E o abalo psicológico, senhores?
Por Amílcar Neves
A matéria foi distribuída pela BBC em 8 de outubro passado. O título provocante instiga à leitura: “Neto de ex-líder soviético Stalin processa jornal por difamar seu avô”.
Caramba! Já pensaste? Caminhas pela rua e escutas as pessoas dizerem que o teu amado avô, tão dócil e gentil contigo, na verdade não passa de um facínora. Como não haverá de abalar-se profundamente com isso o teu espírito ainda verde, em plena formação? E o teu equilíbrio psicológico, aonde irá parar? Acima disso: será que um dia reencontrarás esse equilíbrio ouvindo persistentemente as pessoas destratarem o teu doce avô? Quem não reagiria com bravura e destemor a essa inominável e bárbara agressão?
Pois foi o que aconteceu: “O neto do ex-líder soviético Joseph Stalin abriu um processo nos tribunais russos contra um jornal liberal que ele acusa de difamar seu avô. Yevgeny Dzhugashvilli disse que um artigo na publicação Novaya Gazeta dizendo que Stalin ordenou pessoalmente as execuções de cidadãos soviéticos é uma mentira.” O texto conclui:
“O professor de História Orlando Feges, da Universidade de Birkbeck, em Londres, disse que o caso é bizarro, já que há vários documentos comprovando o envolvimento de Stalin nas execuções. 'Não entendo por que o tribunal aceitou seguir adiante com o processo', disse Feges. 'Desde 1991, centenas de documentos dos arquivos da KGB sobre o assunto foram liberados e publicados'.”
Eugênio, o neto, se daria bem em Santa Catarina. Ainda que os acontecimentos do passado tivessem ocorrido em 1919, ele leria na sentença judicial joias como “O fato é que, independente da veracidade das informações e das respectivas fontes, houve excesso por parte dos réus na forma como [o avô] foi descrito. (…) Não se pode aceitar, pois, que um livro de ficção contenha palavras de desrespeito a cidadão que, de fato, existiu. (…) Qualquer pessoa seria prejudicada psicologicamente ao tomar ciência de que seu ascendente foi tachado com palavras ofensivas. (…) Evidente que os descendentes podem defender a imagem do ente querido já falecido, pois, quem ainda vive, sofre os efeitos das boas ou más qualidades atribuídas aos que já se foram.”
Além de Stalin, estarão salvas as memórias e preservadas as imagens de Hitler, Bush e Médici. E, apoiados na Justiça, poderemos questionar a ocorrência do Holocausto ou da Guerrilha do Araguaia.
*Amilcar Neves, escritor.
Crônica publicada na edição de hoje (14.10.2009)
do jornal Diário Catarinense.
Reprodução autorizada pelo autor.
Caramba! Já pensaste? Caminhas pela rua e escutas as pessoas dizerem que o teu amado avô, tão dócil e gentil contigo, na verdade não passa de um facínora. Como não haverá de abalar-se profundamente com isso o teu espírito ainda verde, em plena formação? E o teu equilíbrio psicológico, aonde irá parar? Acima disso: será que um dia reencontrarás esse equilíbrio ouvindo persistentemente as pessoas destratarem o teu doce avô? Quem não reagiria com bravura e destemor a essa inominável e bárbara agressão?
Pois foi o que aconteceu: “O neto do ex-líder soviético Joseph Stalin abriu um processo nos tribunais russos contra um jornal liberal que ele acusa de difamar seu avô. Yevgeny Dzhugashvilli disse que um artigo na publicação Novaya Gazeta dizendo que Stalin ordenou pessoalmente as execuções de cidadãos soviéticos é uma mentira.” O texto conclui:
“O professor de História Orlando Feges, da Universidade de Birkbeck, em Londres, disse que o caso é bizarro, já que há vários documentos comprovando o envolvimento de Stalin nas execuções. 'Não entendo por que o tribunal aceitou seguir adiante com o processo', disse Feges. 'Desde 1991, centenas de documentos dos arquivos da KGB sobre o assunto foram liberados e publicados'.”
Eugênio, o neto, se daria bem em Santa Catarina. Ainda que os acontecimentos do passado tivessem ocorrido em 1919, ele leria na sentença judicial joias como “O fato é que, independente da veracidade das informações e das respectivas fontes, houve excesso por parte dos réus na forma como [o avô] foi descrito. (…) Não se pode aceitar, pois, que um livro de ficção contenha palavras de desrespeito a cidadão que, de fato, existiu. (…) Qualquer pessoa seria prejudicada psicologicamente ao tomar ciência de que seu ascendente foi tachado com palavras ofensivas. (…) Evidente que os descendentes podem defender a imagem do ente querido já falecido, pois, quem ainda vive, sofre os efeitos das boas ou más qualidades atribuídas aos que já se foram.”
Além de Stalin, estarão salvas as memórias e preservadas as imagens de Hitler, Bush e Médici. E, apoiados na Justiça, poderemos questionar a ocorrência do Holocausto ou da Guerrilha do Araguaia.
*Amilcar Neves, escritor.
Crônica publicada na edição de hoje (14.10.2009)
do jornal Diário Catarinense.
Reprodução autorizada pelo autor.
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