20.1.10

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O Haiti é o mundo


Foto: NASA.

Por Amílcar Neves

O Haiti é a catástrofe do momento. E por “momento” entenda-se, aqui, um lapso de tempo cada vez menor. Não conseguimos digerir e acompanhar duas grandes catástrofes simultaneamente. Menos ainda rastrear todas as catástrofes, maiores e menores, que nos assolam pelo mundo afora. Por isso, pulamos de catástrofe a catástrofe cada vez com maior frequência, abandonando e esquecendo a anterior, a do mês passado, a da semana passada, a de ontem, talvez a de hoje de manhã, tudo dependendo apenas da velocidade de sucessão das catástrofes. Com o Haiti não será diferente: daqui a pouco estaremos mergulhados até os olhos em um novo e monumental desastre.

Acontece o mesmo com os escândalos políticos no Brasil: não temos sequer tempo para saber de punições (?) e arder por elas, pois sempre haverá mais dinheiro jorrando de algum lugar, brotando em meias, cuecas, calcinhas e sutiãs. Acontece o mesmo com os escândalos no Brasil e nós sabemos perfeitamente em quê tudo acaba dando. No fundo, torcemos pelo próximo escândalo que venha preencher o vazio das nossas noites e das nossas cabeças. Hienas degeneradas, depravadas, precisamos nos alimentar de desgraças reiteradas e sair da mesa rindo da refeição.

Com o Haiti não será diferente, a despeito da tragédia que engolfa três milhões de pessoas (37% da população) do país mais pobre e sofrido das Américas, a despeito das vidas brasileiras lá perdidas (uma decorrência da importância crescente do Brasil no cenário mundial: morrerem brasileiros em qualquer lugar em que acontecer alguma coisa que mate pessoas): o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU, o IPCC, alerta que os “eventos extremos” da natureza serão cada vez mais frequentes e intensos.

Mas não sejamos otimistas assim. Autor de Gaia: Alerta Final, James Lovelock, cientista inglês de 90 anos que planeja lançar outro livro em 2013, assegura que “a gravidade das mudanças climáticas é ainda maior que a indicada pelo IPCC”. E acrescenta: “Na questão do aumento do nível do mar, por exemplo, que é um termômetro quase perfeito do aquecimento global, os dados são, em geral, a metade do que está acontecendo.”

Teremos, portanto, muito com que nos ocupar daqui para a frente. A despeito da desgraça que devastou o Haiti. Enfim, como diz Lovelock, “quem corre perigo são os humanos, que podem ser reduzidos vastamente, não a Terra”.

*Amilcar Neves, escritor.
Crônica publicada na edição de hoje (20.1) do
jornal Diário Catarinense (Florianópolis-SC).
Reprodução autorizada pelo autor.

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