28.3.11

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Emanuel Medeiros Vieira
e Amílcar
Avaiano Neves


Foto: Celso Martins

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Refazer, reconstruir sempre

Por Amílcar Neves*

Certa ocasião (era fevereiro de 2008), publiquei em minha coluna das quartas-feiras no Diário Catarinense uma crônica falando das virtudes do Avaí de então: uma equipe que "atua afinadíssima, com padrão de jogo, alternativas de ataque, muita técnica, muita garra e muito entusiasmo". O time era disparado o melhor do campeonato catarinense, e só não levantou a taça por esses azares que dão graça ao futebol. Acontece que, de forma inesperada e improvável, havíamos perdido em casa, no domingo, exatamente para o nosso rival maior, aquele que mora do outro lado das pontes. Foi um 3 a 0 que levou muita gente ao desânimo, temendo já a repetição do que vinha ocorrendo há anos: a falta de conquistas e títulos.

Naquela quarta-feira o jogo seria em Tubarão. Um bom resultado era fundamental para reerguer o moral de jogadores e torcedores. De manhã, o primeiro telefonema que recebi veio da Nesi Furlani, Diretora Social do Avaí: gostara muito da crônica e me dizia que já ligara para Gravatal, onde o time estava concentrado, pedindo ao técnico Sergio Ramirez que desse uma espiada no texto. À noite, na entrevista coletiva após uma retumbante vitória, Ramirez falou sobre a crônica, citando o nome do autor, que ele queria conhecer pessoalmente.

Meses depois, com a tão almejada classificação à Série A já bem visível no horizonte das possibilidades concretas, encontro em uma praça de alimentação da cidade os zagueiros Cássio e Rafael. Falamos da importância do acesso à primeira divisão do futebol brasileiro: importância para o clube, para os próprios jogadores e, especialmente, para o dedicado, apaixonado e sofrido povo que torce pelo Avaí. Antes, porém, me apresentei, e um deles lembrou (nunca se saberá ao certo se o Cássio ou o Rafael, gêmeos univitelinos, idênticos em tudo, inclusive no vistoso futebol):

- Claro, aquela crônica sobre o riacho rápido e impetuoso que o professor leu para nós antes do jogo!

Ele se referia à citação feita ao torrente Avahý, o arroio em cujas margens se deu a batalha da Guerra do Paraguai que leva o seu nome, a qual batizou o clube de futebol fundado em 1923.

Pois essa surpreendente "corrente de água muito rápida e impetuosa" tem que ser constantemente refeita e reconstruída: após cada campeonato, após cada insucesso e, mesmo, após cada vitória. Como se faz agora, com o retorno do técnico Silas. Para manter "muita técnica, muita garra e muito entusiasmo". E assegurar muitas conquistas. Sempre.

* Texto escrito para a Revista do Avaí nº 11, março de 2011. Amilcar Neves é avaiano e escritor de crônicas, contos e romances, com oito livros publicados. Reprodução autoriza da pelo autor.

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Óleo sobre tela vendido no Pelourinho
(Salvador-BA). Reprodução: Celso Martins


SALVADOR: 462 ANOS
(E a voz dos criadores

que celebraram a cidade)



Por Emanuel Medeiros Vieira


Para Célia de Sousa (companheira baiana e querida), Martha Mansinho, Rita Nery (estimadas comadres, também nascidas na Boa Terra), e para todos os amigos de São Salvador da Bahia


Primeira capital do Brasil, São Salvador da Bahia comemora 462 anos em 29 de março.

Bela, agitada, caótica, desigual, mítica e real, também degradada pelos podres poderes, mas cuja beleza e grandeza conseguem resistir ao desmazelo.

A POESIA NUNCA ABANDONOU A CIDADE,

MESMO QUANDO A CIDADE ABANDONOU A POESIA.

Mesmo dessacralizada, a voz dos poetas (que sempre enxergam na escuridão), sempre esteve presente, como em Gregório de Mattos (1636-1695), alcunhado como o “Boca do Inferno”:

“Que falta nesta cidade? Verdade. Que mais por sua desonra? Honra. Falta mais que se lhe ponha? Vergonha” (palavras que devem valer para tantas cidades do Norte do Sul...)

Quando quero contemplar o que há de mais bonito na cidade, vou à Praça Castro Alves, e fico olhando o mar. Olhando, olhando.

Mais bonito? Talvez não. Há outros lugares também belíssimos, como a Ponta do Humaitá, a vista que se tem na Avenida Contorno, e o próprio pôr-do-sol no Farol da Barra.

E outros lugares que por esquecimento não cito.

Caymmi falava da “terra do branco mulato, a terra do preto doutor”.

Outros poetas quando querem situar a Salvador, dizem que ELA FICA ENTRE O MAR E A POESIA.

Marcelo Nova a define como a “cidade do axé, a cidade do horror.”

Uma das capitais com mais negros no mundo.

A poesia é o antídoto aos tiros (do subúrbio, dos bairros pobres e abandonados);

Alguém definiu os tiroteios como a “batucada contemporânea”.

“Sinto saudade de mim e da cidade que eu palmilhava”, evoca a poeta Myriam Fraga.

“Dentro de mim há duas cidades: uma é a metáfora e a outra é real”, reconhece.

Me toca muito a pluralidade da cidade: da paisagem, das pessoas, das etnias.

Waly Salomão (1943-2003) escreveu: “Não há salvador que salve este armengue da sua paulatina ou desbragada corrosão. Não pressinto remissão possível, oh! sagrada senhora para este cidade-presépio da colina”.

Celebrar uma cidade, é também revelar suas mazelas: a visão estreita e apequenada dos alcaides, os vis interesses econômicos de tantos edis com seus suspeitos planos diretores feitos pelas construtoras e pelos podres poderes, que estão acabando com toda a Mata Atlântica (basta ver a que está acontecendo na “nobre” Avenida Paralela).

“Bahia que padece de usura e quer fazer torre de toda altura” (Tom Zé).

A beleza resiste. Mas alguns locais exalam odores fétidos. Há sujeira. E há a lindeza de tantas peles morenas.

A cidade é – como diz Hélio Pólvora –, “um prolongamento do indivíduo, que cria uma cumplicidade, uma empatia, um sentimento de amizade, amor e, circunstancialmente, de ódio, uma mistura disso tudo.”

Há cantores e poetas esquecidos da mídia. São sempre os mesmos que são lembrados. Não importa. Eles continuam criando.

Citei muito Essa era exatamente a minha intenção: lembrar Salvador através da boca daqueles que a cantaram, e meus olhos se lembrarão de becos, vielas, mares, ladeiras, igrejas – tantas.

E ando muito – e fico pensando em todos os pés que pisaram antes, e “escuto” o gemido dos escravos no Pelourinho.

Tantos pés, tantas vidas.

É preciso nunca esquecer daqueles que vieram antes de nós, e a ancestralidade atravessa a nossa pele: não somos um só, somos todos, não somos ilhas.

Paro em capelinhas para orar e meditar, recordando versos de Myriam Fraga, que fala no “beijo salobro das praias, beijo doce das nascentes, brejos, atalaias...” (...)

Termino com Rosa Passos, cantora e compositora: “Vem na brisa um cheirinho de alecrim, canta um grilo, sinto a vida, tudo está dentro de mim. Mês de março em Salvador, verão está no fim, todo o mato está em flor e eu me sinto num jardim.”

Viva Salvador!

(Na Primeira Capital do Brasil, no mês de março de 2011)

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