13.4.11

. Festival do camarão
na praia das Flores


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por Amílcar Neves


Por Celso Martins (texto e fotos)

Quando chega a noite a praia das Flores se transforma. Durante o dia é ocupada por banhistas. Chiquinho e Alaíde têm lugar cativo, mais ou menos em frente à entrada para a Barra do Sambaqui. Há sempre uma roda de conversadores, outros remendam redes, fazem manutenção nas embarcações de pesca. O movimento de entrada e saída de barcos das duas marinas é intenso. Os restaurantes sempre movimentados.

Logo após o entardecer a paisagem e seus personagens mudam complementamente.

Pessoas vindas de vários pontos de Sambaqui e Barra do Sambaqui, e de outros lugares da cidade, aparecem com suas tarrafas, caixas de isopor e baldes de plástico. Estão prontas para participar do festival de captura do camarão branco, informal e sem necessidade de inscrição.

Tarrafas pequenas, médias e grandes, com e sem argolas, usadas por aqueles que sabem usar e por quem jamais terá familiaridade com o petrecho. Poucos aparecem sozinhos. Em geral estão ali pai e filho, marido e mulher, grupos de vizinhos e de amigos.

Todos aproveitam as luminárias especiais da rua que atraem os camarões.

Estão em busca do científicamente chamado Penaeus schimitti, encontrado desde as Antilhas até o Sul do Brasil. Os pescadores e nem tão pescadores assim, mas apreciadores do prato, o chamam de camarão-branco ou camarão-legítimo. Em outras partes é conhecido também por camarão-lixo, piticaia ou pitigaia, entre outros.

"Na semana passada cheguei a pegar 20 quilos numa noite, só com tarrafa", diz um senhor do Saco Grande, pescando com o filho. São situações excepcionais. Normalmente os tarrafeadores levam entre dois a cinco quilos para casa, dez quando muito, resultado de suas ou três horas de trabalho. Com um quilo é possível fazer um ensopado para duas ou três pessoas.

O labor continua até por volta das 22 horas, quando os pescadores começam a voltar para suas casas. O movimento diminui. A praia das Flores vai ficando vazia. Apenas um ou outro morador, um carro que passa, o ônibus deixando passageiros no ponto. Nem é preciso ter bom olfato para perceber no ar o odor do ensopado. O silêncio da madrugada encontra apenas o vigia da marina, com o estômago cheio, satisfeito com o camarão do dia.















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Por Amílcar Neves*

Está dito no Primeiro Livro das Crônicas, que narra uma longa história de primogênitos:

A descendência de Rúben, o primogênito de Israel: Ele era na realidade o primogênito, mas porque profanou o leito de seu pai, o direito da primogenitura foi conferido aos filhos de José filho de Israel, e assim os rubenitas não foram registrados como primogênitos. (1Cr 5,1)

Ele já perdera o raro privilégio dessa primogenitura, perda que via como uma espécie de pecado original pessoal que vinha somar-se ao coletivo. A isso juntava-se a perturbadora questão da mulher: por inspirar nos homens pensamentos impuros, levando à profanação de leitos, não há dúvida de que ela é impura por natureza. E quanto mais virgem e pura for, mais tenazes e tentadoras serão as impurezas pensadas pelos homens. Um mundo sem mulheres permitiria aos homens o convívio pacífico e harmonioso - sem ciúmes nem desconfianças - indispensável ao bom andamento dos negócios públicos e privados e das guerras em geral, que são outra forma de fazer negócios.

Por outro lado, é devastadora a vingança do Senhor pela desobediência "à palavra do Senhor". A punição faz-se de enorme crueldade e patético derramamento de sangue. A cena é narrada sem meias palavras:

Os filisteus atacaram Israel, e os israelitas fugiram diante deles, caindo muitos feridos mortalmente no monte Gelboé. Os filisteus foram no encalço de Saul e seus filhos e mataram Jônatas, Abinadab e Melquisua, filhos de Saul. Então a luta se tornou mais violenta em torno de Saul e finalmente os arqueiros o acertaram e o feriram. Saul disse ao escudeiro: "Tira a espada e traspassa-me com ela, para que não venham esses incircuncisos e zombem de mim". Mas o escudeiro se recusou, pois tinha muito medo de fazer tal coisa. Então Saul agarrou a espada e se atirou sobre ela. Quando o escudeiro viu que Saul estava morrendo, também se atirou sobre a espada e morreu. Assim morreram Saul e seus três filhos; toda a família se acabou de uma só vez. (1Cr 10,1-6)

Há, portanto, uma necessidade imperiosa de fugir da zombaria e da humilhação, mesmo à custa da própria vida, mesmo depois de 10 anos porque à época não se tinha à mão a espada do escudeiro.

Aos 23 anos de idade e com diagnóstico de esquizofrenia profunda firmado ainda na tenra infância, a espada do escudeiro chama-se internet e ensina com riqueza de detalhes tudo o que se queira ardentemente saber, seja para o bem, seja para o mal. O esquizofrênico é aquele que cria para si um mundo próprio e nele passa a viver, acreditando na legitimidade da sua vivência. É evidente que esse seu mundo possui diversas áreas de contato com o mundo dito objetivo, ou real, pois o doente come, por vezes trabalha e encontra as pessoas na rua. A medicação prescrita opera algum controle sobre as relações entre ambos os mundos até que, por decisão voluntária, o sujeito deixa de tomar os remédios.

Os inocentes sacrificados em volta apenas estavam com a mesma idade e no mesmo lugar em que, aos 13 anos, ele via a garotada prepotente que o ridicularizava sem piedade, mostrando-lhe quanto ele era perdedor naquele mundo do qual ele se excluía, pois nem a mais feia e desengonçada menina da escola lhe dava atenção.

Realengos os temos quase todos os dias em nossas estradas e nas avenidas das nossas cidades, só que as vítimas inocentes sacrificadas em volta não têm nada a ver com o agressor, que sequer é esquizofrênico, apenas é irresponsável e criminoso por gosto e vontade.

*Amílcar Neves é escritor. Crônica publicada na edição de hoje (13.4) do jornal
Diário Catarinense (Florianópolis-SC). Reprodução autorizada pelo autor.













Lançamento do livro Se Te Castigo É Só Porque Eu Te Amo (teatro), de Amilcar Neves, será no dia 29 de abril, sexta-feira, às 20h30, na Barca dos Livros, em frente aos trapiches da Lagoa da Conceição, em Florianópolis.

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