1.12.11

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EMANUEL e AMÍLCAR



CÓDIGO FLORESTAL2

Por Emanuel Medeiros Vieira*

“Quando você perceber que, para produzir precisa obter autorização de quem não produz nada; quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia não com bens, mas com favores; quando perceber que muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, ais que pelo trabalho; que as leis não nos protegem deles mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você; quando perceber que a corrupção é recompensada e a honestidade se converte em auto-sacrifício,então poderá afirmar, sem temor de errar, que sua sociedade está condenada.”

(Frase da filósofa russo-americana Ayn Rand, pronunciada em 1920)

A reforma do Código Florestal poderá ser aprovada.

Será mais um retrocesso.

Será o triunfo da barbárie contra a civilização.

Como observou alguém, o novo código é a vitória do interesse dos grandes produtores e pecuaristas.

“Gostaria de ver o código sem anistiar os desmatadores que têm acabado com as florestas do País, disse o senador Marino Brito (PSOL/PA).

Há poucos dias, a Praça dos Três Poderes, em Brasília (“A praça é do povo como o céu é do condor”, cantava Castro Alves), foi palco de manifestação de movimentos contrários ao texto do Código Florestal.

Um balão do Greenpeace ostentava a frase: “Senado, desliga essa motosserra”.

É preciso disseminar a ideia verdadeira de que o Código que os latifundiários e seus cúmplices querem aprovar não atende a sociedade, mas apenas aos ruralistas.

“O governo cedeu a chantagem dos ruralistas”, afirmou Mário Mantovani, diretor da ONG Mata Atlântica.

A ex-ministra Marina Silva cobrou de da presidente Dilma suas promessas de campanha.
Após o primeiro turno, ela recebeu apoio de ambientalistas e lideranças do PV e, em contrapartida, apresentou um programa para a área ambiental em que prometeu “vetar iniciativas que impliquem anistia a desmatadores ou redução da reserva legal e preservação permanente”.

Sendo aprovado esse mostrengo, que a presidente cumpra a sua promessa: vete o projeto.

Em nome da chamada governabilidade “lavará as mãos”? Esperamos que não – mas com temor no coração.

Pode parecer romântico em tempos tão cínicos e pós-utópicos, mas ainda (e sempre) acreditarei que PALAVRA EMPENHADA É PARA SER CUMPRIDA.

(Salvador, dezembro de 2011)


*Os textos de Emanuel MedeirosVieira publicados no Sambaqui na Rede e no Daqui na Rede são inéditos, quase todos exclusivos. Emanuel encaminha a produção de Salvador-BA para o Sambaqui na Rede, sendo quase toda reenviada a periódicos impressos, sites e blogs. Quem tiver interesse em receber os textos de Emanuel Medeiros Vieira para livre publicação, favor entrar em contato com Celso Martins: cmcelsomartins401@gmail.com.

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Paisagens partidas

Por Amílcar Neves*

Tinha a cidade aos pés desde a noite anterior, uma cidade sobre rodas motorizadas (não se via uma bicicleta sequer, somente rodas ou os pés da gente que anda a pé). Ao fundo, barcos: lanchas, veleiros e um iate fundeados no Iate Clube Veleiros da Ilha, uma ou outra lancha pequena passando preguiçosa a longos intervalos no mar cinzento, reflexo de um céu forrado de nuvens escuras e varrido por um nordeste que mexia o ar mais do que esquentava, um clima ótimo para deixar toda arrepiada na beira da praia uma mulher de biquíni.

Apesar do ângulo aberto contado a partir do morro, nas encostas do Menino Deus, não via tudo o que havia: o prédio ao lado obstruía-lhe a visão das pontes e suas circunvizinhanças. Espiar a Hercílio Luz, então, só na imaginação: como o fazem há tempos aqueles que um dia a conheceram como ponte que suporta o trânsito cotidiano da cidade e como o farão, daqui a pouco, aqueles que chegaram a conhecê-la como monumento em acelerada decrepitude por obra da omissão de vários governantes, cujos nomes deverão ser gravados a fogo num monumento que se erguerá no lugar da estrutura metálica pênsil, e por desobra de muito dinheiro que, endereçado à HL, nunca chegou ao destino, como se a ponte já não houvesse mais e, portanto, nada nem ninguém pudesse chegar ao destino, sequer o dinheiro destinado a salvá-la (quando, antes, bastava mantê-la).

Diz o Houaiss que, em Estatística, dá-se à "falta de atividade, de trabalho; inércia, inatividade" o nome de desobra. Estatisticamente a Ponte cairá um dia, e nossos governos têm trabalhado arduamente para antecipar o quanto possam tal data fatal. Esquecem que, quando a queda da Ponte acontecer, ela deixará de lhes ser um valioso pretexto para, digamos assim, canalizar verbas e recursos outros.

À esquerda, o que resta de Mata Atlântica ao redor da subida do Senhor dos Passos bloqueia a visão das bocas Oeste do túnel duplo que liga a Prainha ao Saco dos Limões, desprezando o José Mendes à sua direita, para quem vai do Centro para o Sul da Ilha, para satisfação e tranquilidade do Júlio de Queiroz, que mora de frente para o mar sem o barulho contínuo e irritante de cidade em seu portão. Alguém teve a inspiração de dar ao caminho pelas entranhas do Mocotó o nome de Antonieta de Barros, uma mulher bem negra que foi professora respeitadíssima (quando se respeitavam os professores, para não dizer mais) por seu trabalho no magistério durante a primeira metade do século passado, mas o corporativismo da Assembleia Legislativa resolveu puxar um pouco a si a homenagem, batizando o túnel como Deputada Antonieta de Barros - ainda que ela tenha sido eleita a primeira deputada de Santa Catarina, sua obra mais significativa foi a de professora.

Restaria o mar à frente, com a Baía Sul toda desdobrada aos olhos - desde que o Fórum e o Tribunal de Justiça, de alturas excessivas, não fragmentassem de novo a paisagem, ladeados por construções mais humildes que afastam o mar de quem está em terra, a pé ou mesmo motorizado: uma passarela do samba, de costas para o mar, que não para de crescer cada vez mais feia, tendo já atropelado o local em que um papa rezou missa, e uma imensa caixa de sapatos toda fechada, de tampa verde, a que se dá o nome de centro de convenções ou algo similar. Na borda do mar desenhada já por aterros, construções desnecessárias para o local bloqueiam a simples visão do mar; em paralelo a elas, pistas de alta velocidade bloqueiam o mero acesso ao mar.

*Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados. Em 26.09.2011 foi eleito em primeiro turno, com 24 votos de 29 possíveis, para a Cadeira nº 32 da Academia Catarinense de Letras. Crônica publicada na edição de 23.11.2011 do jornal Diário Catarinense (Florianópolis-SC).


PS

Leitoras, Leitores,
Para vocês, diretamente do Hospital Baía Sul, no centro de Florianópolis (ex-Nossa Senhora do Desterro), onde me encontro, como acompanhante da Vitória, desde o domingo, 20.11.11, com um grande e caloroso abraço,
Amilcar Neves.

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