2.11.10

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Miscelânia pós-eleitoral
E X P E C T A T I V A S

Ilustração: Uelinton Silva

As opiniões de Elaine Tavares,
Emanuel Medeiros Vieira,
Leonardo Boff e Raul Fitipaldi


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Fotos: Celso Martins. Ponta do Sambaqui.
Entardecer na Baía Norte de Florianópolis

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Uma mulher na presidência

Por Elaine Tavares - jornalista

Sempre admirei as mulheres valentes e ainda me arrepio ao lembrar Micaela Bastidas, vendo seus filhos e seu marido serem esquartejados, impávida, sabendo que havia feito a coisa certa: lutar pela liberdade, contra o colonialismo, pela sua terra e pelo direito de ser quem era. Encanta-me a história de Juana Azurduy, espada em punho, lutando pela libertação desta “nuestra América”, encurralada, com seus filhos nos braços, sem nenhuma vacilação. Ou ainda Bartolina Sisa, comandando as tropas aymaras no cerco a La Paz, poderosa como uma deusa, a alertar para o perigo da conciliação de classe. E Manuelita Saenz que, desde seu profundo amor por Bolívar, se fez generala, defendendo a liberdade assim como defendia seu homem, adaga na mão, lutando contra os assassinos. Ou Anita Garibaldi, que enfrentou o olhar de reprovação dos seus e partiu, montada em seu cavalo, com seu amor, empunhando a espada na luta pela liberdade. Ah, essas mulheres...

Poderia ainda citar outras tantas que, nestas terras de Abya Yala, mostraram seu valor, entregando a vida para construir um mundo novo, que garantisse a liberdade e a soberania popular. Mulheres guerreiras que simplesmente foram à luta sem reivindicar diferença de gênero, porque o que estava em jogo era o futuro das gentes e isso era tudo o que importava. E foi porque me criei ouvindo estas histórias que nunca fui muito afeita a esse debate feminista. Desde pequena, nas planuras da fronteira, as mulheres da minha vida, poderosas, estavam muito mais para Ana Terra que para Bibiana. Sempre prenhas de minuano e horizontes, as mulheres da minha infância empunhavam armas, corcoveavam nos cavalos bravios, banhavam-se nuas nas sangas, dormiam com seus homens na campina, disputavam carreira, queda de braço, tomavam caçacha e ainda lavavam roupa e faziam comida, com o palheiro acesso entre os lábios e aquele olhar de picardia.

Digo isso para alertar sobre o fato de que termos agora a primeira mulher presidente não quer dizer muita coisa. Porque antes de tudo é preciso saber: que projeto de país tem essa mulher? Que propostas têm para a educação, a saúde? Que modelo econômico vai defender? Com que valentia vai enfrentar a oligarquia agrária? Como vai enfrentar o tema dos povos originários? Até onde vai ceder diante da pressão das transnacionais? O quanto vai efetivamente tornar real o serviço público capaz de atender as demandas concretas da população? Assim, o fato de ser mulher não a torna especial. O que a fará única e “imorrível” é o caminho que vai trilhar. Basta lembrar Margareth Tatcher, a dama de ferro, mulher. E aí? Qual o seu legado para a Inglaterra? Para quem governou? Quem não se lembra da lenta e cruel destruição da categoria dos mineiros?

Dilma Russef tem uma linda história. É, sem dúvida, uma guerreira. Passou pela luta contra a ditadura, foi presa, torturada e tudo o mais do pacote básico das violentas ditaduras desta nossa América. Sobreviveu não só no que diz respeito à vida mesma, mas também na capacidade de superar e constituir uma bonita carreira profissional e política. Mas, no governo de Luis Inácio, foi “a mãe” do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que, muitas vezes, mal planejado e eleitoreiro, não cumpriu com a sua promessa de melhorar a vida das gentes. Um exemplo da minha aldeia: aqui, no bairro Campeche, o PAC financiou a construção de uma rede coletora de esgoto. Isso é bom. Mas a proposta que tem para o destino final é a construção de um emissário que leve os dejetos todos para o mar, poluindo e destruindo a natureza. Que crescimento isso acelerou? Também foi ela quem ajudou a derrubar os “entraves ambientais” para a construção de grandes usinas, comprovadamente nocivas ao meio ambiente e as gentes. Isso foi ruim, muito ruim. Que o digam as gentes ribeirinhas e os povos indígenas.

Agora ela aí está. Competente, séria, dedicada, criatura do Lula, a quem agradeceu emocionada no seu discurso de posse. “Sou uma mulher de esquerda”, declarou em uma entrevista. “Vou governar para todos”, insistiu na sua fala à nação pouco depois de eleita, e deu bastante ênfase a idéia de desenvolvimento, fazendo crer que o Brasil pode entrar para o seleto clube dos países centrais. Mas, é isso que se quer? Ser “desenvolvido” como a Inglaterra, os Estados Unidos, a França? Ser predador, explorador, imperialista? Há que ver qual é a estação final a qual Dilma quer chegar.

Os oito anos de Luis Inácio foram anos de bonança para a elite nacional. Nunca os ricos ganharam tanto, nunca os bancos ganharam tanto, nunca os latifundiários ganharam tanto. O próprio Luis Inácio admitiu isso em um de seus discursos. É fato que os pobres tiveram um quinhão do bolo, mas, vamos combinar, um pequeno quinhão. O bolsa família deu sobrevida a uma gente que definhava, mais ainda não lhes apontou o caminho da libertação. Criaram-se 14 novas universidades, que ainda patinam na qualidade. Com o Reuni, deu-se muita grana para as escolas privadas, embora isso garantisse vaga para alunos carentes. Então, não dá para negar que houve alguns avanços, mas sempre se reivindicou que era preciso mais. Muito mais.

Hoje, na senda neodesenvolvimentista apregoada por Dilma, estão encerradas as promessas de crescimento econômico e social, o que parece coisa boa. Mas, talvez falte ao governo explicar a custa do quê isso pode acontecer. Se antes o chamado desenvolvimento estava bloqueado pela dívida externa, hoje, sendo o Brasil periferia e dependente, esse tal desenvolvimento só pode chegar com o sacrifício da maioria, os mais pobres. E sempre tem sido assim. Desenvolvem-se os mais ricos, recorrentemente.

Dilma falou em diminuir a diferença entre os mais ricos e os mais pobres, em acabar com a miséria, com a cracolândia, com o atraso. Promessas grandiosas que serão cobradas. Mas, na queda de braço com a elite nacional é que se poderá ver até onde vai a posição de esquerda da nova presidente. Existe aí um grande desafio que não será vencido sem uma mudança radical na proposta de organização da vida. O desenvolvimento sonhado não pode ser o mesmo dos países centrais. Há que se avançar para uma proposta nacional popular, capaz de realmente garantir a participação popular efetiva e protagônica. Sem a soberania do povo os avanços serão pífios.

Enfim, aí está a nova presidenta, uma mulher que “sim, pode”. Mas, feminina ou não, sua proposta de governo estará sob as luzes, e a nós cabe acompanhar. Sabemos que na composição PT/PMDB não deve haver espaço para o avanço no rumo do socialismo. O que se pode esperar são algumas reformas, e muitas delas serão contra as gentes, como a anunciada nova reforma da previdência, cuja versão européia está levando milhões às ruas no velho continente. Isso significa que não há tempo para esmorecer na luta por outra forma de viver. A luta das gentes segue e seguirá até que se construa, coletiva e conscientemente, a nova sociedade.

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"QUEREMOS ELEVAR
OS VALORES
REPUBLICANOS",

DIZ DILMA. COM PALOCCI AO LADO...


Por Emanuel Medeiros Vieira

Eles comemoravam a vitória num hotel em Brasília.
Era domingo à noite. Nunca esquecerei.
E dona Dilma falou. Falou, falou.
E, num momento, disse que queria "elevar os valores republicanos".
Não, não esquecerei.
"Elevar os valores republicanos": o senhor Antônio Palocci estava ao seu lado.
Que exemplo republicano! Lembram-se dele? De sua vida de prefeito em Ribeirão Preto, onde esteve envolvido em negócios com lixo?
Não me alongarei sobre isso. É um homem muito rico.
Mas QUERO QUE SE LEMBREM DO QUE ELE FEZ com um humilde caseiro, violando sua conta bancária, atitude que em que em qualquer país decente seria considerado fato gravíssimo, e ele seria penalizado duramente.
Mas é o Brasil "cordial", do samba, do futebol, da "alegria" e do esquecimento.
Não aconteceu nada com ele. O caseiro foi esquecido.
E Palocci é de um partido dito dos trabalhadores.
DOS TRABALHADORES!
No hotel, Palocci passava anotações para a senhora eleita. Vai ser seu homem forte.
Confesso que quando contemplei algunas figuras que festejavam a vitória, fiquei arrepiado.
E alguns cantavam o hino nacional. Aplaudiam a fala de Dilma.
Os sorrisos de alguns era de amedontrar.
Meu temor deve ter sido exagerado.
Ela também disse que aprendeu muito com a "imensa sabedoria" (!) de Lula.
Internalizei os piores pesadelos.
É como se contemplasse um convescote de aves de rapina.
Uma voz me disse: "Não exagera".
Aves de rapina?
Quem sabe, esse consórcio PT/PMDB seja iluminado, franciscano e edificante!
Na chapa petista eleita para o governo do DF, há um senhor, que foi íntimo amigo de Roriz e de Arruda, acusado de mandar atirar em operários, com práticas bem semelhantes as dos antigos coronéis nordestinos (hoje, eles trajam ternos finos, usam celulares sofisticadose andam em carros de luxo).

Vamos ser claros.
Esse indiferença com a sorte do caseiro e da violação praticada pelo senhor Antônio Palocci, é uma metáfora de uma sociedade tão hierarquizada.
É o retrato de uma sociedade tão complacente com a corrupção.
É a ilustração de tantas pessoas que dirigem falando ao celular.
Que não respeita sinais vermelhos.
Que não obedece filas.
Que estaciona em vagas de idosos e deficientes.
Que sempre dá um jeitinho. Que não cumpre compromissos. Que atrasa o condomínio, mas tem o carro do ano.
Que quebra orelhões. Que rouba fios telefônicos. Que destrói praças. Que suja as praias. Que joga lixo pelo ônibus ou pelo carro. Que tenta subornar guardas para não pagar multas de trânsito.
Que assalta seus semelhantes.
É uma metáfora de uma sociedade altamente "criativa": no geral, para não fazer o Bem
É o país do império do tráfico.
Da banalização do mal. Onde o mérito cedeu às indicações políticas.
Onde o sindicalismo é um dos mais pelegos do mundo.
É o retrato de um país, onde vários antigos socialistas venderam os seus ideais, deslumbrados com o poder.
Ondeu um presidente tão "popular" diz que lê dá azia.
De uma sociedade na qual se vende o voto por uma telha, por um pacote de cimento, por qualquer bolsa-anestesia.
(Eu sei. Isso não acontece em todas as regiões do país.)
Me chamarão de pessimista.
Não tenho mais idade parae passar panos quentes. Sou realista.
Não me importa a avaliação de antigos colegas que trocaram seu ideais por "bocas" no governo.
Sei que a ética é mais importante que a retórica de qualquer ideologia.
Praticam tremendas malfeitorias com álibis ideológicos. "Sou de esquerda", berram.
A autenticidade e a verdade não são suas companheiras.
Pobre de um governo que não valoriza o estudo, o mérito, o esforço pessoal e estimula a preguiça e a malandragem.
Sei que contarei com o respeito de quem realmente me importa.
Não são poucos os homens de bem deste país.
Votamos!
Sempre melhor do que viver numa ditadura.
Mas precisamos estar atentos. Essa gente não gosta do contraditório.

Mas esse não foi o país com quem sonhei aos 20 anos, quando me aliei a bravos e corajosos companheiros na Ação Poular -AP- (antes da mesma cair nos braços do stalinismo), para transformar o país.

Enquanto isso, quem ainda fala do caseiro?

(EMANUEL MEDEIROS VIEIRA)
Brasília, 1° de novembro de 2010

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Desafios para
a Presidente

Dilma Rousseff



Por Leonardo Boff*

Celebramos alegremente a vitória de Dilma Rousseff. E não deixamos de folgar também pela derrota de José Serra que não mereceu ganhar esta eleição dado o nivel indecente de sua campanha, embora os excessos tenham ocorrido nos dois lados. Os bispos conservadores que, à revelia da CNBB, se colocaram fora do jogo democrático e que manipularam a questão da descriminalização do aborto, mobilizando até o Papa em Roma, bem como os pastores evangélicos raivosamente partidizados, sairam desmoralizados.

Post festum, cabe uma reflexão distanciada do que poderá ser o governo de Dilma Rousseff. Esposamos a tese daqueles analistas que viram no governo Lula uma transição de paradigma: de um Estado privatizante, inspirado nos dogmas neoliberais para um Estado republicano que colocou o social em seu centro para atender as demandas da população mais destituida. Toda transição possui um lado de continuidade e outro de ruptura. A continuidade foi a manutenção do projeto macroeconômico para fornecer a base para a estabilidade política e exorcizar os fantasmas do sistema. E a ruptura foi a inauguração de substantivas políticas sociais destinadas à integração de milhões de brasileiros pobres, bem representadas pela Bolsa Familia entre outras. Não se pode negar que, em parte, esta transição ocorreu pois, efetivamente, Lula incluiu socialmente uma França inteira dentro de uma situação de decência. Mas desde o começo, analistas apontavam a inadequação entre projeto econômico e o projeto social. Enquanto aquele recebe do Estado alguns bilhões de reais por ano, em forma de juros, este, o social, tem que se contentar com bem menos.

Não obtante esta disparidade, o fosso entre ricos e pobres diminuiu o que granjeou para Lula extraordinária aceitação.
Agora se coloca a questão: a Presidente aprofundará a transição, deslocando o acento em favor do social onde estão as maiorias ou manterá a equação que preserva o econômico, de viés monetarista, com as contradições denunciadas pelos movimentos sociais e pelo melhor da inteligentzia brasileira?

Estimo que, Dilma deu sinais de que vai se vergar para o lado do social-popular. Mas alguns problemas novos como aquecimento global devem ser impreterivelmente enfrentados. Vejo que a novel Presidenta compreendeu a relevância da agenda ambiental, introduzida pela candidata Marina Silva. O PAC (Projeto de Aceleração do Crescimento) deve incorporar a nova consciência de que não seria responsável continuar as obras desconsiderando estes novos dados. E ainda no horizonte se anuncia nova crise econômica, pois os EUA resolveram exportar sua crise, desvalorizando o dólar e nos prejudicando sensivelmente.
Dilma Rousseff marcará seu governo com identidade própria se realizar mais fortemente a agenda que elegeu Lula: a ética e as reformas estruturais. A ética somente será resgatada se houver total transparência nas práticas políticas e não se repita a mercantilização das relações partidárias(“mensalão”).

As reformas estruturais é a dívida que o governo Lula nos deixou. Não teve condições, por falta de base parlamentar segura, de fazer nenhuma das reformas prometidas: a política, a fiscal e a agrária. Se quiser resgatar o perfil originário do PT, Dilma deverá implementar uma reforma política. Será dificil, devido os interesses corporativos dos partidos, em grande parte, vazios de ideologia e famintos de benefícios. A reforma fiscal deve estabelecer uma equidade mínima entre os contribuintes, pois até agora poupava os ricos e onerava pesadamente os assalariados. A reforma agrária não é satisfeita apenas com assentamentos. Deve ser integral e popular levando democracia para o campo e aliviando a favelização das cidades.

Estimo que o mais importante é o salto de consciência que a Presidente deve dar, caso tomar a sério as consequências funestas e até letais da situação mudada da Terra em crise sócio-ecológica. O Brasil será chave na adaptação e no mitigamento pelo fato de deter os principais fatores ecológicos que podem equilibrar o sistema-Terra. Ele poderá ser a primeira potência mundial nos trópicos, não imperial mas cordial e corresponsável pelo destino comum. Esse pacote de questões constitui um desafio da maior gravidade, que a novel Presidenta irá enfrentar. Ela possui competência e coragem para estar à altura destes reptos. Que não lhe falte a iluminação e a força do Espírito Criador.

*Leonardo Boff é Teólogo. Texto encaminhado pela escritora Urda Klueger.

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Dilma lá! E agora José?

Por Raul Fitipaldi*

Os fenômenos políticos que marcam o início do milênio na América Latina são parentes, mas não são irmãos. Dessa sorte, o que se observa como bom para a região não necessariamente é o ideal para cada país.

A inexistência de alternativas para uma transformação desde a perspectiva da classe pobre (trabalhadora ou desempregada) fica manifesta em cada processo eleitoral do sistema burguês. O PSoL e o PSTU, por exemplo, não constituem um projeto de poder, nem sequer algo mais que uma amostra de que se pode pensar distinto, embora de forma insignificante. Marina Silva, ao menos até agora, é uma nova “grife” do sistema com ares ecologicamente populares.

A vitória de Dilma Rousseff, importante desde o ponto de vista de gênero e, sobretudo, da continuidade política do governo Lula e do modelo que agrada aos mercados, é muito boa, no entanto, para o atual estágio da América Latina. Todo governo progressista deve saudar essa vitória de forma honesta, porém, sem outra expectativa que manter o atual patamar estratégico de relativa unidade para enfrentar-se com os Estados Unidos e a União Européia, além de, naturalmente, ter trânsito e táticas comerciais e políticas comuns com o sócio maior da América Latina. Implica isso também numa relação mais harmônica para enfrentar as assimetrias com o próprio Brasil, Rússia, Índia e China (mais outros aliados conjunturais) e ser menos dependentes dos velhos países centrais.

Não pode ser outra a expectativa porque dentro do Brasil se fracassou e se continua fracassando na criação de alternativas de poder ao modelo, e não será o Brasil que vai apostar numa derrota fundamental do sistema. Não foi o Brasil do Lula nem será o Brasil do Dilma.

A exaltação da Constituição de 88 continua sendo suficiente para garantir que na sua contramão se necessário, todo e qualquer governo encontrará a medida necessária do que pode-se fazer para sustentar a gobernabilidade, como se deve driblar a mobilização popular, como se deve usar o aparelho estatal, o congressual e o jurídico, e como se pode cumprir com a ordem do mercado e distribuir alguma migalha com sensação de conforto (a facilidade para o crédito e a estabilidade aparente, com uma inflação puxada para abaixo do tapete) que será submetida a prova com o declínio econômico dos grandes clientes da União Européia e dos EUA. China é o sócio principal, se ele compra mais e mais ainda tudo bem, se ele pára de comprar, Dilma, Palocci e companhia terão bons motivos para esfaquear a sensação de conforto, começando pelo sistema previdenciário e depois, pela parca distribuição da riqueza.

A sombra benéfica de Lula sempre será uma proteção para a nova Presidente, mas, também para o eleitor (o Povo, ao fim) que suportou séculos de exploração sem um mísero assistencialismo sequer, e pode, por que não, suportar quatro anos mais, se alguém sabe lhe inculcar com bons modos (os de Mantega, Ciro Gomes, Michel Temer, Celso Amorim, entre outros) que a culpa é dos países centrais, do protecionismo. E é, mas, sobretudo sonegando-lhe ao Povo que o sistema capitalista, que o modelo ao qual tem seguido piamente o governo Lula está falido.

Entretanto, alguém levantará a bandeira de um país diferente? De uma Constituição melhor que a mítica 88, que é maravilhosa, mas, não demonstra ser tão útil para eliminar a miséria, para acabar com a riqueza injusta, com a violação dos valores fundamentais da sociedade pobre, majoritária e produtora dessa riqueza que nos faz uma “potência” para fora e um país injusto para adentro? O “alinhamento” dos Movimentos Sociais à candidatura Dilma, especialmente no 2º. Turno é compreensível, porém, não pode ser gratuito. Precisa passar fatura, necessita exigir o cumprimento da Reforma Agrária, o incentivo à educação dos setores do povo excluído, à laicidade do Estado (não existe aqui um tom moralista e sim econômico), às liberdades de opção sexual, à PLENA soberania ambiental, territorial, energética, alimentar e nada disso parece estar na pauta da nova administração que começa em 2011.

Apenas se assoma uma Campanha de Erradicação da Pobreza. Qual delas? São tantas as pobrezas, que só com a distribuição total da riqueza é possível erradicar a pobreza que destrói às gentes que apenas sobrevivem. Os Movimentos Sociais precisam exigir a distribuição das terras, da estrutura de produção e a DEMOCRACIA DIRETA, e parece que só uma Assembléia Constituinte que encurte a relação entre o Poder e Povo (e este controle esse Poder) pode conseguir os mecanismos para tal realização. Isso não estará na agenda de Dilma, tem que surgir da agenda dos Movimentos Sociais e da Classe Trabalhadora do Brasil.

Enquanto isso haverá momentos mais doces, mais azedos, mas sempre será um país na lógica do capitalismo mais perverso e excludente, esse que nem se observa tanto aqui no Sul, e que parece mais uma obra de García Márquez que a verdade cotidiana de um Brasil imenso que vota e uma semana depois nem sabe a quem votou.

Chegou Dilma, é a primeira mulher no poder depois da princesa Isabel; é o Terceiro Milênio, é a América Latina-Abya Yala em debate de transformação, é a Pátria Grande jogando suas fichas. Podemos apostar em Dilma? Não se sabe ainda, mas, não é para jogar muitas fichas.

O salutar é a derrota eleitoral da pior da oligarquia paulista, mas, é pouco. Na casa de Andrea Matarazzo alguém perguntou: - E agora José? E José: - Deixa pra lá, Aécio já fez sua Carta ao Povo Brasileiro.

*Raul Fitipaldi é coordenador do Portal DESACATO.

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