22.8.11

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O corrupto e o pregador
Por Emanuel Medeiros Vieira e Olsen Jr.

Aves da Praia Comprida
Fotos: Celso Martins

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C O R R U P Ç Ã O

Por Emanuel Medeiros Vieira

Segundo estudo da Federação da Indústria do Estado de São Paulo, citado por um jornalista, a corrupção custa ao país pelo menos R$ 50,8 bilhões por ano, dinheiro suficiente para construir 78 aeroportos ou 57 mil escolas ou redes de esgoto para 15 milhões de domicílios.

O assunto é obsessão do escriba? É.

Para diminuir a miséria, como diz querer a presidente, só diminuindo a corrupção, através da punição exemplar.

Ninguém agüenta mais tanta impunidade!

João Ubaldo Ribeiro diz que (...) “além de desonestos, ficamos cínicos e apáticos. Contando que algo não nos atinja direitamente, pior para quem foi atingido.”

Lógico: é uma generalização.

Ficamos apáticos, mas nem todos ficaram desonestos.

“Os políticos, não são marcianos, não vieram de outra galáxia. São como nós, têm a mesma história comum, vieram, enfim, do mesmo lugar que os outros brasileiros.”

Nossos olhos já estão entorpecidos? Creio que sim.

São escândalos de corrupção, prevaricação, desvio de verbas, estelionato, tráfico de influência, negligência criminosa “e o que mais se possa imaginar de trambique ou falcatrua.”

A Polícia Federal realiza operações, prende alguns corruptos

E o ritual é sempre o mesmo. Tais indivíduos, no mesmo dia, no dia seguinte ou dois dias depois, são soltos através de “habeas corpus”.

A voz do povo já sabe: aqui, quem tem dinheiro e poder pagar advogados caríssimos, não vai para a cadeia.

Sempre a mesma coisa. Sempre.

Depois tudo é esquecido. O escândalo de ontem fará esquecer o de hoje. E assim continuará.

E muitos ficam inebriados com Copa do Mundo e com as Olimpíadas no Brasil.

Era para arrepiar.

Não precisamos disso: a verdade é essa.

Mais dinheiro será roubado: só isso (nada digo de novo).

O escritor baiano arremata: “Ou seja, é para roubar mesmo e não há o que fazer, tanto assim que não fazemos. Acho que é uma questão cultural, nós somos desse jeito mesmo, ladravazes por formação e tradição.”

Pessimismo? Respondam por si mesmos.

(Salvador, agosto de 2011)

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O PREGADOR

(Para Moacir Loth)

Por Olsen Jr.

Não se sabe até o presente momento o que aconteceu com o cidadão. Podem-se aventar algumas explicações buscando sustentação teórica em áreas alheias ao ofício a que estava vinculado o nosso distinto e dedicado pregador. Até a mais simplória das conclusões não poderia ser desprezada considerando como tudo se encaminhou naquele dia.

Ele subiu ao púlpito como fazia todos os domingos. Não foi diferente neste. Está certo era um dia de inverno, mas não estava frio. Um solzinho tênue tocava o mundo. Dava vontade de caminhar assim não pretendendo nada, só para se permitir iluminar por aquela claridade mundana que deixava a consciência irrequieta... Ou era sua presença que insuflava a modorra lá fora da igreja, ou então a sua ausência instigando a imaginação e motivando a fala do pregador ali dentro.

O fato é que após dardejar o ambiente com um olhar que deixou o mais puritano dos presentes inquieto, ouviram-se as primeiras palavras do que poderia ter ficado como a reconciliação do homem com o pragmatismo da vida moderna onde a noção da existência do Criador certamente jamais interferiu.

“... E assim caminhamos, afirmava com voz segura, no meio desta parafernália tecnológica que põe o mundo do avesso dentro de nossas casas. Junto com ele todo um comportamento subjugado por metas de consumo. Buscando apenas o prazer e a satisfação momentânea de necessidades primárias destituídas de qualquer suporte espiritual capaz de nos distinguir de outros animais na natureza...

“... Assim avançamos inapelavelmente rumo a uma solidão coletiva que não faz inveja a nenhum dos condenados da terra ergastulados em qualquer de nossas prisões... Buscamos apoio de uma força superior para melhorar a nossa vida material, quando deveríamos enriquecer o nosso interior para melhor suportar o assédio de tudo que não melhore a nossa convivência...

“O que vou provar agora: vocês gostariam de morar em ricas mansões, não gostariam? Respondam... Ouviu-se um tímido “sim” coletivo; vocês gostariam de possuir carros luxuosos? “Sim” reforçaram o apelo do pregador; e vocês gostariam de ganhar bons salários? “Sim”... E tudo o que o conforto possa dar: televisão, telefones, transportes, viagens, férias... “Sim”... “Sim”... “Sim”... Aquele monossílabo ainda reverberava no templo quando a voz rouca do arauto da grande notícia varreu a indolência de um milhão de palavras vazias por um instigante: “pois então, meus caros, vão trabalhar... Porque sem trabalho não se chega a lugar nenhum (a não ser na política, e isso nada tem a ver com a presença de um Criador) e vocês vão conseguir”...

Diante do silêncio que se seguiu ainda se pode ouvir... “Senhores e senhoras, muito obrigado!”

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Um comentário:

Eduardo Luchini Vieira disse...

Da mesma forma que certos pacientes têm um "apego" (mesmo que inconsciente) por suas doenças, fazendo verdadeiras explanações sobre as características das mesmas, como algo realmente "entranhado", um "câncer", algo muito arraigado mesmo, assim é com a corrupção em nosso País!

Todos nós a mencionamos, a "combatemos", vibramos intensamente contra ela, "apegados" a mesma de forma exaustiva!

Como os pacientes que não estão cônscios que apenas falar das doenças não resolverão as mesmas, o equivalente ocorre com a corrupção!
Faz-se mister, urgentemente, que cada um, a sua maneira, efetivamente AJA contra ela, fazendo um embate desde as suas raízes, nas famílias, nos exemplos dados aos mais próximos, nas relações com nossos vizinhos e colegas de trabalho, para que gradativa, mas firmemente e continuamente, possamos extirpá-la do nosso meio!

Façamos, a cada dia, a NOSSA parte, não a considerando de forma alguma uma coisa "normal", pois não o é!
Depende apenas de NÓS mesmos a mudança para uma vida mais digna, ética, de qualidade!!!

Parabéns ao querido Emanuel Tadeu por mais um texto dedicado contra as "normalidades" da vida! Continue assim, a sua voz não pode calar! Viva!!!

Abraço fraterno,

Eduardo Luchini Vieira