24.8.11

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Hiperinflação e
hipercorrupção


Ilustração: Uelinton Silva


Por Amílcar Neves*

Houve época em que era assim, mas muita gente não lembra disso por esquecimento ou por não ter vivido aquele período ou por preguiça de se informar sobre os fatos da História: houve uma época em que os preços disparavam todos os dias (e isto não é mera figura de retórica) e em que os homens roubavam impunes todos os dias.

A diferença é que, por um lado, as informações (dos roubos, no caso) não circulavam por obra de uma censura brutal e intransigente (não havia internet na ocasião, para dizer o mínimo) e, por outro, a inflação, dita escorchante (também uma forma de roubo), pesava no bolso a tal ponto que não se podia guardar na carteira de um dia para outro o troco de mil dinheiros quaisquer, o que era apenas uma esmola, sem amargar prejuízos horríveis.

Em poucas palavras: sentia-se a inflação e ignorava-se a corrupção.

Agonizante a ditadura, exausta ao cabo de 21 anos de arbitrariedades, os véus se romperam mas os costumes se mantiveram à luz do sol: o notório Maluf foi candidato a presidente pela dita "revolução", enquanto corria a vice pelas oposições o notório Sarney, até a véspera presidente do partido do governo que sucumbia - no que já se pode chamar de corrompimento ético.

Escolhido em 1985 em eleições indiretas, Tancredo, espertamente, decide começar a morrer na véspera da posse, falecendo em questão de semanas. Assumindo o cargo, Sarney, que era rico, ficou riquíssimo e tentou debelar a inflação com planos mirabolantes que só agravaram a situação.

O notório Collor o sucedeu e conseguiu ser mais mirabolante ainda. Hasteou a bandeira da caça aos corruptos e não deixou ninguém roubar - ninguém, dizem, que não fosse da sua notória República das Alagoas. Acabou caindo, dizem, por criar um monopólio de causar inveja. E causou. Inflação e corrupção, revigoradas, permaneceram intocadas e ele ficou muito rico.

Entra Itamar, o excêntrico, que não roubou, cria mais um plano econômico e uma nova moeda com o Plano Real e, num passe de mágica, acaba com a inflação. Os corruptos, no entanto, permanecem impunes, e esta, a impunidade, constitui-se certamente na mais grave das nossas doenças sociais, a qual permeia Executivo, Legislativo, Judiciário, empresas privadas e quaisquer poderes que se imagine, alimentando a corrupção, dela se alimentando e abolindo de vez a preocupação com o bem público, com o interesse nacional e com os direitos da cidadania.

Chega Fernando Henrique, que não rouba, mas precisa de apoio, chamado de maioria no Congresso, para poder governar, consolidar o real e implantar a reeleição em todos os níveis. A corrupção não se intimida, antes pelo contrário, e floresce viçosa enquanto ele faz de conta que nada vê e nada sabe.
Surge Lula, que tampouco mete a mão na cumbuca mas precisa de apoio para governar e dar ao País um destaque internacional inusitado e altamente positivo. Partidários, aliados, lobistas e até opositores apresentam a conta na forma de mensalões, mensalinhos e mesadas e ele finge que não vê nem sabe, pois precisa levar a bom termo o mandato.

Então aparece Dilma e resolve virar a mesa: não rouba e não quer que ninguém roube, que absurdo! Como é que ela pensa que vai governar? Só com o apoio popular, cuja voz nas ruas brada por decência e honestidade? Quem ela pensa que é, o Super-Homem?

Partidários, aliados, lobistas e até opositores andam muito desconfiados com ela e com suas malévolas intenções. Terá baixado nela o espírito do Itamar, que recém se foi daqui?


*Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados. A partir de 01.08.2011, é um dos seis candidatos à Cadeira nº 32 da Academia Catarinense de Letras. Crônica publicada na edição de hoje (24.8) do jornal Diário Catarinense (Florianópolis-SC). Reprodução autorizada pelo autor.

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C O N V I T E


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