29.2.12

.

Olsen Jr. (À deriva)

*

Emanuel Medeiros Vieira
(Por que escrevemos? e
A mulher e o peregrino
)


Igreja de Nossa Senhora das Necessidades e Santo Antônio,
erguida em meados do século 18 (Santo Antônio de
Lisboa, Florianópolis-SC). Foto: Celso Martins (29.2.2012)


*

À DERIVA

Por Olsen Jr.*

Todos nós já passamos por determinadas situações “não escolhidas” que, se tivéssemos o conhecimento prévio, sequer ousaríamos cogitar em se fazer presentes. Mais ou menos o que, no direito, se chama de vício redibitório. Em outras palavras, é aquele defeito que o objeto que se pretende adquirir possui, mas que se você tivesse conhecimento antes, não compraria. O caso de um automóvel com o motor fundido, por exemplo.
Bem, estou assistindo a um filme com Clark Gable (1901-1960) e Carol Lombard (1908-1942), provavelmente da década de 1930. Um filme dentro de outro filme. Como aquelas latas de azeite (de antigamente) que estampavam no rótulo uma mulher segurando uma lata de azeite, e nesta, outra mulher mostrando outra lata de azeite que trazia nova mulher com outra, assim, indefinidamente... Minha mãe, fã de Gable, já deveria ter visto aquilo. Todos os protagonistas estão mortos, e não canso de imaginar a maravilha que é o cinema. De repente, entra um comercial, em seguida uma chamada para o BBB, e logo a conversa zôo-técnica de alguém se reportando a manipulação de reses e outras lides campeiras, a título de “ilustrar” sua permanência ao lado de uma piscina na clausura de uma casa na qual não tenho o menor interesse. Desligo em seguida, quando percebo não ter curiosidade nenhuma pelos animais, nem os bípedes que observo e tampouco, pelos quadrúpedes a que eles se reportam. Minha afinidade com animálias, não passa de uma paleta de ovelha na churrasqueira, assim mesmo, se eu preparar o tempero e assá-la. Tudo a ver, diria o velho Horácio Braun, salve!
Não sei como terminou o filme e isto me chateia.
Já se pensou em realizar um BBB só com pessoas “cabeças”. Fizeram um teste nos EUA e foi um fracasso. A audiência caiu em níveis intoleráveis para os patrocinadores. As massas (ou o senso comum) não encontram acolhidas naquilo que não se identificam. Uma existência supra-real não é palpável, ainda que real num outro plano. Sugeriu-se aqui, incluir a Vera Fischer, a Sônia Braga, o Nelson Motta, Chico Buarque, Diogo Mainardi, Arnaldo Jabor, Ziraldo... Bem, seria a primeira vez que as duas atrizes não precisariam fazer o papel de “mulher que trai o marido” ou de “prostituta”, quer dizer, o meio-habitat nestas circunstâncias; o Nelson falando em sintonia fina, do “novo” disco dos Beatles, “Love”, duca; o Chico que não quer ser avô, e “deixa em paz meu coração, que ele é um pote até aqui de mágoa”; o Mainardi afirmando que não agüenta mais bater no PT, não tem interlocutor (e nem ouvinte); o Jabor acreditando que há uma revolução em andamento, mas ninguém sabe onde; o Ziraldo afirmando que nunca brochou na vida, risos, macho uma barbaridade... Macho não quer dizer mucho lembra a atriz Zsa Zsa Gabor...
Quer saber? Gostaria de ter visto aquele filme, a despeito da grande audiência do BBB, estatística esta, da qual não faço parte, e diante de tais licenciosidades, sou mais o Glauber Rocha, é preciso acabar com este liberalismo feminista e estabelecer (logo) o machismo revolucionário.


*Olá, camaradas, salve!
No próximo mês começo algo “novo” (em minha escrita) aqui na terra...
O texto anexo foi publicado em janeiro de 2007... Mudaram as moscas mas o monturo continua o mesmo...
A atualidade se mantém...
Aliás, sempre quando escrevo, me posiciono como se estivesse no Rio de Janeiro imaginando ler um texto de alguém de SC e me pergunto e daí, bueno, se a pergunta não encontrar resposta então o texto não vale nada...
No caso, a resposta é o próprio texto...
Vai com o carinho do poeta... Sempre...


*

"I'm so tired"

A música é esta e diz respeito, naturalmente, ao momento em que estou vivendo...




Esta composição foi elaborada quando os Beatles freqüentavam a Academia de Meditação Transcendental do guru Maharishi, no Himalaia.
Havia palestras todos os dias seguidas de meditação...
Aquela calmaria toda seguida das complicações do fuso horário, a ausência de bebidas ou qualquer droga, ao mesmo tempo que deixava a cabeça livre para a criação, também facilitava um extremo cansaço, afinal não se conseguia dormir à noite e não se dormia de dia...
Some-se aí, o fim do casamento, no caso de John Lennon que não sabia como dizer isso a primeira mulher (Cynthia Powell) e também não contava com a presença de Yoko Ono...
Isso tudo foi deixando-o cansado... Muito cansado e acabou sobrando até para Sir Walter Raleigh (1552-1618) explorador e poeta inglês (para John era um babaca e idiota) que também era camponês e conseguiu o título de “Sir” bajulando com insistência a Rainha Elizabeth I... Atribui-se a ele a introdução do tabaco na Europa (levado da América)...
Neste período os Beatles compuseram mais de 40 letras... Parte delas está no que ficou conhecido como Àlbum Branco (The White Album) de 1967...
Esta “I’m so Tired” (“Estou tão Cansado”) é apenas uma delas...
Vem a propósito! (Olsen Jr.)

*

(ESCREVER)

POR QUE ESCREVEMOS?

Por EMANUEL MEDEIROS VIEIRA*

Começamos escrevendo para viver e acabamos escrevendo para não morrer.
Para quem edifica palavras mal rompe a aurora, escrever é inadiável e urgente, mesmo que nada externamente nos obrigue a isso. Mas a necessidade interna é visceral, orgânica, chama e fogo, flecha, algo colado à pele.
Não conseguimos escapar desse apelo.
Escrevemos para perdurar, para vencer a poeira do tempo, para despistar a morte, para regar nossos fantasmas e (por que não?), para amar e se amado.
A literatura é o refúgio da sinceridade num mundo de pose.
“A literatura é um apelo de fogo, onde mora meu desespero, a minha inquietação e o meu paraíso”, escreveu alguém.
Eu sei: tento escrever um hino de amor à palavra.
Qual a maior viagem (interior) que podemos fazer, senão aquela que é um mergulho no livro, nesta criação de outros mundos, nessa peregrinação às áfricas interiores?
“Se o mundo dos objetos palpáveis e vida prática, não é mais real que o mundo das ficções, dos sonhos e dos labirintos, então pode ser que o autor de artifícios verbais tenha mais direito à condição de demiurgo que qualquer outro candidato”, escreveu Samuel Titan Jr., falando sobre Borges..

Hoje, a realidade chamada virtual fica sendo mais importante que o humano propriamente dito.
Uma personalidade não aparece porque é boa, mas é boa porque aparece.
Vivemos uma mudança de época e não uma época de mudanças.
Ou está inapelavelmente decretado que não há nada mais a fazer, que o destino já rabiscou todos os destinos?
Queremos um modelo de consumidores ou de cidadãos?
Aceita-se passivamente um mundo onde são as coisas que comandam e não os valores.
Queremos pessoas abúlicas, inertes, numa globalização onde impera a uniformidade e não a igualdade?

A literatura é um sonho do eterno. Sua morte tem sido decretada diariamente.
Mas por que ela continua tão viva?
Pois há dentro do homem uma sede de infinito que nenhum modelo meramente mercantil pode saciar.

*Emanuel Medeiros Vieira é escritor. Seu romance “Olhos Azuis – Ao Sul do Efêmero”(Thesaurus Editora/FAC, Brasília, 2009), recebeu o Prêmio Internacional de Literatura, promovido pela União Brasileira de Escritores – UBE, em 2010. Foi contemplado com o respeitado “Prêmio Lúcio Cardoso” para o melhor romance – na avaliação da entidade – publicado no Brasil em 2009.


*

A MULHER E O PEREGRINO

Por EMANUEL MEDEIROS VIEIRA

Apenas peregrino/pulsante,
“é vermelha, cor do sangue” – ela diz,
jogando a calcinha no tapete,
contemplo o matagal
sal da vida
úmido
pêlos encrespados,
teus gemidos cortam a tarde, como um túnel,
meu dedo em romaria no teu útero
matriz de tudo
“mater” minha
cachorro late ao longe, ronco de um caminhão,
o tempo zomba de nós,
lambes – lúbrica – a língua,
viva!, a Portuguesa, e esta que me arrepia agora.
Bússola afetiva: decifro (?) o mapa do teu corpo
(vacina de infância),
minha sina, minha mina,
estupidamente comovido,
cumpro a jornada – esta vida.

Fatigado e celebrante,
vivo a vertigem – passageira.
Lembro do poeta:
“Nós que devemos morrer, exigimos um
Milagre”. (W. H. Auden)
Grito “primal” pós-coito,
cheiros que se contaminam – perfume paraguaio,
esperma, suor,
ah, vida, urina, outros odores.
Contemplo tuas axilas raspadas,
teus olhos tão negros que parecem um bisturi
afetivo – eles tudo enxergam,
palavras não ditas – fêmea que não se revela.

Sim: como Rosa disse,
amar não é verbo, mas luz lembrada.

Quem és tu?
Quem sou eu?
Quem somos nós?
Nunca saberemos.
Analfabetos das emoções: para sempre.

Uma sinfonia neste anoitecer,
quase sempre silenciosa.
Serenados estamos.

Mordes uma maçã, o livro entreaberto entre as coxas, lês: “Se Deus morreu tudo é permitido.”
Corpos entrelaçados, estamos tão perto Dele.
Dure, energia!, imploro.
Ajoelho-me e oro.
Lambo tua umidade, um gosto de sal (mar da
infância), ris de olhos fechados, longas pernas,
cabelo oxigenado,
tão sincera/tão simulacro,
és bela-bela,
amorável mulher,
Deus desaparece, depois reaparece,
saciados, molhados, mortais,
vulcânica posse, abro mais esta fenda,
puxo os teus cabelos, com rudeza e doçura
(sim, sempre ambivalente),
um fio branco cai no meu peito, passamos, envelhecemos, e vamos todos morrer.
Extenuado, indago com Freud: “Afinal, o que querem as mulheres?”
Suplicante, gemes mais baixinho,
subalterna, ficas de quatro,
respondes: “O mesmo que os homens.”

Calcinha no ombro, cor de sangue, lépida –
garça vespertina –,
vais ao banheiro, olhos fechados, tudo é noite.
Já posso partir, e a memória do teu corpo
me inunda.

E direi: “Vivi como um peregrino e, mais tarde,
um surpreendente e definitivo passo darei ao morrer.”
(Palavras escritas no mármore branco da minha
peregrinação.)

(Emanuel Medeiros Vieira)

Nenhum comentário: