se manifestar. Quer saber? Parece um bando de peruas planejando um assalto...”
Nesse ínterim, a chuva recrudesce, ouvimos um estalo seco ao lado da cama. O Valdir indaga: “o que foi isso?”. Digo que é apenas o espraiar guloso de uma gota de água estatelando-se num pote de sorvete que ele não pode ver e concluo: “esta é a Dolores, de quem já falei, e que acaba de chegar”.
Ele começa a rir... Digo que todas as goteiras aqui em casa têm nome de mulheres...
Está rindo é? A coisa é séria. Dia desses uma amiga esteve aqui com o filho, e quando soube disso, pediu para ser homenageada. Pensei na goteira na sala que cai em cima de uma cadeira de couro e faz um som diferente. Disse a ela e que seria a primeira batizada com o nome de alguém conhecida: Georgia! Que bom afirma, assim você pode pensar em mim, lembrei do Ray Charles,e tasquei, claro, sempre: “Georgia on my Mind”!
Batem à porta. Vou manquitolando atender pensando que o médico chegou cedo. Para surpresa minha, recebo a visita do jornalista, Valdir Alves. Chega com duas garrafas de vinho. Um dos meus poucos amigos, o Valdir “é da casa” como se diz, explico a situação e volto para o quarto. Ele aparece em seguida, puxa uma cadeira e senta-se ao lado da cama. Vai bebendo o seu “Cassillero Del Diablo” enquanto relato o que me atormentava antes dele chegar: as mulheres!
Ele escuta com um sorriso malicioso e certo brilho no olhar, percebo que está interessado e exponho o tal assédio. “Veja o caso da Dolores, por exemplo, vem aqui em casa, é metódica, fica ali no pé da cama, à minha direita, quase imperceptível, preciso me esforçar por dar por ela; depois tem as gêmeas, Janice e Janete, são tímidas, me lembra a minha infância, quando chegavam pessoas estranhas, a gente corria para se esconder, pois bem, elas ficam ali atrás daquela porta de vidro, espiam, fazem algum ruído e crêem que me divirto com isso, não digo que não, mas é curioso; tem a Gioconda, mais pretensiosa, metida a intelectual, ela prefere aquele nicho entre o balcão e a escrivaninha, já a surpreendi bisbilhotando os meus escritos, faço que não sei, mas sei. Não gosto quando vem acompanhada das três filhas, que já apelidei de Lalá, Lelé e Lili, uma alusão às sobrinhas do Pato Donald, porque são enxeridas, ficam bulindo os tabuleiros de xadrez, aquele de vidro (que ganhei do Horácio Braun) e aquele artesanal (presente do artista Telomar Florêncio), preciso intervir, quando então “as queridinhas” se contentam em pular em cima do tapete aqui em frente da minha cama...”
O Valdir continua sorrindo e esperando para ver onde aquela conversa iria dar. Como não diz nada, continuo: “Aí vem a Domitila, caseira, prefere ficar lá na cozinha, não sai da frente do fogão, tudo bem se gosta disso, penso; mas a mais terrível é a Claudia Castañeda, não precisa rir, porque parece que ela está sempre “chapada”, demorei em entender que aquele era o “seu jeito”, e com todo o respeito, há muito deixei de pretender reformar o mundo, mas o “duro” são as amigas, a trupe quando resolve reunir-se em frente da televisão. Abstraindo a Dulcinéia que prefere a permanência ao lado da escultura do Dom Quixote na sala, as outras tartamudeiam todas ao mesmo tempo sem o menor decoro; a Angélica prefere o espaldar do sofá, esbaforida e barulhenta, a Genoveva, aristocrática só no nome, foi reprimida em outros tempos, mas ali se esbalda e parece que se multiplica; A Christininha, uma incógnita porque a chamo no diminutivo, parece três e açambarcar toda a mesa de centro quando resolve se manifestar. Quer saber? Parece um bando de peruas planejando um assalto...”
Nesse ínterim, a chuva recrudesce, ouvimos um estalo seco ao lado da cama. O Valdir indaga: “o que foi isso?”. Digo que é apenas o espraiar guloso de uma gota de água estatelando-se num pote de sorvete que ele não pode ver e concluo: “esta é a Dolores, de quem já falei, e que acaba de chegar”.
Ele começa a rir... Digo que todas as goteiras aqui em casa têm nome de mulheres...
Está rindo é? A coisa é séria. Dia desses uma amiga esteve aqui com o filho, e quando soube disso, pediu para ser homenageada. Pensei na goteira na sala que cai em cima de uma cadeira de couro e faz um som diferente. Disse a ela e que seria a primeira batizada com o nome de alguém conhecida: Georgia! Que bom afirma, assim você pode pensar em mim, lembrei do Ray Charles,e tasquei, claro, sempre: “Georgia on my Mind”!
A canção é essa, “Georgia on my Mind”,
música de Hoagy Carmichael com letra de Gorvel Stuart (1930) que escreveu-a para a irmão de Hoagy, chamada Georgia Carmichael...
A letra, no entanto, foi suficientemente ambígua para se reportar tanto ao Estado da Georgia (USA) como a mulher chamada Georgia, que foi a homenageada pelo compositor...
Ray Charles a gravou em 1960.
A canção também foi reverenciada pelos Beatles em “Back in the USSR”, com o verso “A Georgia está sempre em nossa mente”, alusão ao RSS, da Georgia (Georgia Soviética)...
Muitos intérpretes gravaram a música, Billy Holiday, Aretha Franklin, Willie Nelson...
A minha versão favorita é a de um grupo sul-africano que fez muito sucesso na década de 1970, chamado “The Square Set”, gravou “Georgia on my Mind” em ritmo de rock... Eles também ganharam notoriedade pela canção “That’s what I want”... Infelizmente, por razões que desconheço, não consigo encontrar a dita cuja no Google... Tenho o compacto simples aqui comigo, uma preciosidade, mas é outra história...
Fica a versão do soul man, Ray Charles, clássica, se vocês me entendem... (Olsen Jr.)
Dama com um Arminho, retrato de Cecilia Gallerani.
Leonardo da Vinci. Czartoryski Museum. Domínio Público
Leonardo da Vinci. Czartoryski Museum. Domínio Público
*
*
*
Fotos da Ponta do Sambaqui, domingo, 11.12.2011. Por Celso Martins
Nenhum comentário:
Postar um comentário