19.5.10


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A crônica de
AMÍLCAR NEVES

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Maura Soares comenta
Emanuel Medeiros Vieira


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Final de tarde em Sambaqui (Florianópolis-SC). Foto: CM.

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Sob nova direção


Por Amílcar Neves*

A Fundação Catarinense de Cultura estreia novo presidente. A boa notícia é que ele não é da área, ou seja, não é artista nem produtor, professor nem empresário. É filiado ao partido no poder, mas fugir disso, hoje, ainda é praticamente impossível. E, para um administrador honesto, absolutamente indiferente. É um técnico mas, por sorte, não será acusado de tendencialidade: não é técnico em artes, nem em patrimônio, nem em edificações.

Até onde sei, não o conheço pessoalmente - o que é um bom sinal (para ele). Ignoro seus conhecimentos específicos das coisas da Cultura. Nessa posição presidencial não é problema maior confundir o nome de um pintor com o de um escritor. O que não se pode admitir é confundir um quadro com um livro.

O que é, então, esse homem que não é um monte de coisas?

Antonio Ubiratan de Alencastro era, até ontem, Gerente de Administração, Finanças e Contabilidade da mesma FCC, onde se encontra há quatro anos. Durante outros quatro, atuou na coordenação de licitações da Assembleia Legislativa. Já passou por cargos estaduais no Turismo e foi suplente de vereador, em exercício, na Câmara da Capital.

Apesar desse currículo, Alencastro não é funcionário de carreira da casa nem do Estado, mas um administrador formado pela ESAG que enveredou pela vida pública em virtude de ligações políticas (caso possa ser considerada virtude uma ligação política).

O que pode fazer pela Cultura esse homem nos 7 meses e meio (menos do que uma gestação normal) que lhe restam?

Talvez manter os programas e convênios que, a muito custo, foram conquistados e estão em andamento - crime será abortá-los agora -, cumprir as leis do setor (edição mensal do jornal Ô Catarina! e compra de livros de autores catarinenses para bibliotecas públicas municipais, por exemplo) e abrir a caixa-preta do Centro Integrado de Cultura, em Florianópolis: por que as obras não caminham, quais são as empresas que estão colocando obstáculos às licitações - e com quais méritos e intenções o fazem -, qual foi o lucro ou o prejuízo de abrigar no CIC uma mostra de arquitetura e decoração que botou paredes abaixo - e em quais condições as instalações estão sendo devolvidas.

Mesmo porque precisamos com urgência da volta do cinema, do teatro e do museu, soterrados sob os escombros dessas obras que nunca terminam como se fossem uma BR-101 ou uma Ponte Hercílio Luz.

*Amilcar Neves é escritor com sete livros de ficção publicados, diversos outros ainda inéditos, participação em 31 coletâneas e 44 premiações em concursos literários no Brasil e no exterior. Crônica publicada na edição de hoje (19.5.2010) do jornal Diário Catarinense. Reprodução autorizada pelo autor.


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CRIANDO CONTOS

Por Maura Soares(*)

Como crias que saem das entranhas para abraçar o mundo, assim são os contos, as crônicas, as novelas, os romances, as poesias que saem do âmago dos seus autores.

Tento, não sei se conseguirei, unir num só texto, um comentário sobre alguns dos Vinte e Dois Contos Escolhidos(**), de Emanuel Medeiros Vieira, dileto amigo, escritor catarinense, ele já cidadão do mundo que, como eu, percorreu as mesmas ruas da nossa amada Ilha Capital, Florianópolis; que viveu nos mesmos anos, nos lugares hoje tão decantados como a Praça XV, o Largo da Catedral; saboreou as Balas Rococo da Fábrica e Padaria Moritz; rezou e ou acompanhou a Procissão do Senhor dos Passos...

Falo do Emanuel que saiu da sua Ilha para viver em outros lugares, mas teima em voltar com seu coração, pois aqui é e será sempre seu chão, onde estão as raízes de sua família, onde seus pés andaram nas nossas areias, onde ele saboreou as bebidas no “Bebe Água”, onde ele participou dos papos no “Katecips” e “Roda Bar” e, neste, também, talvez, meu falecido irmão Saulo, que também gostava de ali encontrar os amigos da juventude, tenha entrado nos papos coletivos sobre futebol (?), política (?), mulheres (?).

Tento, não sei se conseguirei, unir algumas das vinte e duas crias destes contos escolhidos, traçando um paralelo entre eles, revirando os assuntos, no afã de que um se encontre com o outro e eu possa, ao final, uni-los num só termo ou como se faz na poesia, um rosário de poemas, unindo títulos com vários outros.

Emanuel, embora tenha se mudado de sua terra natal em busca de outros ares, tem “o mar, tem sal e dunas nas mãos”, “o vento e a brisa do mar roçam sua pele”, mas ele canta o amor de Jeruza e se decepciona ao querer mudar o Poder dentro do Poder, citando Giordano Bruno, porém de nada valeu, eis que Jeruza morreu.(1)

Não, Emanuel, onde quer que vá, ainda percorre as ruas de Garopaba(2) e vê nos rostos dos pescadores, a face querida dos seus amigos de outrora, aqueles amigos que ousaram lutar por um Brasil melhor, por um Brasil não do bolsa-família, não do bolsa-escola, mas o Brasil do salário digno para que o trabalhador não precise desses subterfúgios para poder viver.

A Ilha que vivi é a mesma Ilha de Emanuel e, como ele, canto também os amores que se foram, as ilusões perdidas, Emanuel canta Marisa e, com ela quer casar, não quer o destino das mulheres do cais, não quer que Marisa acabe como se fosse alguém à espera de um outro qualquer para vender seu corpo em lupanares. E, também, Marisa se foi.

Em “Sexo, tristeza e flores”(3), Emanuel não se queixa da vida, deseja, no entanto que outros que viverem após ele “com o terreno mais limpo”, que façam os “romances com gestos”; que “ vida não tem nada a ver com merecimento” senão as pessoas de bem não sofreriam a falta de educação, a falta de alimento, a falta de seu lar construído com sacrifício, mas que numa chuva, num barranco que desliza, perde todos os seus haveres obtidos com enorme sacrifício.

Emanuel lamenta o fato de sua Ilha estar sendo loteada (estava e está, não só a Ilha, mas Palhoça, Garopaba – a sua querida Garopaba -, Imbituba, Laguna e todas as áreas litorâneas de nossa Santa e Bela Catarina).

Quem dá mais, grita o pregão.

Quem dá mais, e lá sei vão os mangues, lá se vão as matas nativas, lá se vão os rios, as trilhas, as casas de pescadores. Em seus lugares, as mansões de ricos tristes, desejosos do poder, homens e mulheres cujos filhos se “animam” fora porque dentro de seus lares o Amor passou ao largo.

O sangue escorre pela calçada, sangue do inocente que ousou ir contra o Poder (4). Aí, neste conto, Emanuel fala da tortura,e das dores, daqueles companheiros que ousaram assaltar um carro forte para “ajudarem a Revolução Brasileira”, mas foram pegos e exibem suas mutilações, tristeza e exílio. O personagem deste conto, acusado de ser o teórico do movimento contra a ditadura, pressentia em todos os lugares o “olhar” do poder sobre ele, sabe que houve delação por causa da tortura e conta veladamente sobre aqueles que estiveram com ele e hoje posam de grandes democratas. Fala das fugas, do amor fugidio, como nos contos anteriores.

Em “Arredores de chão batido”(5), um casal de amigos e um bebê, coincidentemente de nome Saulo (como meu irmão, já citado).

A vontade de amar e ser amado, de querer tocar em Maria dos anjos – a mãe – mulher de seu amigo e reflete “queria saber de que miserável região surge essa necessidade pré-adolescente de ser amado”. Sem poder ter a mulher, contenta-se em doar ao bebê um volume de Alice no País da Maravilhas, livro que apreciava muito.

Daí, sai para uma vida errante, de mascate.

Costurando um que outro conto, chego ao Capitão(6), homem sonhador à procura de grandes batalhas ,“guerras, revoluções, guerrilhas, motins de norte a sul, de leste a oeste, em várias ilhas e também no continente”.

O tempo passa. Do Capitão quase mais nada sabe, se venceu ou deixou de vencer suas batalhas. “Agora nada mais tem importância. A aventura acabou no mundo” e, citando Fernando Pessoa in “Mensagem”, que repetimos fechando esta passagem, pois o Capitão embora não tenha ganhado nenhuma batalha, não esmoreceu em suas tentativas.

“Firme em minha tristeza, tal vivi.

Cumpri contra o destino o meu dever.

Inutilmente? Não, porque o cumpri”.


Um dos contos tocantes, o emocionante “Mãe na soleira da porta”(7), Emanuel evoca o personagem da Mãe sempre presente, sempre a lhe dar conselho e ele no intuito de escrever o romance que começa mas não acaba e sua apatia diante da tristeza da ausência da mãe na sua vida.

“Amor aos vinte anos”(8)—Neste conto Emanuel descreve o centro da Ilha amada e o Miramar, local que o personagem visita no intuito de comprar uma escuna e lá encontra Julia que espera seu homem na beira do cais Frederico Rolla.

Olhar---há sempre um olhar descrito nos contos de Emanuel, olhar azul, olhar triste, olhar perdido ao longe, olhar como um túnel, olhar “como um poço sem fundo”.

O olhar de Emanuel nos anos 50 no Miramar que não mais existe, apenas um arremedo com pilastras que para nada servem, marcando um lugar onde o mar não bate mais, que também não mais existe, apenas no coração do escritor que teima em voltar, que teima em reaver a sua juventude, os anos em que se diz corriqueiramente, “era feliz e não sabia”.

Um outro conto que deixa marcas é quando o personagem aos domingos revê os entes queridos que se foram mas que caminham com ele nos domingos de verão(9).

Por que no verão? Talvez pelo calor, pela luz que irradia de cada ser, de cada um dos seus mortos queridos que, lado a lado, nos dias de domingo fazem com que ele se recorde de detalhes de cada um que canta, dança, bebe e de mãos dadas dançam cantigas de roda.

Os mortos lhe pedem que a tribo não desapareça, que ele não deixe morrer as suas histórias e diz “na grama, ainda molhada, contemplo as agendas agora inúteis desses mortos do meu sangue, que anunciam nomes que não mais conheço, épocas que já foram embora, compromissos adiados para sempre”.

“Como dói tentar unir as pontas do passado”, daqueles que caminhavam com ele nos domingos de verão.

Fechando esta narrativa, observo que o centro das atenções dos seguintes contos “Cerrados Amores”(10), “Blue Eyes”(11), “Laeticia”(12) – a mulher – foco principal e a cada uma delas, o olhar do personagem, que diz palavras que não se ouvem, porém traduzidas no brilho do olhar de quem ama, no desejo do amor carnal, na ternura do amor platônico.

Uma vai embora – Ana – em Cerrados amores; Blue Eyes é Júlia, e descreve a luta contra a ditadura e Laeticia, no conto do mesmo nome, que amava outro.

Interessante que todas as mulheres descritas nos contos ou partiram ou morreram. Todas lamentadas, todas deixaram marcas, todas receberam o olhar, todas tiveram o amor da forma que se apresentava no momento.

Em Laeticia, Emanuel lembra Guimarães Rosa “Amar não é verbo, é luz lembrada”.

E é em nome desta luz que emana deste ser que embora tenha sofrido, mas que mesmo assim amou e foi amado de todas as formas possíveis que, finalmente, embora queira colocar mais, porém a narrativa está longa, que encerro dizendo que Emanuel é todo amor naquilo que se propõe a fazer e escolher dentre tantos contos, vinte e dois, que soma quatro e na numerologia “quatro” é “arquétipo do alicerce sobre o qual a vida se sustenta. Símbolo também da completude e da inteireza, depreendido pela mente arcaica a partir da dança cíclica das quatro estações. Daí os antigos ocidentais concluírem que são quatro os elementos da natureza e os cantos do mundo sobre os quais a condição humana se ancora. Em termos práticos, refere-se à solidez dos projetos pessoais, à segurança e à boa base dos empreendimentos, conferindo estabilidade e bom agouro ao reger as mudanças impostas pela vida”. (Revista Planeta n.376/2004)

Nada acontece por acaso. Não foi à toa que Emanuel escolheu vinte e dois contos, pois todas as mudanças que empreendeu na vida foram sempre em busca do equilíbrio e da estabilidade.

O amor que invocou em todos os contos; as mulheres que mais amou do que foi amado, transparecem em todos os instantes, como o olhar que empregava ao olhar o infinito na beira do mar de Garopaba.

Aos 17 de maio de 2010 – 21h, em que consegui, finalmente, completar o texto.


Nota: Contos citados: 1-A expiação de Jeruza; 2-Garopaba, meu amor; 3- No mercado; 4- Sexo, tristezas e flores; 5-No Planalto central; 6- Arredores de chão batido;7-Longa vida, capitão!;8- Mãe na soleira da porta; 9- Amor aos vinte anos; 10- Meus mortos caminham comigo nos domingos de verão;11-Cerrados amores; 12-Blue eyes;13-Laeticia.


(*) Da Academia Desterrense de Letras, do Grupo de Poetas Livres e do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina.

(**) LGE Editora, Brasília, 2007

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