15.12.11



O legado de Mosquito é
apropriado e interpretado

Um sensível poema de Emanuel Medeiros Vieira e um texto vibrante de Geraldo Barbosa sobre Amilton Alexandre abrem a postagem do pós-falecimento do Mosquito blogueiro, o “paladino malcriado”. Também publicamos uma opinião editorial sobre as apropriações (legítimas e ilegítimas) da memória e do legado do jornalista que estão em andamento.

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M O S Q U I T O

Por Emanuel Medeiros Vieira

Te conheci nos anos 70 – na luta intensa contra a ditadura, fazias a “TV do Povo”, articulações, reuniões, batalhando com outros também já “encantados”, como Roberto Motta, Adolfo Luiz Dias, Marcos Cardoso, Alécio Verzola, Jarbas Benedet – não citando muitos.

Foste meu aluno no Instituto.

Moraste uns tempos na minha casa da Lagoinha (e do Janga), onde abriste um bar.

Nos correspondíamos.

Quando ias à Brasília, me procuravas.

E soube hoje agora que partiste.

A literatura é sempre um caminho de transcendência e, sem pretensões maiores, queria te homenagear.

Pelo teu espírito crítico, pela tua inquietude, pela tua coragem.

Farás falta, num tempo de tanto individualismo, de levar vantagem em tudo, da crescente banalização do mal e da traição de tantos valores que forjaram as nossas gerações.

Mas não quero ideologizar o discurso.

Para André Malraux, a arte é “o lado vitorioso do único animal que sabe que vai morrer”.

A tragédia da morte – para ele – está no fato de que ela transforma a vida em destino, de que a partir dela, nada mais pode ser compensado.

Mas não podemos esquecer.

É preciso deixar que os ”mortos falem”.

É preciso escrever e vencer o nosso pobre e efêmero eu!

Que àqueles que eventualmente se rejubilam com esta perda, saibam que nada acaba, que tudo é dialético, e que novos “mosquitos” já estão sendo fecundados.

E depois de nos, outros pegarão o bastão.

Em favor da paz, conserve a fidelidade a si mesmo.

Lembre-se que, no dia do Calvário, a massa aplaudia a causa triunfante dos crucificadores, mas o Cristo, solitário e vencido, era a causa de Deus.

Continuaremos por ti, amigo Amilton Alexandre, mais conhecido por Mosquito.

Viva o Mosquito!

Mosquito vive!

(Salvador, dezembro de 2011)

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M O S Q U I T O

Por Geraldo Barbosa*

A morte de Amilton Alexandre, o MOSQUITO, não afeta apenas a nós – seus amigos, familiares, admiradores e companheiros de militância – atinge a toda a nossa geração e aos lutadores do povo de Santa Catarina. Ele foi um grande lutador pelas causas mais bonitas e valiosas da humanidade: a liberdade, a justiça social, a democracia para o povo trabalhador, o socialismo.

Eu o conheci na viagem para o Congresso de refundação da UNE (Salvador – BA) em 1979 e ali conheci a saúde civil e a impressionante capacidade de indignação que marcava sua personalidade. Durante a viagem, diante de uma barreira policial que tentava impedir nossa delegação de chegar ao Congresso da UNE (então proibido pela ditadura) como uma “ventania” do sul aglutinou rapidamente um protesto. Atuamos juntos, em seguida, na campanha para a eleição estudantil na Universidade Federal de Santa Catarina. Ele era candidato ao Diretório do Centro Sócio-Econômico e apoiava a nossa chapa - Unidade - para o DCE (eleita com Adolfo Dias na presidência, eu era um dos vice-presidentes). Este ano de 1979 ficou na nossa memória histórica como o ano mais importante do movimento estudantil em Santa Catarina. Naquele ano, Mosquito teve um importante papel, marcado por sua presença de espírito, na lutas por um novo Restaurante Universitário e pela preservação da UFSC como Universidade pública; contra o projeto do governo Figueiredo que tentava privatizar as Universidades federais. Fomos companheiros na organização da Novembrada e no cárcere da ditadura.

Depois da Novembrada, Mosquito participou com bravura da luta pela revogação da Lei de Segurança Nacional, enfrentando frontalmente o regime militar. Era um companheiro valente e sincero. Ele marcou nossa geração, que se formou na luta política sob e contra a ditadura, como um símbolo vivo da juventude insubmissa.

Nos últimos anos - no seu “Blog” Tijoladas do Mosquito - denunciou corruptos e corruptores, denunciou crimes dos donos do dinheiro, do poder e da mídia. Em cada tijolada ele falava e publicava o que não se permite publicar na imprensa controlada pelos monopólios econômicos. As causas pelas quais lutou e as denuncias verdadeiras que realizou (e pelas quais foi perseguido) tem por herdeiros a luta do povo trabalhador e de todos que se identificam com sua sede de justiça. Não buscava benefícios pessoais; mas praticar, do jeito que podia e sabia fazer, seu compromisso de vida e de luta.

Sua vida é toda ela um testemunho de rebelião criadora, exemplo de integridade, coragem política. Buscava um socialismo humanista. Sua identidade socialista não se dividia; assim como o ser humano não se divide: não se pode ser socialista em política e agir em contradição com o socialismo em questões econômicas, culturais ou morais.

É difícil prestar um depoimento sobre um amigo. Sua amizade franca, alegre e calorosa enriquecia nossas vidas. Trazia consigo alegria de viver e generosidade espontânea; o que se combinava com sua agressividade na luta pelas causas dos explorados e oprimidos. A evocação de seu compromisso com a humanidade permanecerá presente conosco na luta por uma sociedade verdadeiramente humana. Mosquito lutava por uma sociedade de seres humanos livres e iguais; onde a liberdade de cada será a condição da liberdade de todos e a liberdade de todos a condição para a liberdade de cada indivíduo. Mosquito, obrigado por ter existido.

(14 de dezembro de 2011)

*O professor Geraldo Barbosa foi um dos sete estudantes presos e enquadrados na Lei de Segurança Nacional em 1979 pela participação (ativa) na Novembrada, junto com Amilton Alexandre e outras cinco pessoas.

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O P I N I Ã O
Apropriações
e apropriações
de um legado


Por Celso Martins*

Um dia após o enterro de Amilton (Mosquito) Alexandre dois episódios ilustram que existem apropriações e apropriações, uma legítima, com respaldo na solidariedade, camaradagem e parceria, outra, com ares de ilegitimidade, tende a cair nos braços de interesses político-eleitorais.

A apropriação legítima está sendo operada com muita competência pelos jornalistas Sérgio Rubim (Canga) e Jerônimo Gomes Rubim, já faz algum tempo, através da ocupação do espaço que Mosquito deixou, ainda vivo, conforme podemos observar nos textos por ele deixados (Tijoladas do Mosquito continua no ar). Na real os Rubim continuam uma trajetória iniciada antes do surgimento do Tijoladas, com características próprias.

A outra iniciativa, que poderia assumir características de “desobediência civil” e, aí sim, resultar em medidas concretas e eficazes de moralização da coisa pública, nasce aparentemente tutelada. Estaria surgindo no cabresto de interesses outros, desassociados do que poderíamos chamar de “memórias mosquitianas” ou o jeito “mosquitiano” de se manifestar. Trata-se, aqui, caso a iniciativa tome o rumo apontado em manifesto**, de uma apropriação indébita, uma extorsão intelectual, um estupro politizado.

Felizmente, entre os que tomaram a iniciativa do ato desta sexta-feira (16.12, 17 horas, Catedral), existem cabeças iluminadas que podem conduzir a indignação resultante da morte de Mosquito – pela forma e nas circunstâncias em que aconteceu –, no caminho Político sim, mas com P maiúsculo, sem visar votos na próxima eleição. Caso este setor do movimento social de Florianópolis não consiga conduzir este sentimento pelo caminho sadio e desinteressado, teremos nada mais que um comitê de campanha em franca (e antecipada) atividade.

Nunca é demais lembrar: nos dias que antecederam a morte, Mosquito escreveu e telefonou para diversas pessoas pedindo emprego, queria refazer a vida e precisava de um plus para dar a start. Aquele era o momento para os acólitos de hoje "exaltarem a memória" do blogueiro.


*Celso Martins é jornalista e historiador, editor do Portal de Notícias Daqui na Rede e dos blogs Sambaqui na Rede2 e Fragmentos do tempo2. Cobriu pelo jornal O Estado a Novembrada em 1979 em Florianópolis que resultou nas prisões de sete estudantes, entre eles Amilton Alexandre.

**O citado manifesto abre anunciando o mote: “Mandem me prender! Afirmo, como Mosquito afirmou: Dário é corrupto!” E anuncia um “Júri Popular” denominado “Tijolada por Justiça”, informando em seguida a data e local do ato.

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Enquanto isto, em Santo Antônio de Lisboa...
Foto: Celso Martins, manhã de 15.12.2011

Um comentário:

Gantha disse...

Sou testemunha de quanto o Amilton buscou ajuda nos últimos tempos... Poucos o ajudaram!!! (a seus modos, como puderam)... Como ele mesmo me disse, em 01/12 (última vez que nos vimos: _ Sobram muitos dedos, se for contar os verdadeiros amigos!!!
Nos falávamos, via fone ou net, diariamente... Sexta 09/12 > 22h foi a última vez que falamos! Fui pra serra no final de semana (sem comunicação lá!)e, desde o domingo a noite, quando regressei, até a terça à noite,(poucos momentos antes de ver na RIC a trágica notícia), eu tentava em vão falar com ele ... Caixa postal! Preocupação crescente... Estava a par da situação difícil que o Amilton enfrentava, mas apesar disto acredito que o amor por sua filha pequena, pela mãe idosa e convalescente... Por seus amores, enfim, além de sua história de luta e coragem... Não o deixariam cometer tal desatino!!! Sair 'de cena", sem deixar um bilhete, uma carta de despedida pros seus amores, amigos... E, ou um recado pros seguidores... Umas "tijoladas" nos adversários... Estranho pra alguém que sempre o fez, enquanto tinha tudo a perder (e não foi pouco o que ele perdeu!!!), não fazê-lo quando iria abrir mão da vida e já não haveria mais nada a temer!!! entre outras "estranhezas"... Nem sei se é conveniente publicares este comentário... Estou bem triste, confusa com tudo isto, muito o que processar! De qualquer forma, quis conversar contigo, pq falaste uma grande verdade!