18.8.10

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Determinismo geográfico


Por Amílcar Neves*

São tão poucas, em tão pequeno número, as pessoas que nos leem (menos mal que sua profunda formação cultural e seu apurado senso crítico compensam a rarefação da quantidade), que muito nos custa arriscar perder a sua atenção, a sua leitura semanal.

Assim, quando esses leitores advertem que não se escreva sobre futebol porque o futebol não é, talvez, digno das melhores letras, deve-se levar muito em conta tal manifestação. Há uns até que não aceitam que se aborde nestas crônicas qualquer tipo de desporto, e são categóricos quando afirmam que não perderão jamais o seu tempo com linhas que tratem de temas esportivos, por mais que apreciem (em circunstância diversa) os dotes literários do autor.

Mas, por outro lado (as coisas, assim como os espelhos, costumam ter pelo menos dois lados), de repente chega o Nildão, um sujeito que lê literatura, e, no início da noite de domingo, te aborda e te intima, "olha aí, atendendo a pedidos, hem!, esta semana tens que falar disto aqui". "Isto aqui", dito à sombra dos muros da Ressacada, refere-se à vitória do Avaí sobre o Corinthians, depois de ter abatido um após outro o São Paulo no Morumbi, o Palmeiras em casa e o Santos no Pacaembu, ceifando impiedosamente os campos paulistas.

Mais importante, "isto aqui" celebra a terceira colocação do Leão da Ilha na Série A do Brasileirão com o ataque mais fulminante da competição.

Independente do que venha a acontecer nos anos vindouros e, mesmo, até o final deste 2010, o desempenho do Avaí desmente de vez um certo "determinismo geográfico" que impediria que algo catarinense, que qualquer coisa daqui, pudesse ter excelência nacional - discriminação que, no esporte, Fernando Scherer na natação e Gustavo Kuerten no tênis já haviam derrubado com conquistas internacionais de ponta.

Esse colonialismo a que nos submetemos parece provir em parte da atitude provinciana dos nossos políticos e governantes, que raramente olham para além dos limites do Estado e de certa forma afogam aqui todo talento nascente.

Cabe agora às diversas manifestações culturais desenvolvidas em Santa Catarina expandirem-se nacionalmente, projetando trabalhos com a qualidade que o esporte mostrou ser possível atingir - ao invés de ficarmos nos lamentando, queixando-nos uns aos outros pela desgraça que nos acometeu de, humílimos, vivermos nesta terra de sol e mar, apenas.


*Amilcar Neves é escritor com sete livros de ficção publicados, diversos outros ainda inéditos, participação em 32 coletâneas e 44 premiações em concursos literários no Brasil e no exterior. Crônica publicada na edição de hoje (18.8) do jornal Diário Catarinense (Florianópolis-SC). Reprodução autorizada pelo autor.

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