11.8.11

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RÉQUIEM PARA UMA ILHA




(Para aqueles que a conheceram – no fundo)


Foto: Celso Martins


Por Emanuel Medeiros Viera


Já é tarde para consertar.

Não, não serei nostálgico.

Não falarei de quintais, de árvores.

Já é tarde para consertar – repito.

O modelo urbano foi esse: poeira, pó e ganância.

A cobiça dos teus alcaides, dos teus “construtores”, dos teus políticos, sempre foi mais forte.

Teus homens públicos não te mereceram.

É claro: nunca te amaram

E muitos resolveram silenciar: é um réquiem o que queria escrever.

Mas um réquiem deve ter nobreza trágica.

Minhas palavras não: são pálidas, conscientes de sua inutilidade.

O tempo já não cabe dentro de mim.

Uma ilha habita o meu coração, mas não existe mais.

Já é tarde para consertar – caio na redundância.

(Qualquer palavra será inútil.)

Um dia, talvez, ela seja lembrada.

Minha ilha é nevoeiro.

(Com suas gaivotas, com seus meninos, com seus trapiches, com suas casas, com seus terrenos, com os seus verdes, com os seus pássaros, com suas praias – sem turistas deslumbrados.)

E nos teus morros, a gente poderia subir a qualquer hora do dia.

E morro (morremos): de doenças crônicas, de omissão, de complacência com a corrupção, de vaidades vãs.

Quem se lembrará dessa gente tão pequena que se apossou de ti, ilha natal?

É como se visse uma iluminada fogueira num junho qualquer – que nunca se apaga.

(Missa do Galo, tainha frita, o orvalho daquela manhã, e aquela praia chamada Lagoinha – no extremo Norte de ti –, ainda silenciosa e sem abutres.)

Ela, a Ilha (perpétua, imanente) continuará: para sempre:

Em um ser que ainda está sendo gestado – contemplando um álbum de fotografias num domingo à tarde.

Pai: Dissipa essa cerração!

Eu sei: “Todo ser humano tem dentro de si um vazio do tamanho de Deus.”

(Fiódor Dostoievski)

(Salvador, agosto de 2011)


Lagoa da Conceição (atual av. Osní Ortiga. Foto: Casa da Memória/FC-FFC

Lagoinha (Norte da Ilha). Foto: Casa da Memória/FC-FFC

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro Emanuel
Se todos escrevessem, com tamanha simpatia, sobre suas memorias com certeza teríamos relatos

inesquecíveis de vida;.
Não me importo com o desenvolvimento (ou atraso) urbano.
O que me incomoda, sim, é o apagar de imagens que nunca mais retornarão
Saudações
SÉRGIO ZYLBERSZTEJN