28.8.10

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Fé e resistência
Celso Martins

Cartas Baianas (5)
Fascismo galopante?
Emanuel Medeiros Vieira

Quem estrangula a
"alma livre dos povos"?

Juan Almendares (Honduras)

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Fé e resistência


Por Celso Martins

Dois eventos católicos neste sábado (28.8), em Ratones e em Santo Antônio de Lisboa (Florianópolis-SC), ilustram bem a força da religiosidade popular entre os descendentes dos imigrantes açorianos e dos que foram influenciados por essa cultura. Em Ratones será reinaugurada às 15 horas uma controversa capela erguida em 1924, motivo de longa tensão entre os fiéis locais e as autoridades religiosas. Recentemente, o padre anunciou a sua demolição, o que não chegou a acontecer devido à ação dos moradores. Em Santo Antônio de Lisboa prossegue mais uma Festa do Divino Espírito Santo e Nossa Senhora das Necessidades, festejo proibido pela cúpula católica no início do século 20, mas que se manteve por persistência dos irmãos da Irmandade do Divino e outros católicos.


Ratones rebelde

A primeira inauguração da capela dedicada a Nossa Senhora dos Remédios aconteceu no dia 16 de outubro de 1924, com missa celebrada pelo vigário padre João Casale e a presença de cerca de 1.500 pessoas, conta o historiador Sérgio Luiz Ferreira em seu livro "Histórias quase todas verdadeiras - 300 anos de Santo Antônio e Sambaqui".* No capítulo "Ratones - a comunidade rebelde", o autor narra as difíceis relações entre os católicos locais e as autoridades eclesiais.

"A capela foi construída em terreno particular", escreve Ferreira, mas não foi benta porque o zelador e responsável por sua construção, Antônio José da Rosa, não aceitou doar o imóvel à Mitra Episcopal. A situação permaneceu assim até a década de 1930, quando o então arcebispo visitou o "oratório particular" de Ratones.

Na década de 1940 foi a vez do padre Amilcar Gabriel sentir na pele a independência dos católicos locais. Primeiro em 1947, quando, ao anunciar o desejo de visitar a comunidade, recebeu um não como resposta. "Só querem padre para as festas", anotou. Também não enviaram condução para que fosse a Ingleses. "Pelo que parece o Norte da Ilha é mais arredio da religião", deixou registrado.


Ditames de Roma

Entretanto, nesse mesmo ano de 1947, padre Amilcar conseguiu chegar em Ratones, acompanhado do cônego Frederico Hobold e membros da "Liga de São Pedro". Deveria celebrar missa às 10 horas, conforme aviso que mandara distribuir, mas ela começou com meia hora de atraso, acompanhada por cerca de 50 pessoas levadas pela "curiosidade". O padre anotou que os moradores de Ratones eram "rebeldes", o "povo relaxado" e os encarregados da capela "encrenqueiros" (e outros adjetivos). Para piorar as coisas ele teve uma "pousada horrível na sacristia".

A gota d'água da queda de braços entre o padre Amilcar e a comunidade viria dois anos depois. Em meados de novembro de 1949 ele avisou aos moradores que no dia 29 visitaria a capela, tendo se apresentado no dia previsto, mas a capela estava "propositalmente" fechada. Os encarregados haviam saído de casa e as pessoas que ele encontrou "não quiseram dar a chave". Por isso não houve missa e o padre Amilcar deixou Ratones praguejando: só voltaria ao lugar por ordem expressa do arcebispo e proibiu o sacristão de fazer novenas de festas.

A "atitude rebelde" dos católicos de Ratones, segundo Ferreira, não resulta de simples desobediência, ignorância ou preconceito, como acusara o padre. "Ela é o grito da resistência da religiosidade popular, característica fundamental da religião ibérica", diante do processo de "romanização" da igreja ocorrido no início do século 20, ou seja, "a adequação da religião e de suas práticas aos ditames de Roma, retirando todas as características de religiosidade popular".


Divino proibido

A "romanização", segundo a mesma fonte, "consistia em proibir as chamadas manifestações populares como terno-de-reis, folia do divino e certas novenas. Pretendia acabar com a dimensão profana das festas religiosas, como os 'malfadados bailes', como dizia padre Amilcar". A idéia era "transformar a religião católica em algo mais racional e conforme a doutrina oficial".

Um dos que mais se dedicou a essa cruzada contra a religiosidade popular foi frei Evaristo Schürmann que, em 1938, publicou o documento denominado "Peditório com a Bandeira", repetindo o que havia dito em 1910: "Continuam proibidas as chamadas folias, bem como as devoções feitas em casas particulares com a presença das bandeiras". Conforme Ferreira, "a igreja proibia que o peditório da bandeira fosse acompanhada da cantoria, chamada de Folia do Divino".

As novenas continuaram, mas a folia não, pelo menos na maioria das comunidades. "Não era fácil para a religiosidade popular continuar a sobreviver tendo os padres como adversários". Mais recentemente, após o Concílio do Vaticano II, a igreja passou a valorizar "essas manifestações religiosas e tem ressuscitado em muitas paróquias as festas, novenas e folias do Divino".

O que acontece no distrito de Santo Antônio de Lisboa é um exemplo vivo da permanência dessa religiosidade popular, renovada em alguns aspectos, mas que mantém vivo o sentido do perdão e da doação. Uma festa que inova com o Cozido e a Farinhada do Divino, por exemplo, ao mesmo tempo que mantém a simbologia principal (a pomba, a coroa, a bandeira, a massa, as novenas, o peditório, a irmandade, o casal imperial), assegurando assim sua continuidade.

* FERREIRA, Sérgio Luiz. "Histórias quase todas verdadeiras - 300 anos de Santo Antônio e Sambaqui". Florianópolis: Editora das Águas, 1998.


Saiba mais

1) "A Folia Proibida: Imposicao de Disciplina e Ordem na Festa do Divino". Márcia Alves. Aborda as mudancas ocorridas na festa do divino em Florianopolis, pertencentes a urn processo disciplinarizador dos hábitos e costumes da população entre 1890-1930. Íntegra.

2) "Festas do Divino no Brasil". Cáscia Frade. Textos Escolhidos de Cultura e Arte Populares, vol.2. n. 2, 2005. Leia aqui.

3) "Culto ao Espírito Santo no Brasil Meridional". Joi Cletison Alves, historiador e diretor do Núcleo de Estudos Açorianos (NEA-UFSC). Confira.


Capela de Nossa Senhora dos Remédios



Capela depois da restauração.

Antes.

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Cartas Baianas (5)
FASCISMO GALOPANTE?

Por Emanuel Medeiros Vieira

Não pelo fato de nossos valores éticos perderem uma eleição, que devemos nos calar.

Em toda a História, um dos maiores crimes foi a omissão. Muitas lavam a mão, como Pilatos, para evitarem “incômodos”, mesmo aqueles ditos humanistas, cujo medo indica que vão morrer sem a solidariedade de si mesmos, como disse Mário de Andrade.

Em outra “Carta Baiana”, eu lembrava (dramaticamente, eu sei), que no dia do Calvário, a massa aplaudia a causa triunfante dos crucificadores, mas o Cristo, solitário e vencido, era a causa de Deus.

O ator Carlos Vereza (ex-petista e membro do Partido Comunista Brasileiro), afirmou que seria muita ingenuidade acreditar que o “fascismo galopante” que aparelhou o Estado brasileiro iria entregar a um outro presidente que não seja do esquema lulista, os cargos, as benesses, os fundos de pensão, o nepotismo, “enfim, a mais deslavada corrupção jamais vista no Brasil”.

E quando criticamos o populismo corrupto em fomos naufragados, nos chamam de “udenistas”, como se a ética fosse valor pequeno-burguês.

Não inventei nada.

O imperativo da ética na política já havia sido defendido (não agora, senhores...) por Aristóteles. Sim, política como ato de ética na “cidade”, na “polis”, como dever da cidadania, e não fisiologismo e corrupção.

Vereza lembrou que “prêmios” recebidos por Lula, como o Chatham House, em Londres, contou com “patrocínios” de estatais como Petrobrás, BNDES e Banco do Brasil.

Matérias em revistas estrangeiras enaltecem a figura do “mantenedor da estabilidade na América Latina”. Ou seja, no dizer do grande ator, é a “montagem virtual de um grande estadista”.

Quando uma figura tão pequena e menor é avaliada como estadista, é porque os puxa-sacos que mamam nas tetas do Estado não sabem o que significa a palavra.

São “inaugurações” de obras que sequer foram iniciadas, é um programa que só existe nas placas (PAC), o boicote sistemático às CPIs, como a da Petrobrás.

Quando o governo brasileiro apóia implicitamente ou não condena explicitamente, delinquentes e narcotraficantes que querem se passar por guerrilheiros(Che Guevara se remexe no túmulo), e busca o apoio dos super-mercados universais da fé, como as igreja neo-pentecostais, é para arrepiar a espinha.

(Como deveria condenar os paramilitares de direita que ainda agem na Colômbia.)

Um dos melhores quadros intelectuais da minha geração, é Eduardo Dutra Aydos, amigo de longa data, com quem militei ativamente na política estudantil no Secundário e na Universidade, no Rio Grande do Sul.

(Nas passeatas, como eu era o mais alto, tinha que ir lá pra frente. E não era mesa de bar não!

Polícia , agentes à paisana, alcaguetes, cassetetes, gás, cães ferozes e a porrada comendo solta.)

Eu não apoiava a ditadura como José Sarney e outros amigos do Lula.

Aydos foi presidente do Centro Acadêmico André da Rocha, da faculdade de Direito da UFRGS, onde estudamos juntos. Com outros bravos companheiros, íamos às ruas pela democracia e criávamos também grêmios literários, cine-clubes e cursinhos pré-universitários para a população carente que não poderia pagá-los.

É necessário que transcreva trechos da mensagem que o dileto amigo me enviou:

“Me solidarizo com as tuas Cartas Baianas. São escritos contemporâneos e fundamentados.

Muito a frente dos seus detratores.

Testemunha a sobrevivência possível da esquerda que fomos, na universalidade dos princípios que recusamos trair: liberdade, solidariedade, lealdade, honestidade, coragem cívica, vida e paz.”

Ele escreve mais: “Podemos errar e divergir, mas a nossa amizade é encontro na dignidade destes princípios. Não há política fora dessa dignidade.”

E não há democracia fora dessa política. Não inventei isso. É a visão de Aristóteles.

O fundamento da vida política é a amizade.

Amizade, como celebração do encontro proativo entre nosso particularismo e os valores universais que partilhamos.”

Vou encerrar, lembrando nos tempos de clandestinidade, perseguição, tortura e processo político - enquanto a família Collor e a família Sarney humilhavam Alagoas e o Maranhão.

(Quem também apóia Lula e Dilma é um dos financiadores da tortura brasileira, que ajudou ––junto com outras pessoas e entidades– na criação da OBAN paulista, um dos maiores centros de tortura da América Latina, onde padeci por dez longos dias e na qual muitos companheiros foram massacrados. Não preciso citar o nome de um ex-alcaide e ex-governador paulista.)

Peço a todos os homens de bem do meu país: não esmoreçam. Sejam estóicos! Não se omitam, não se calem, não tenham medo!

Aprendi nos meus 65 anos: sempre crescemos no combate às trevas.

(SALVADOR, AGOSTO DE 2010)


NOTA - Os blogueiros interessados em receber os textos de Emanuel Medeiros Vieira para publicação podem entrar em contato com celsodasilveira@gmail.com.

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Quem estrangula a
"alma livre dos povos"?


Por Juan Almendares*

“Hombres que habéis abusado de los derechos más sagrados del pueblo, por un sórdido y mezquino interés… ¡Con vosotros hablo, enemigos de la independencia y de la libertad!”. Francisco Morazán

A campanha midiática contra as organizações magisteriais hondurenhas é local e internacional. A essência da propaganda é privatizar a educação e obstaculizar a liberação dos povos da América Latina.

O componente formal é apresentar o magistério como inimigo da educação. Justificar a redução do gasto público e destruir as organizações magisteriais.

Duas personagens do show midiático internacional têm entrado nesta cena da performance teatral oligárquica. Ambas as duas radicadas em Miami. Uma, cantora e dançarina, e o outro especializado em ridiculizar os valores culturais e os próceres da América Latina.

Maria Conchita Alonzo (cubana venezuelana) cuja presença de agosto em Honduras foi para festejar o aniversário do “herói” representativo do golpe militar sanguinário, fazer campanha contra Cuba e Venezuela e justificar a repressão contra os trabalhadores da educação e a Frente Nacional de Resistência Popular.

Conchita teve o rechaço do povo quando expressou: “A verdade está dentro de mim”. Em outras palavras “A verdade sou eu”. Em conseqüência por ser falsa esta afirmação tudo o que disse Conchita sobre Cuba, a Venezuela e Honduras se fundamentou na falsidade.

Andrés Oppenheimer de Miami (argentino) ideólogo e defensor do capitalismo financiero, soberbo veio dar receitas sobre a educação (estigmatizar o magistério). Ridiculizou as idéias de Morazán e Bolívar e recomendou que deveríamos esquecer-nos da história e dirigir o olhar para adiante (O Norte) e não sermos solidários com os povos do SUL.

Por quê esquecermos a Morazán? Quem são e têm sido os que estrangulam aquela idéia central do seu pensamento: “A educação é a alma livro dos povos”?

Controlar a educação de um povo é atentar contra a liberdade, dominá-lo e oprimi-lo. Despojá-lo de seus valores culturais. Deformar a consciência crítica e reflexiva dos educadores. Alienar os professores e professoras para que aprendam e ensinem os valores individualistas da violência do capitalismo que empobrece e enferma nossos povos.

O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional estão conscientes que a educação, saúde, a informação e segurança privada são mercadorias valiosas que lhes são vendidas em pacotes metodológicos (fraude) aos países explorados e que é necessário aniquilar as organizações magisteriais para privatizar a educação em nível local e internacional.

Quem são os responsáveis de que em Honduras se gaste mais em armas do que em educação? A oligarquia dispõe de mais armas, balas e polícia privada que a quantidade de sacos de milho, feijão e litros de leite disponíveis para a merenda escolar.

O aparelho repressivo tem colocado em prática a pedagogia do terror e a tortura que aprendeu na Escola das Américas. Depois do golpe militar se produziram, com relação ao magistério, 15 assassinatos e centenas de perseguições e traumatizados pela brutalidade policial e militar.

As perdas econômicas totais pelo golpe castrense ainda não foram quantificadas. Só durante o fechamento das fronteiras deixaram-se de receber 3 bilhões de dólares. Quarenta milhões de dólares foram retirados da cooperação externa educativa imediatamente depois do Golpe Mlitar.

Constituem investimentos onerosos que deveriam ser empregados na educação: a mobilização de tropas para reprimir o povo; os gastos nas bases e manobras militares estadunidenses; os privilégios da casta militar e policial e a quantidade de seguranças para cuidar dos altos funcionários; os gastos invisíveis nas campanhas midiáticas e as estruturas do clientelismo.

A estratégia da oligarquia golpista e do complexo militar, mineiro agroindustrial e energético é privatizar tudo e ser dona dos rios, costas marítimas, bosques, água, ar e de todo o país e converter os pobres em dejetos humanos sem educação.

Para realizar este horrendo plano, pretendem aniquilar o magistério, promover a educação privada dos futuros robôs e escravos em lugares nos quais os pobres não têm espaço social.

A oligarquia deforma os fatos, não fala do professor de turmas de diversos níveis, do abandono das escolas camponesas e dos bairros pobres nem da mercantilização da educação privada.

A guerra midiática contra os professores e professoras tem utilizado todos os mecanismos possíveis da propaganda e os instrumentos da violência.

A estratégia teve quatro eixos: o primeiro reduzir o problema educativo à responsabilidade do magistério. O segundo é que o maior gasto na educação se centra no professorado.

O terceiro desqualificar à educação pública com o objetivo de privatizá-la e colocá-la a serviço ideológico da oligarquia e o capital financeiro.

O quarto estigmatizar o magistério, desacreditá-lo e justificar o uso da força militar, policial, midiática com a finalidade de aniquilar o movimento magisterial.

Educar para viver e não educar para matar. Menos armas e mais educação!

*Versão em português: Raul Fitipaldi, de América Latina Palavra Viva.

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