27.4.11

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As Santas pernas (de fora),
por Amílcar Neves


Guantánamo: Crime contra
a civilização
e Agregar,
por Emanuel Medeiros Vieira



Canto do Moreira. Ratones. Florianópolis-SC. Foto: Romualdo Litânio

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GUANTÁNAMO:
CRIME CONTRA

A CIVILIZAÇÃO



Por Emanuel Medeiros Vieira

A permanência da prisão de Guantánamo é um escárnio e um crime contra a civilização e contra a democracia.
Os 779 documentos publicados por diversos jornais e pelo site WikiLeaks, revelam com detalhes inéditos até onde foi a arbitrariedade no trato com suspeitos de terrorismo, e a existência da mais perversas torturas.
Em nome da democracia?
Guantánamo é um crime contra a humanidade.
Não esqueçamos que Obama, em sua campanha, prometeu fechá-la.
Muitos inocentes passaram e têm passado anos na prisão, sem qualquer denúncia formal e sem qualquer prova contra eles.
Um taxista foi preso porque conhecia bem o Afeganistão.
Um garoto de14anos foi vítima de sequestro.
Também foi preso um homem de 89 anos com demência senil.
Bastava ser muçulmano para ser encarcerado.
Os documentos revelam também os manuais usados pela CIA, com diretrizes que tornavam quase impossível a um inocente mostrar que não era extremista.
Dos 212 afegãos que passaram pela prisão, quase metade era de gente ou completamente inocente ou forçada a trabalhar para o Talibã, ou transferida para Guantánamo sem nenhum motivo que constasse nas fichas de avaliação das forças norte-americanas.
Uma centena de prisioneiros foi diagnosticada com depressão, psicose e doenças similares.
Ficou claro que agentes norte-americanos se basearam fortemente em depoimentos obtidos sob tortura.
Eles eram instruídos a tratar qualquer muçulmano como apoiador da Al Qaeda.
E falam em democracia e em defesa da civilização!
Até quando?
Repito: até quando?
Triste é a humanidade que se fecha em conchas e no individualismo mais feroz.
“Compre e seja feliz”: é o modelo que querem nos impor.
Parecem nos dizer: ”Esqueçam o resto, cuidem-se apenas de si mesmos!”
É o reino dos consumidores (para poucos), nunca dos cidadãos.
Não somos ilhas.
Um crime cometido contra um ser humano também é praticado contra mim.
Soará retórico? Eu sei.
Porque “humanismo” é uma palavra que caiu no esquecimento?

(Salvador, abril de 2011)

*

A G R E G A R

Poema de Emanuel Medeiros Vieira*



“Não Matarás”: não basta.

Teu mandamento será este: farás tudo para que o outro viva.

É vero sim o que quero:

não me importa o estoque de teu capital, Brasil,

mas tua capacidade de: amar

lavrar

aspirar

compreender.

Esse estatuto de miséria não é o nosso,

e a tecnologia da última geração não me sacia:

meu coração navegador quer mais.

A Ética – cuspida, debochada, no reino do simulacro,

Virou produto supérfluo porque não tem valor contábil.

Tempo dessacralizado e sem utopia:

a esperança é um cavalo cansado?

A aventura acabou no mundo?

Seremos apenas meros grãos de areia na imensa praia global?

Habitantes de um mundo virtual neste mercado sem cara?

Soará pomposo, eu sei:

não deixemos que nos amputem a alma

(e que acolhamos o outro).

Ser gente: não mera massa abúlica, informe, com os olhos colados

no retângulo luminoso de todas as noites.

O tempo é apenas dos alpinistas sociais?

Sou bom porque apareço, não apareço porque sou bom.

Na internet a solidão é planetária.,

mas do abismo – fragmento – irrompe um menino eterno,

e sentes o cheiro de uma manhã fundadora.

(A Morada do Ser é mais importante que o poder/glória.)

E o poema resiste,

singra a eternidade,

despista a morte,

seu estatuto não é mercantil.

Já não esqueces o essencial:

Na estrada de pó e de esperança, acolhes o outro.


*Este texto obteve o Primeiro Lugar no Concurso Nacional de Poemas, promovido pela Associação de Cultura Luso-Brasileira, de Juiz de Fora, Minas Gerais, sendo contemplado com a Medalha de Ouro “Jacy Thomaz Ribeiro.” O tema do concurso foi “Solidariedade: Por um Mundo Melhor.”

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Santas pernas (de fora)

Por Amílcar Neves*

Depois que passou pela banca de revistas e jornais, onde se demorou bisbilhotando a capa das publicações expostas para inteirar-se das novidades do mundo, do Brasil e das telenovelas (em especial destas, embora não o admita nem no íntimo de si próprio), a primeira pessoa que João Osório encontrou na rua foi o primo Manoel Osório, mas nem lhe ocorreu de perguntar, ainda que apenas socialmente, o que o outro fazia em Tubarão, no Sul do Estado, onde não era visto há décadas. Percebia-se que João Osório vinha furioso, botando fogo pelas ventas, como se dizia em sua época.

Indignado como andava, o tipo de pessoa que não gostaria de encontrar, assim no fervor do seu inconformismo, era exatamente alguém como Manoel Osório, com sua mania sempre irritante de tudo questionar, querendo avaliar o outro lado das questões ainda que ele próprio não concordasse com tal face alternativa das demandas. Assim, contrariado, João Osório precisou conter-se ao falar com o primo distante, ao invés de, no ímpeto da sua revolta, descarregar logo todo o caminhão, entornar logo todo o caldo, dar vazão logo a toda a sua fúria santa.

Como todos sabemos, a frondosa família Osória espalha rama pelo chão em todos os municípios da Região Sul de Santa Catarina, assumindo em cada cidade postos de mando nas letras e nas artes, no poder temporal e no espiritual, nas associações, nos sindicatos e nas cooperativas. Todos eles tradicionalmente advogados formados nas melhores casas de ensino do ramo, são Osórios prefeitos, vereadores e deputados, donos de rádio, jornal e televisão, juízes, promotores e procuradores, prosadores, pensadores e poetas, pintores, escultores e diretores de teatro, professores, diretores e inspetores escolares, padres, bispos e pastores. Em resumo: onde houver uma parcela de poder em todo o Sul, lá haverá, brilhante, uma mente Osória assumindo o comando. Menos em Imbituba, terra dos Bittencourt, onde Osório algum jamais se criou.

- Posso estar errado, primo - foi logo dizendo João Osório -, e é até possível que esteja, mas foi essa a educação que recebi do grande Camargo Osório, meu distintíssimo pai, que Deus o tenha. Posso estar errado, mas não consigo enxergar o meu erro quando me vejo perplexo ao dar de cara, já na primeira página de um jornalão do Rio ou de São Paulo, com a foto de uma mulher de vestido vermelho curto com rasgo na altura da coxa até lá em cima, no meio de uma celebração da Paixão de Cristo. Por que ela faz isso? Há intuito sexual nessa vestimenta ou ela não percebe a provocação do ato, vestindo uma roupa assim sem atentar para os efeitos que causa ao redor, para o desrespeito às coisas de Deus e da religião?

Contendo-se no limite extremo das suas possibilidades, João Osório toma ar com dificuldade e desabafa:

- Pois ainda outro dia, meu caro primo, no velório do nosso pranteado tio Honorato Osório, lá estava Honorinha Osória, sua filha já casada, de minissaia e blusa decotada chorando o passamento do pai. Aquilo é roupa para um velório, Manoel Osório? Diga-me lá: com aquele corpão ela não desconfia que estará levantando pensamentos pecaminosos e olhares gulosos por todo o recinto? Não se dará conta de que exala sexo por todos os poros deixados visíveis? E o respeito ao pobre pai, finado ali à frente, onde é que fica?

João Osório tosse profundamente antes de concluir:

- E o respeito a todos nós, pobres homens, pobres mortais, que nada poderemos fazer naquele momento, naquele local de dor?

*Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados, diversos outros ainda inéditos, participação em 32 coletâneas e 44 premiações em concursos literários no Brasil e no exterior. Crônica publicada na edição de hoje (27.4.2011) do jornal Diário Catarinense (Florianópolis-SC). reprodução autorizada pelo autor.

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ESTAREMOS LÁ!

"Caríssimas amigas, estimados amigos,

O meu livro Se Te Castigo É Só Porque Eu Te Amo (teatro), editado pela Letras Contemporâneas e apoiado pelo Edital Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura, da Fundação Catarinense de Cultura, será lançado no próximo dia 29 de abril, sexta-feira, às 20h30, na Barca dos Livros, em frente aos trapiches da Lagoa da Conceição, em Florianópolis.

Gostaria muito de abraçar pessoalmente, na ocasião, cada um de vocês. E, claro, ninguém está obrigado a comprar o livro que, com 80 páginas, tem o preço de R$ 20,00. O que vale é conhecer as acolhedoras instalações da Barca e bater um bom papo numa noite muito agradável.

Espero vocês lá. De coração,

Amilcar Neves".

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