8.8.11

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O PALHAÇO SEM GRAÇA

Ilustração: Uelinton Silva

Por Olsen Júnior

Na casa lotérica perguntei se podia pagar com o cartão. O atendente disse que sim, depois – como se lembrasse de alguma coisa – pediu pelo nome do banco e finalmente concordou. Pego uma senha e fico esperando a minha vez. O lugar vai sendo tomado. Metade da manhã, dia ensolarado de inverno, acredito, todos querem livrar-se logo dos encargos para aproveitar aquela energia solar providencial e necessária.

A conta, tudo somado (água, luz, internet, telefone fixo e móvel, mais o IPTU) deu pouco menos de R$ 800,00 e a moça que me atendeu afirma que o limite para o pagamento com o cartão é de R$ 500,00... Digo que não tem problema e que eu completo com dinheiro...

Alguém que tinha acabado de chegar e ouviu a conversa vociferou: “Limite com o cartão só de R$ 500,00... A minha conta dá quase mil e eu aqui na fila fazendo o papel de palhaço”...

Amarfanha a senha que tinha nas mãos e joga o papel no chão, saindo em seguida, como um touro espumando pelas ventas, diria o gaudério.

Fico pensando na expressão “fazendo o papel de palhaço”... Uma injustiça... Para ser um verdadeiro palhaço o sujeito precisa de talento. Talento este cultivado na observação do cotidiano, um duro aprendizado da vida, isso demanda tempo e muita dedicação. Assim mesmo, com todas as características definidas, o indivíduo corre o risco de não ter graça nenhuma. Um palhaço sem graça é desnecessário e inútil, lembrei do Scott Fitzgerald “Nada mais supérfluo do que uma bíblia no apartamento de um hotel cinco estrelas.”

Há indivíduos (gosto desta categoria sartriana para nomear o Ser que ainda não é, mas pode vir a ser) que gastam demasiada energia, despropositada mesmo, para mostrar que estão vivas. Curioso é que sempre “sobra” para quem não tem nada a ver com isso. Algumas pessoas não deveriam levar-se demasiadamente a sério. A vida é muito curta e custa muito emprestar-lhe um sentido, a consciência do fato já deveria bastar para não se dilapidar energia de maneira inútil.

Manifestações irascíveis, gratuitas, quase sempre carregam vestígios de carência afetiva que, naturalmente não podem ser “curadas” com mais violência, mas é outro papo...

I pagliacci, como dizem os italianos... Fazer pilhérias, momices, gracejos, trejeitos, malabarismos com graça requer muito talento e ainda por cima fazer rir o que é curioso, porque nos espelhamos no ridículo que todo o humano carrega consigo e quando rimos, de certa maneira, estamos rindo de nós mesmos... Mas é preciso fazê-lo com arte e não com fúria como o indivíduo da casa lotérica, porque com esta, até um touro babão faz melhor.





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