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ESPECIAL
Temporadas de tempestades
Jarbas Bonetti
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T E M P O R A I S
Esperidião Amin
ESPECIAL
Temporadas de tempestades
Jarbas Bonetti
*
T E M P O R A I S
Esperidião Amin
*
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Os moradores da Ilha de Santa Catarina observam com preocupação o avanço do mar sobre diversas construções, particularmente nas praias da Armação e da Barra da Lagoa. Mas o que está causando esse fenômeno e por que esses locais são os mais afetados?
Primeiramente é preciso considerar que as praias são "sistemas dinâmicos".
"Sistemas" porque compreendem não apenas a faixa de areia onde se toma banho de sol, mas também a duna frontal e a porção submersa que fica entre a zona de arrebentação das ondas e a linha d’água. Ao longo dos setores desse sistema as areias se movimentam continuamente, acumulando-se na porção submersa após eventos de tempestade e retornando ao setor emerso durante períodos de tempo bom. Assim, quando se obstrui o trânsito das areias, por exemplo, pela construção de um molhe na porção submersa ou de uma casa em área originalmente ocupada por duna, é possível que se rompa o equilíbrio da praia e passe a ocorrer erosão em alguns pontos e acúmulo de areia em outros.
Em condições naturais, como na praia de Moçambique, em episódios de tempestade o mar avança sobre as dunas, retira material dali e o deposita no setor submerso da praia. Se a partir de então predominarem ondas "de tempo bom" essas areias irão retornar e a duna voltará a engordar. Por outro lado, se o trecho de duna estiver ocupado por uma construção essas areias não estarão mais disponíveis e as ondas atingirão diretamente as casas e restaurantes ali localizados. Diz-se que há um déficit de sedimento.
Praias também são "dinâmicas" porque se modificam constante e naturalmente, sem necessariamente haver a intervenção humana. Essa "instabilidade" ocorre porque elas são compostas por material solto (a areia) que pode ser transportada com facilidade de um local para outro pelas correntes geradas pelas ondas e pelas marés. Além disso, são feições de vida curta se considerarmos o tempo geológico. Sabe-se, por exemplo, que há 120.000 anos o nível do mar estava cerca de 120 metros abaixo do atual e que há apenas 5.100 anos ele estava quatro metros acima da posição que ocupa hoje.
Em nosso litoral, o principal agente da erosão instantânea das praias são as tempestades formadas sobre os oceanos. Sua previsão é difícil e o número de eventos que acontecem por ano é variável. Durante o outono e inverno há uma intensificação na formação dos chamados ciclones extratropicais, sendo comum a incidência de ondas grandes nesses períodos. O que aconteceu nestas últimas semanas foi a ocorrência de uma importante sequência de tempestades, o que impediu a retomada do perfil habitual da praia (o retorno da areia) após a primeira grande “ressaca” ocorrida no início de abril. Assim, as porções emersas das praias atingidas estão com pouco sedimento e seus níveis rebaixados, facilitando ainda mais a ação das ondas sobre os alicerces e estruturas rígidas de contenção.
É importante frisar que não são todos os trechos de praia da Ilha de Santa Catarina que estão sofrendo com essa erosão. Os setores mais atingidos são os que se encontram voltados para leste, que foi a principal direção de incidência das ondas recentes. Desta forma, nem todos os trechos das praias da Armação e Barra da Lagoa estão sentindo os efeitos das tempestades. Em diferentes episódios, anos atrás, ondas de nordeste castigaram trechos localizados mais ao sul dos locais atualmente sob risco, promovendo a queda de postes e destruição de muros. Ainda, em outros momentos praias como a Daniela, que se manteve inalterada nas últimas semanas, foram duramente castigadas.
Mas o que fazer? Infelizmente não muito de imediato... Preventivamente deve-se evitar a instalação de estruturas físicas próximas à linha de costa. Mesmo que haja uma aparente estabilidade no local, eventos extremos e mudanças climáticas podem modificar os regimes de ondas e de formação de tempestades, promovendo o avanço do mar em várias dezenas de metros, sobretudo se a duna for ocupada e sua vegetação suprimida. Emergencialmente, compreende-se a tentativa de contenção pela colocação de sacos de areia e rochas na frente das construções, mas essas medidas são paliativas e pouco eficientes a médio prazo. O posto salva-vidas da Barra da Lagoa, que sofreu um grande reforço estrutural um ano antes de tombar é um bom exemplo de que isto não funciona. Aliás, embora ofereça alguma proteção temporária, pedras e muros tendem a promover a diminuição da faixa de areia na sua frente, pois as ondas que incidem sobre eles retornam com mais força, levando consigo os sedimentos para a porção submersa da praia.
Uma medida que tem apresentado eficiência razoável em várias partes do mundo, incluindo algumas praias do Brasil, é a alimentação ou engordamento da faixa de areia. Para tal, areias são dragadas do fundo marinho e distribuídas sobre a área que está sofrendo erosão. Poderia ser uma solução para setores com erosão crônica, como a praia da Armação, mas é uma tarefa custosa e que requer estudos detalhados para que dê bons resultados. Principalmente, é necessário constante monitoramento e manutenção periódica, com a colocação de mais areia de tempos em tempos.
Portanto, o combate à erosão é uma medida que deve ser tomada administrativamente pelo poder público e com a perspectiva de continuidade e garantia de aporte regular de dinheiro para a sua condução. Ou isso, ou as cenas que vimos recentemente continuarão a se repetir na próxima temporada de tempestades, ainda que em outros locais.
Primeiramente é preciso considerar que as praias são "sistemas dinâmicos".
"Sistemas" porque compreendem não apenas a faixa de areia onde se toma banho de sol, mas também a duna frontal e a porção submersa que fica entre a zona de arrebentação das ondas e a linha d’água. Ao longo dos setores desse sistema as areias se movimentam continuamente, acumulando-se na porção submersa após eventos de tempestade e retornando ao setor emerso durante períodos de tempo bom. Assim, quando se obstrui o trânsito das areias, por exemplo, pela construção de um molhe na porção submersa ou de uma casa em área originalmente ocupada por duna, é possível que se rompa o equilíbrio da praia e passe a ocorrer erosão em alguns pontos e acúmulo de areia em outros.
Em condições naturais, como na praia de Moçambique, em episódios de tempestade o mar avança sobre as dunas, retira material dali e o deposita no setor submerso da praia. Se a partir de então predominarem ondas "de tempo bom" essas areias irão retornar e a duna voltará a engordar. Por outro lado, se o trecho de duna estiver ocupado por uma construção essas areias não estarão mais disponíveis e as ondas atingirão diretamente as casas e restaurantes ali localizados. Diz-se que há um déficit de sedimento.
Praias também são "dinâmicas" porque se modificam constante e naturalmente, sem necessariamente haver a intervenção humana. Essa "instabilidade" ocorre porque elas são compostas por material solto (a areia) que pode ser transportada com facilidade de um local para outro pelas correntes geradas pelas ondas e pelas marés. Além disso, são feições de vida curta se considerarmos o tempo geológico. Sabe-se, por exemplo, que há 120.000 anos o nível do mar estava cerca de 120 metros abaixo do atual e que há apenas 5.100 anos ele estava quatro metros acima da posição que ocupa hoje.
Em nosso litoral, o principal agente da erosão instantânea das praias são as tempestades formadas sobre os oceanos. Sua previsão é difícil e o número de eventos que acontecem por ano é variável. Durante o outono e inverno há uma intensificação na formação dos chamados ciclones extratropicais, sendo comum a incidência de ondas grandes nesses períodos. O que aconteceu nestas últimas semanas foi a ocorrência de uma importante sequência de tempestades, o que impediu a retomada do perfil habitual da praia (o retorno da areia) após a primeira grande “ressaca” ocorrida no início de abril. Assim, as porções emersas das praias atingidas estão com pouco sedimento e seus níveis rebaixados, facilitando ainda mais a ação das ondas sobre os alicerces e estruturas rígidas de contenção.
É importante frisar que não são todos os trechos de praia da Ilha de Santa Catarina que estão sofrendo com essa erosão. Os setores mais atingidos são os que se encontram voltados para leste, que foi a principal direção de incidência das ondas recentes. Desta forma, nem todos os trechos das praias da Armação e Barra da Lagoa estão sentindo os efeitos das tempestades. Em diferentes episódios, anos atrás, ondas de nordeste castigaram trechos localizados mais ao sul dos locais atualmente sob risco, promovendo a queda de postes e destruição de muros. Ainda, em outros momentos praias como a Daniela, que se manteve inalterada nas últimas semanas, foram duramente castigadas.
Mas o que fazer? Infelizmente não muito de imediato... Preventivamente deve-se evitar a instalação de estruturas físicas próximas à linha de costa. Mesmo que haja uma aparente estabilidade no local, eventos extremos e mudanças climáticas podem modificar os regimes de ondas e de formação de tempestades, promovendo o avanço do mar em várias dezenas de metros, sobretudo se a duna for ocupada e sua vegetação suprimida. Emergencialmente, compreende-se a tentativa de contenção pela colocação de sacos de areia e rochas na frente das construções, mas essas medidas são paliativas e pouco eficientes a médio prazo. O posto salva-vidas da Barra da Lagoa, que sofreu um grande reforço estrutural um ano antes de tombar é um bom exemplo de que isto não funciona. Aliás, embora ofereça alguma proteção temporária, pedras e muros tendem a promover a diminuição da faixa de areia na sua frente, pois as ondas que incidem sobre eles retornam com mais força, levando consigo os sedimentos para a porção submersa da praia.
Uma medida que tem apresentado eficiência razoável em várias partes do mundo, incluindo algumas praias do Brasil, é a alimentação ou engordamento da faixa de areia. Para tal, areias são dragadas do fundo marinho e distribuídas sobre a área que está sofrendo erosão. Poderia ser uma solução para setores com erosão crônica, como a praia da Armação, mas é uma tarefa custosa e que requer estudos detalhados para que dê bons resultados. Principalmente, é necessário constante monitoramento e manutenção periódica, com a colocação de mais areia de tempos em tempos.
Portanto, o combate à erosão é uma medida que deve ser tomada administrativamente pelo poder público e com a perspectiva de continuidade e garantia de aporte regular de dinheiro para a sua condução. Ou isso, ou as cenas que vimos recentemente continuarão a se repetir na próxima temporada de tempestades, ainda que em outros locais.
*Prof. Dr. Jarbas Bonetti. Coordenador do Laboratório de Oceanografia Costeira. Departamento de Geociências. Universidade Federal de Santa Catarina. Texto elaborado para o jornal Leste da Ilha (Barra da Lagoa) que autorizou sua publicação no Sambaqui na Rede.
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T e m p o r a i s
Por Esperidião Amin*
T e m p o r a i s
Por Esperidião Amin*
Tenho acompanhado as aflições e o drama. Contudo, ele não é inédito. Apesar dos aspectos agudos do drama, vale considerar o anexo.
Para leitura e reflexão:
Os recentes incidentes climáticos dão idéia de que estão ocorrendo coisas que "nunca tinham acontecido".
Não é bem assim. As páginas anexas (320 a 322, extraídas da Obra Completa do nosso primeiro historiador, publicada pelo Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina) referem-se a temporais ocorridos na nossa Ilha de Santa Catarina e no nosso litoral, narrados por Manoel Joaquim de Almeida Coelho, em sua obra "Memória Histórica da Província de Santa Catarina" (parte da citada Obra Completa), impressa pela Typographia Desterrense, de José Joaquim Lopes, em 1856.
Os temporais descritos aconteceram em 1811, 1830 e 1838. Dois deles (1811 e 1838) foram "lestadas", o que reforça e explica o temor que o vento de leste infunde na "Manezada" que tem memória. O de 1830 foi um "furacão" de vento da parte do sul, tendo durado poucos minutos (o primeiro "Catarina"???). Quanto à ajuda federal (imperial, na época), também há alguma coisa "contemporânea" ou "atual".
Para leitura e reflexão:
Os recentes incidentes climáticos dão idéia de que estão ocorrendo coisas que "nunca tinham acontecido".
Não é bem assim. As páginas anexas (320 a 322, extraídas da Obra Completa do nosso primeiro historiador, publicada pelo Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina) referem-se a temporais ocorridos na nossa Ilha de Santa Catarina e no nosso litoral, narrados por Manoel Joaquim de Almeida Coelho, em sua obra "Memória Histórica da Província de Santa Catarina" (parte da citada Obra Completa), impressa pela Typographia Desterrense, de José Joaquim Lopes, em 1856.
Os temporais descritos aconteceram em 1811, 1830 e 1838. Dois deles (1811 e 1838) foram "lestadas", o que reforça e explica o temor que o vento de leste infunde na "Manezada" que tem memória. O de 1830 foi um "furacão" de vento da parte do sul, tendo durado poucos minutos (o primeiro "Catarina"???). Quanto à ajuda federal (imperial, na época), também há alguma coisa "contemporânea" ou "atual".
Grande abraço Esperidião Amin
PS1: Se lerem com atenção, perceberão, ao final, que dos 40 contos anunciados pelo governo "central", a pedido de Jerônimo Coelho (ah! a imprensa...), só foram enviados 20 contos, os quais tiveram..."outra destinação" (certamente mais proveitosa!).
*Esperidião Amin Helou Filho foi prefeito de Florianópolis e governador de Santa Catarina. Professor da Universidade Federal de Santa Catarina.
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3° - Temporais*
Além das enfermidades que acabamos de referir, tem a Província passado por alguns outros transes bem sensíveis, dos quais sabemos de uns por havermos presenciado, e de outros por notícias que nos transmitiram pessoas de todo crédito. No ano de 1811, em quarta-feira de cinzas, foi a Ilha de Santa Catarina, e quase toda costa da Província acometida de um tão forte temporal de chuva e vento da parte de leste, que arrasou a lavoura, destruiu e conduziu ao mar todas quantas pontes haviam, além de muitos outros estragos.
No ano de 1830, pela madrugada do dia 15 de abril, foi a cidade do Desterro e toda a Ilha e continente fronteiro acometida de um furacão de vento da parte do sul, tão rijo, que trouxe à praia quantos navios se achavam ancorados no seu porto; o mar cresceu de maneira que, impelido do vento, fez chover ainda nos lugares mais elevados água salgada, houve quem atribuísse a um terremoto; durou porém poucos minutos, o que, certamente foi uma fortuna; porque, a continuar por mais algum tempo, ficaria a cidade rasa; a lavoura da Ilha e seus subúrbios da terra firme ressentiu-se tanto, que desde então (assim o crêem muitos habitantes) aparecem diversas enfermidades nas árvores e outras plantas. É este temporal pois que se atribui à escassez de frutas e outros males da lavoura.
No ano de 1838, nos dias 9, 10 e 11 de março foi a Ilha, e toda a costa da Província acometida de um temporal de chuva e vento .da parte de leste tão rijo, que abriu enormes rasgões pelos morros, quase toda a lavoura ficou rasa; todas quantas pontes haviam desaparecido; na capital rebentaram olhos d'água mesmo em terrenos muito elevados, algumas casas foram arrasadas e conduzidas ao mar pela força das águas; na Freguesia de Nossa Senhora das Necessidades, mais conhecida por Santo Antõnio, desapareceu a casa, aliás bem construída, do tenente Joaquim José da Silva, e conjuntamente com ele ficou sepultada toda sua família composta de onze pessoas; na Várzea do Ratones outra casa com a família de João Homem teve a mesma sorte; em outros lugares da província consta que houveram outras vítimas. O mar tornou-se, em grande distáncia da terra, vermelho de muito barro que recebeu; e mal se viu boiar em algumas partes animais, ou a fortuna de muitos lavradores. Muitas famílias ficaram reduzidas a penúria e miséria. Embarcação houve no porto da cidade, que virou a quilha por cima. No último dia, porém, permitiu a Suprema Providência que começasse a acalmar o temporal, e só assim porque a continuar por mais 48 horas, de certo apareceriam depois sobre a costa, especialmente da capital, só montões ou ruínas, e tal qual edificio. Mal se pode calcular o prejuízo da Província, e menos julgar do valor das terras que se tornaram inúteis. Por Decreto da Assembléia Legislativa da Província n° 89 de 7 de abril desse ano foi a Càmara Municipal favorecida com um suprimento para reparar os estragos mais sensíveis; e o digno deputado à Assembléia Geral Jerônimo Francisco Coelho pode ali obter que o Governo Imperial mandasse repartir pelos habitantes, a quem o temporal reduzira a penúria, 40 contos de réis; infelizmente, porém, é sabido que só vieram 20 contos, e que estes mesmos tiveram outra aplicação, mui distinta daquela que foram destinados.
* Texto de Manoel Joaquim de Almeida Coelho encaminhado por Esperidião Amin.
2 comentários:
Muito boa as colocações do Professor. Sugiro entrar no YOUTUBE digite Bagwall e assista o video dessa nova tecnologia de sucesso no controle da erosão costeira no Brasil.
Fico feliz que o texto de Manoel Joaquim de Almeida Coelho, que fiz circular em 02.12.2008 logo após as terríveis enchentes daquele ano, enviando-o a diversos formadores de opinião tenha ganho a internet em geral, inclusive o hotsite da RBS sobre o tema à época, o “SOS Santa Catarina”.
Eu havia comprado o livro no IHGSC poucos dias antes para pesquisar um fato histórico relacionado à Guerra dos Artigas: a prisão de Andrezito Artigas no RS, em 1819, por meu pentavô, o manezinho nascido em Desterro em 1794, Joaquim Antônio São Thiago, registrada pelo autor quando no livro trata da memória histórica do Regimento Barriga-Verde, que meu pentavô integrava à época como sargento.
Quando deparei-me com o relato do temporal de 1838 não tive dúvidas em digitá-lo e encaminhá-lo por e-mail. A primeira pessoa a receber minha mensagem foi o colunista Moacir Pereira, mas acredito que quem a fez circular foi o Mário Motta. Um jornal de Biguaçu também publicou o texto, encaminhado pela ACATMAR, entidade para a qual eu também o havia enviado na qualidade de associado.
Enfim, o importante é o texto circular, especialmente pelo que trata em seu final…
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