13.10.10

.

C O N F I A N Ç A S


Por Amílcar Neves*

Pego-me então cá comigo, pensando cismático: com mil diabos, como deve ser difícil e arriscado assumir um cargo de governador de estado! Uma pessoa assim deveria de ganhar um salário muito alto para compensar os incômodos e preocupações sem fim com que inevitavelmente irá esbarrar ao longo do mandato!

A informação - mais do que a notícia, a informação - saiu outro dia neste Diário: em Santa Catarina, por exemplo, são quase 1,5 mil os cargos de confiança polvilhados no organograma do Executivo (sem contar os demais poderes). Para ser exato e preciso, são 1.483 as vagas reservadas a essa espécie especial de funcionário público. Consideradas as 26 empresas públicas, fundações e autarquias hoje existentes, e supondo a necessidade média de 20 pessoas confiáveis em cada qual, o total atinge a cifra de duas mil cadeiras à espera de dono!

Poderá alguém, em sã consciência, confiar cegamente em duas mil pessoas? Ou, perguntando de outra forma: em quantas pessoas você, que me lê aí do outro lado desta página, verdadeiramente confia? Por quantos indivíduos botamos nós a mão no fogo, cada um de nós, pobres mortais? Um governador, no fundo, não passa de um pobre mortal, com o agravante de sentar-se muito perto do cofre, o que lhe atrai à vizinhança interesseiros, aventureiros e corsários em busca de fortuna rápida, fácil e assegurada.

Acordados que não existem no mundo duas mil pessoas confiáveis, suspeita-se que não procede existirem dois mil cargos de confiança nem aqui nem na China (mesmo com todo o montão de gente que vive por lá). Assim, um governo que se dissesse liberal, que pregasse as virtudes do mercado para dirimir as vicissitudes da vida e que advogasse a redução drástica do tamanho do estado para minimizar sua presença na vida das pessoas e nas atividades econômicas, começaria por eliminar todas essas funções gratificadas à exceção das nomeações para o primeiro escalão - mantendo somente os secretários de estado como gente da confiança pessoal e irrestrita do governador.

Com isso, tal autoridade acrescentaria ao currículo o mérito adicional e nada desprezível de cumprir, por fim, uma promessa de campanha que todos os candidatos esquecem já no dia da posse: a valorização do funcionário público de carreira - em quem o eleitor sempre poderá confiar irrestritamente, sem sustos ou percalços.

Pego-me, pois, cá comigo, cismando...


PS - "Convém que nos situemos no tempo. As três conferências de [Antonio] Callado para auditórios no exterior foram feitas no apagar das velas da escuridão do governo do general-presidente Emílio Garrastazu Médici - de 30 de outubro de 1969 a 15 de março de 1974 -, que rolou entre a demencial e crescente violência da tortura, no apogeu dos Doi-Codis, dos sumiços de presos e dos cadáveres, com o silêncio garantido pela censura, estúpida e torva, estimulada pela impunidade e a cobertura fardada." Villas-Bôas Corrêa na apresentação de "Censura e Outros Problemas dos Escritores Latino-Americanos", de Antonio Callado.

*Amilcar Neves é escritor com sete livros de ficção publicados, diversos outros ainda inéditos, participação em 32 coletâneas e 44 premiações em concursos literários no Brasil e no exterior. Crônica publicada na edição de hoje (13.10) do jornal Diário Catarinense (Florianópolis-SC). Reprodução autorizada pelo autor.

Nenhum comentário: