11.3.11

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Ameaças ao paraíso
(Emanuel Medeiros Vieira)

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Drenagem criminosa
das águas do Campeche

(Elaine Tavares)


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Praia das Flores (Sambaqui), 10.3.2011. Foto: Celso Martins

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Fotos: Maurício de Sousa


SUL DA BAHIA:
PARAÍSO AMEAÇADO


Por EMANUEL MEDEIROS VIEIRA

Queria falar sobre uma viagem pelo interior da Bahia, no carnaval, rodando quase 2000 quilômetros. Neste relato, vou concentrar minha meditação no belo Sul do Estado, mais especificamente, à região cacaueira (cuja geografia literária, conheci aos 20 anos, lendo os romances de Jorge Amado, como o belo “Terras do Sem Fim”).

E é exatamente essa linda região que está sendo ameaçada.

O Sul da Bahia é caracterizado por seu enorme patrimônio ecológico – paisagens de valor histórico e espécies animais e vegetais ameaçadas de extinção.

Neste lugar especial é que está sendo preparada a instalação do Complexo Porto Sul, com graves impactos, conforme denúncias de mais de 90 organizações da sociedade civil, que já assinaram um manifesto pelo desenvolvimento sustentável e contra a referida obra.

A região do empreendimento é parte da Área de Proteção Ambiental da Lagoa Encantada e Rio Almada, com manguezais, dunas e restingas e espécies raras da fauna e flora, locais que seriam gravemente afetados.

A área onde se prevê construir o complexo tem uma importância planetária no que tange à sua mega-biodiversidade, como observa a Rede Sul da Bahia Sustentável, que tem se mobilizado contra o empreendimento .

É reconhecida pela UNESCO como reserva da Biosfera da Mata Atlântica e foi objeto de narrativas de importantes naturalistas – tais como Von Martius, Von Spix e Charles Darwin – que descreveram a região, constatando sua beleza natural, sua rica biodiversidade e os recifes de coral lá presentes.

Estudos mostram que há alternativas menos impactantes e mais eficientes em termos econômicos, sociais e ambientais.

Além disso, atividades como o cacau, o turismo ambiental e a pesca – que são economicamente viáveis e de baixo impacto socioambiental –, valorizam a vocação da região.

O porto oferecerá poucos empregos, exigindo a contratação de mão de obra fora da região, promovendo o crescimento desordenado e caótico das cidades e vilas.

A cultura do cacau é responsável por mais de 50% de toda a riqueza produzida no Sul da Bahia e emprega cerca de 200 mil pessoas.

Muitos empreendedores plantam cacau em meio à Mata Atlântica, com impacto mínimo na floresta.

Só a região no entorno de Ilhéus, possui uma das maiores frotas pesqueiras da Bahia, empregando mais de sete mil pessoas.

A região também vem se tornando um pólo relevante de tecnologia e produção científica – atividades que, por suas características não trazem impactos ambientais.


O turismo baseado no modelo de desenvolvimento sustentável, tem papel fundamental no combate à pobreza.

O Sul da Bahia é um dos destinos mais importantes do Brasil, graças à natureza exuberante e ao patrimônio histórico.

A Bahia não merece tal Porto.

Itacaré é um dos lugares mais bonitos do litoral brasileiro. O local também será afetado.

Deixo para outra meditação: o governador quer trazer a todo custo uma usina nuclear para a Bahia.

Às vezes, penso que o Apocalipse está nos nossos calcanhares.

Alguns não percebem, outros ironizam e debocham de tais reflexões.

O que está em jogo é a vida. Sim, a vida.

Quando a maioria dos seres humanos descobrirem a Besta, poderá ser tarde – muito tarde – para a salvação.

(Salvador, março de 2011).


Saiba mais sobre o empreendimento
no blog Acorda meu povo

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Desperdício criminoso de
água pura segue sem freio


Por Elaine Tavares*

A água não é coisa para brincadeira não. Existem países no mundo que já sofrem falta deste líquido precioso e que chegam a estabelecer lutas para poder garantir o abastecimento. Pelo menos 17 países do Oriente Médio, sul da África, regiões secas da Índia e China, envolvendo um bilhão de pessoas já não conseguem manter os mesmos níveis de abastecimento que tinham no ano de 1990. Outras regiões, como 24 nações da África Subsaariana, compreendendo 348 milhões de pessoas atualmente, também precisam fazer muito esforço para conseguir água para seus povos. Em muitos destes lugares as pessoas precisam caminhar longas distâncias para conseguir uma lata de água. Segundo previsões de entidades que estudam a questão do abastecimento, em 2025, uma em cada três pessoas correrá o risco de ficar sem água, forçando ainda mais o processo de migração que já é imenso nas regiões citadas. Por isso, chega a causar desespero o desperdício de água pura que se vê na região do Campeche desde dezembro de 2010. Ainda mais quando se sabe que pelo menos 25 mil pessoas no mundo morrem, por dia, por conta da falta ou da má qualidade das águas.

No sul da ilha de santa Catarina, que parece ser a bola da vez dos empreendimentos, desde o final do ano passado que começaram a pipocar novas construções. Mas nada dentro dos limites estabelecidos pelo plano diretor. Alguns dos condomínios, que chegam a ter dezenas de apartamentos, passam do número legal de andares, burlando a lei com andares subterrâneos e os famosos “áticos”. Alguns deles são em cima das dunas, o que mais tarde pode vir a ser um risco para os próprios moradores. Caso não saibam, as dunas são espaços fugidios, que se movimentam e que protegem as costas marítimas.

Muitos destes empreendimentos decidiram aplicar a “lei de Gerson”, levando vantagem. Assim, estão cavando o chão para construir subsolos que devem abrigar garagens, ganhando assim um andar a mais, sem aparentemente desrespeitar o plano diretor. Para isso, precisam drenar a água do lençol freático que, no Campeche, fica praticamente a flor da terra. O sul tem um dos lençóis mais fecundos, capaz, inclusive, de abastecer a região, como acontece atualmente. No Campeche, a água vem da Lagoa do Peri e do aqüífero local. Neste momento, enquanto o leitor passa os olhos por este texto, pelo menos três empreendimentos estão drenando água sem parar, 24 horas, o que significa em torno de 130 mil litros de água pura cada um.

Especialista já advertiram que o rebaixamento de lençol freático pode trazer muitos efeitos negativos para um lugar como o Campeche, que se abastece deste lençol. Esse tipo de ação pode causar sérios problemas para todos os que vivem neste espaço geográfico, tais como: redução da umidade média dos terrenos em volta, provocando a perda da exuberância dos jardins com flores e árvores podendo até secar; perda da vitalidade da vegetação de grande porte que se utiliza da água do lençol; afundamento de terrenos em volta da obra e rachaduras nos pavimentos. Além disso, como as obras estão próximas do mar, a água que escorre 24 horas, caminha para o oceano e depois volta junto com a água do mar, provocando a salinização da água do aqüífero, destruindo a capacidade de abastecimento. É coisa muito séria.

O Conselho Popular do Núcleo Distrital do Campeche – que reúne cerca de 10 entidades - com a parceria do Movimento Saneamento Alternativo e Núcleo Distrital do Pântano do Sul já foi à Procuradoria do Ministério Público Federal, ao Ministério Público Estadual e à Polícia Ambiental. Já encaminharam documento pedindo explicações à Casan (Companhia de Água) e a vários órgãos de meio ambiente locais e eestaduais. Até agora não obtiveram qualquer retorno. Silêncio total. A drenagem das águas subterrâneas acontecem desde dezembro, jorrando milhões de litros de água para o mar afora. A busca por explicações e a falta delas tem levado os moradores a um quase desespero, pois não dá para admitir um desperdício desta magnitude enquanto tanta gente sofre com a falta da água.

Estudos disponíveis na rede mundial de computadores dão conta de que a falta de água no mundo pode afetar, inclusive, a produção de comida, pois a agricultura precisa da água potável numa porcentagem que pode chegar até a 90%, o que significa que o gerenciamento dos recursos hidrícos não pode ficar ao bel prazer de empreendimentos gananciosos que, em nome de uma vista maravilhosa para o mar, oferecida a poucos privilegiados, provocam a destruição de toda uma região.

Em Santa Catarina, o novo secretário de Estado do Desenvolvimento Econômico Sustentável, Paulo Bornhausen, tomou posse no dia primeiro de março dizendo que “uma sociedade só alcançará o desenvolvimento sustentável quando seus integrantes, sejam governos ou cidadãos, compreenderem que sustentabilidade é um conceito mais amplo”. A comunidade do Campeche vai cobrar essa postura do secretário na discussão do desperdício desenfreado da água potável. As entidades querem saber onde estão as licenças ambientais e os estudos das construtoras para que esse tipo de drenagem seja feito. Por que as entidades estaduais e municipais não se manifestam? O que o governo estadual pode fazer para evitar a destruição do lençol freático?

Em nível de Brasil a situação da água tampouco é diferente. No mês de março, as comunidades ribeirinhas e os indígenas que lutam contra a monstruosa construção da Usina de Belo Monte também receberam a informação de que a Agência Nacional de Águas concedeu outorga de direito de uso de Recursos Hídricos à Norte Energia S.A, responsável pela construção da malfada usina no rio Xingu, no município de Altamira, estado do Pará. Com isso, o governo federal igualmente abre as comportas para a destruição daquela região e para o uso privilegiado das águas. Mau exemplo que vem de cima.

Por tudo isso as comunidades do Campeche e do sul da ilha sabem que não é coisa fácil vencer os grandes conglomerados, os megaempreendimentos, que chegam com as bolsas cheias de dinheiro e compram tudo a sua volta, inclusive licenças. Mas, acreditam na mobilização popular e já iniciaram uma grande campanha na região pela proteção dos seus mananciais. Articuladas com as grandes lutas nacionais, as entidades do sul da capital catarinense organizam atividades para o Dia Mundial da Água (22/03), que será celebrado no dia 23 de março (feriado local), numa atividade de esclarecimento e protesto. O Brasil é um dos espaços do mundo que mais água potável tem, mas isso não significa que, em nome do lucro, as empresas possam provocar tamanho desperdício. É hora de as autoridades estaduais se manifestarem já que as municipais simplesmente se omitiram. Vale lembrar que também a Câmara de Vereadores de Florianópolis foi comunicada deste abuso com as águas subterrâneas, mas apenas dois vereadores se manifestaram contra. E, além disso, nada mais foi feito.

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