4.4.11

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Sardá e Neves
refletem sobre

Florianópolis


Mais
Olsen, tá ligado?

Cores do outono


Praia do Fogo , Sambaqui. Foto: Celso Martins

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Fora, Capital

Por Laudelino José Sardá

Antes que o leitor me julgue radical neste apelo, convido-o a uma reflexão sobre a Ilha dos palácios e seus inquilinos soberbos. Não é sem motivo que a capital carece de legitimidade e de respeito de interioranos. Até pescadores levam a pecha de mandriões em nome de homens públicos que tornaram a máquina pública ociosa, sedentária e inoperante. As construções públicas ocuparam as áreas nobres e ofuscaram a identidade histórica da Ilha, que se desordenou aos interesses de governantes e caudatários. As suas praias ao norte foram arrebatadas por caudilhos e a maioria dos prefeitos não passou de intendente da regência estadual.

Mudar a capital implicaria várias estratégias, entre as quais a redução da estrutura, com demissões incentivadas e utilização da tecnologia para alcançar a eficácia do serviço público. Muitos funcionários não deixariam a Ilha, o que permitiria profissionalizar o governo, com menos políticos e aduladores. Os investimentos em construções na nova Capital seriam recuperados em médio prazo, com a redução dos excessivos gastos na Ilha e em secretarias regionais. Em Floripa, só ficariam servidores da saúde, educação e segurança.

E a Ilha? Com certeza, rejuvenesceria. O prédio do Legislativo daria lugar a um centro de convenção (o atual, no aterro, seria implodido), o Centro Administrativo, na SC-401, abrigaria um instituto de recuperação de menores infratores; o Palácio da Agronômica um museu; a sede do Tribunal de Contas, um enorme aquário, e os demais prédios vendidos para ajudar a recuperar a ponte Hercílio Luz. Enfim, a Ilha finalmente seria uma cultura viva, liberta das artimanhas políticas. E agora, você concorda que a Capital deva deixar Floripa? Ah, os órgãos federais têm que ir junto. E a justiça também. E que levem o sistema de tratamento de esgoto do aterro.

*Laudelino José Sardá é professor e jornalista. Artigo publicado no jornal Diário Catarinense (Florianópolis-SC) do dia 2.4.2011. Reprodução autorizada pelo autor.

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Qual cidade
queremos

para esta Ilha?


Por Amílcar Neves*

A pergunta deveria ter sido feita na década de 50. No mais tardar, no início dos anos 60. Aliás, deveriam ter sido feita a pergunta e dada a resposta. Qual cidade queremos plantada nesta Ilha?

Talvez pergunta e respostas (nunca seria uma única resposta) tenham ocorrido. Mas aí veio 1964, o golpe militar de 1º de abril com apoio de civis oportunistas que derrubou o presidente democraticamente eleito, que rasgou a Constituição, que implantou uma ditadura cruel e que espalhou o terror em todo o País - terror de Estado, inadmissível sob qualquer argumento. Durante 21 anos ninguém pôde impunemente perguntar nada e, menos ainda, discutir caminhos, alternativas, opções, ideais. Não se podia viajar para o exterior e ver o que acontecia lá fora, não existia a internet pulverizada em cada computador. Não havia sequer computadores pessoais. O que acontecia lá fora por si só já questionava o que se fazia aqui. Daí a censura ao pensamento crítico e o controle do que as pessoas liam, viam ou aonde iam. Ditaduras funcionam assim: implantam o medo como política de governo mas têm um medo terrível de ideias, de palavras, de livros e de sonhos. Estas coisas costumam ser muito perigosas.

Assim, onisciente, a ditadura se associou a empresários gananciosos, se apoiou em políticos carreiristas, seduziu com o falso (e caríssimo) milagre brasileiro a classe média deslumbrada e, aqui, neste pedaço de terra cercado de água por todos os lados, aterrou as baías e derrubou as casas velhas e abateu as árvores e permitiu a especulação desenfreada: nada de um projeto urbanístico, nada de avenidas nos bairros, nada de aproveitamento decente do mar, nada de paisagismo, nada de praças, parques e áreas verdes - o mar da Baía Sul, por exemplo, poderia continuar chegando até o Mercado Público e a Praça XV de Novembro, até o Forte Santa Bárbara, a sede dos clubes de remo e o Centro da cidade, até a Alfândega e o Miramar (nada justifica a sua demolição arbitrária) através de amplos braços de mar que possibilitassem a navegação em canais no meio de gramados frequentados pelas pessoas.

(Claro que esta redefinição urbanística ainda pode ocorrer: é bem mais barata do que construir uma Capital no centro geográfico do Estado, como querem alguns, como se a gestão pública a partir do ponto central fosse fundamental para o sucesso administrativo quando as alternativas de comunicação instantânea já estão à disposição dos mortais comuns. Fundamentais são seriedade de propósitos e honestidade de princípios, que parecem faltar a essa tese recorrente de centralização e à imensa maioria dos nossos homens públicos.)

O início simbólico de tudo o que se seguiu, o triste fim da cidade de Eduardo Dias, foi o soterramento da Ilha do Carvão, na década de 70, e a demolição do castelinho que ali havia, o qual supria de combustível as embarcações que singravam as duas baías em função de um porto que já existiu no Centro da cidade: ali se fincaram as patas da ponte que leva o nome do governador que a implantou.

Hoje, o que nos resta é isso: o cinismo e um vício de botar tudo abaixo antes que alguém tenha a péssima ideia de tombar (uma árvore, um casarão histórico, uma área pública, um pedaço de manguezal) e uma cidade que perdeu sua identidade e todo o charme histórico. Uma cidade entupida, uma cidade moderna igual a qualquer outra no mundo.

Hoje, só nos resta a Ilha. Mas por quanto tempo ela ainda resistirá, já tão gravemente mutilada também?

*Amílcar Neves, escritor. Crônica publicada na edição de 23.3.2011 do jornal Diário Catarinense (Florianópolis-SC). Reprodução autorizada pelo autor.

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PS - Caríssimas amigas, estimados amigos,

O meu livro Se Te Castigo É Só Porque Eu Te Amo (teatro), editado pela Letras Contemporâneas e apoiado pelo Edital Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura, da Fundação Catarinense de Cultura, será lançado no próximo dia 29 de abril, sexta-feira, às 20h30, na Barca dos Livros, em frente aos trapiches da Lagoa da Conceição, em Florianópolis.

Gostaria muito de abraçar pessoalmente, na ocasião, cada um de vocês. E, claro, ninguém está obrigado a comprar o livro que, com 80 páginas, tem o preço de R$ 20,00. O que vale é conhecer as acolhedoras instalações da Barca e bater um bom papo numa noite muito agradável.

Espero vocês lá. De coração,

Amilcar Neves.

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ESTÁ TUDO DOMINADO

Por Olsen Jr.


De tanto ouvir a expressão quase escrevo “ta ligado”. O caso? Eu conto como o caso foi. Tem uma hora que você começa a se aporrinhar com tudo. Imagina que existe um complô não planejado, mas latente esperando pela menor distração para se impor. Não se trata de “mania de perseguição”, nem de TOC – transtorno obsessivo compulsivo, tampouco da introjeção de alguma debilidade recém descoberta ou ainda de um gene recessivo que se tenha manifestado de maneira esdrúxula.

Pensei que era uma folha colada na lataria do carro. Depois percebi que era a tinta que tinha saído. Alguém (que não sou eu) tinha feito aquilo. Um dia na oficina para por em ordem a pintura. Tempo e dinheiro que poderia ser mais bem empregados. Passam dois dias e percebo, no mesmo lado esquerdo do veículo, que um objeto contundente raspou o pára-choque enquanto o mesmo estava estacionado. Tenho que começar tudo novamente: oficina, tempo e dinheiro... Ninguém está imune às fatalidades, isso entendemos, mas deveríamos ter respeito por nós e pelos outros, por aquilo que não nos pertence.

Pago uma conta em um bistrô que frequento há muito tempo. Guardo a nota e no dia seguinte, acreditando que paguei demais, somo tudo novamente e percebo que fui lesado em R$ 33,00 (quase outra conta), reclamo e sou ressarcido com a desculpa de que foi uma falha do sistema. Dá licença, não é o homem que programa o tal sistema?

Entro em uma livraria onde centenas de livros estão em cima de várias mesas, pretensamente ao custo de R$ 9,90 a unidade, escolho vários e vou pagar. Para surpresa minha alguns estão com o preço anunciado e outros com o dobro. Chamo a atenção da moça e ela responde que em uma das mesas os preços são diferentes, bastava ler atentamente as tabuletas dispostas pelo recinto. Naturalmente para chamar os clientes, aquelas que tinham os tais “R$ 9,90” estavam em destaque e em maior número.

Você não pode abrir a guarda. Parece que todo o mundo está bancando o espertinho. A mulher te ultrapassa na rampa do shopping e você se pergunta “para que a pressa?” quando chega junto com ela no sinal que está fechado; o cara que se acha esperto por avançar pelo acostamento quando você está a mais de uma hora em fila indiana depois de um dia de trabalho, qual é a ideia?

Não tem ideia nenhuma, é falta de educação mesmo, de respeito...

Ignoramos o que é a civilização porque nunca tivemos uma, e quer saber mais? Lembrei de um texto anônimo tirado de uma pichação na França em maio de 1968 (o ano que não terminou, segundo o Zuenir Ventura) “estamos diante do inimigo e o inimigo somos nós.”

Nada mais verdadeiro... E patético, acrescento!

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CORES DO OUTONO

Praia do Fogo (Sambaqui)


Fotos: Celso Martins













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