27.1.10

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Cinema em 61”


Por Amílcar Neves*

O assunto surgiu ao acaso no sábado anterior, durante o jantar de aniversário da Maria Lúcia: o Antônio, marido dela, mostrava-se preocupado com o destino da televisão velha, comprada em 2002, agora substituída por um modelo de, sei lá, plasma, visor de cristal líquido ou diodo emissor de luz, com tela larga feito cinema e capacidade full HD. Aparelho de estimação, o receio dele era que a peça substituída, e ainda em perfeito estado de funcionamento, se deteriorasse rapidamente pela proximidade do mar e pelo fato de ficar parada, às traças, aranhas e baratas, num canto qualquer da espaçosa garagem da casa deles em Jurerê. Comentou que oferecera o receptor de graça mas todos recusavam o mimo: ou porque já tinham produto similar ou por não disporem, em casa, de espaço suficiente para aproveitar os benefícios da telona.

Havia ainda a questão do peso, o Antônio não deixava de esclarecer: precisou de quatro homens jovens, na plena força dos músculos, para baixar pelas escadas a enorme estrutura, muito fácil de ser deslocada sobre superfícies planas horizontais graças à existência de sólidas rodinhas, recurso, porém, inútil nas transposições entre planos. O que não podia era conceber que sua tevê de 61 polegadas de tela plana se perdesse de forma tão inglória e melancólica, podre e esquecida pelos cantos.

O primo do Antônio e a mulher do primo se entreolharam e, quase ao mesmo tempo, perguntaram se era verdade mesmo que ele pensava entregar o aparelho de graça e qual seria o perfil do eventual beneficiário. Na sexta-feira seguinte, definidos todos os detalhes, a máquina foi transportada, instalada e testada, com leitores de DVD e de fita VHS conectados a ela. A sala que recebeu a maravilha foi redecorada, com todos os móveis mudados de lugar (paradoxalmente, deixando o espaço mais livre do que antes da chegada da televisão).

De repente, bateu no casal uma febre de cinema e musicais: da sexta até o domingo, muita coisa desfilou pelas 61 polegadas: astros e estrelas, cantores e cantoras, músicos e músicas. Filmes venerados saltaram de gavetas e armários, outros foram baixados da Internet e gravados em DVD.

Consta que já organizam uma programação de dar inveja a muito cinéfilo de carteirinha. E, enquanto aguardam a Copa do Mundo, fazem o esquenta assistindo aos jogos do Avaí numa tela finalmente compatível com o futebol do time.

*Amilcar Neves, escritor.
Crônica publicada na edição de hoje (27.1.2010)
do jornal Diário Catarinense (Florianópolis-SC).
Reprodução autorizada pelo autor.

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