5.8.09

A crônica


Por Amílcar Neves*

Numa conversa de adultos, comentei que hoje eu não poderia (ir a algum lugar, fazer alguma coisa, não importa aonde ou o que) porque teria que escrever minha crônica semanal. Afinal, a data limite para mandar o texto para o jornal é hoje, o que, sistematicamente, tem me rendido segundas-feiras dedicadas à tarefa e ao dever de escrever, ocupação esta - escrever - que vive sendo pressionada para depois, para mais tarde, para quando der tempo, como se escrever fosse apenas sentar e ligar o botão que o texto sai como numa impressora. Mesmo neste caso a impressora necessita do computador, o qual tem de acionar seus recursos e capacidades de lógica, técnica e memória para gerar a crônica, o conto, o romance, o poema. Só depois disso tudo é que o material surge impresso. O trabalho da impressora, sem menosprezar a sua importantíssima função, é muito rápido, comparado ao processo inteiro, e nada acrescenta a tudo já feito até aquele ponto: ela se limita a transcrever bytes no disco em letras no papel - quando não acaba a tinta, o que só ocorre nos momentos agudos em que se precisa imprimir algo muito importante e muito urgente e nos esquecemos de ter um cartucho sobressalente.

Escrever é atividade que, no mais das vezes, é acuada nos cantos do dia, atropelada pelas obrigações exigentes do cotidiano. Mas este não é o assunto que pretendia abordar.

Queria só dizer que, depois daquela conversa de adultos, o Caio, de sete anos e meio e testemunha do diálogo despretensioso, perguntou, enquanto seguíamos para sua escola, se crônica podia ser engraçada, se podia ter uma piada no meio dela.

- A crônica toda às vezes pode ser uma piada.

- Bem, vou te contar então uma piada. É a mais longa que conheço.

Caio gosta de contar piadas. Ele interpreta vozes e situações, dá entonações e cria suspenses. Penso que ele tem jeito para a coisa. Contou uma história do Joãozinho, o nosso eterno personagem para todo tipo de graça, o nosso Peter Pan tupiniquim, o grande contestador, especialista em perguntas desconcertantes porque óbvias, um verdadeiro subversivo, o que sempre é bom ser.

Queria falar um pouco sobre a crônica e sobre o ofício de fazê-la, mas tempo e espaço esgotam-se inapelavelmente. Acho que a crônica funciona mais ou menos como a piada do Caio:

- Quando contei esta piada no “show de talentos” da escola - ele considera -, alguns alunos riram.

*Amilcar Neves, escritor.
Crônica publicada na edição de hoje (5.8.2009)
do jornal Diário Catarinense.
Reprodução autorizada pelo autor.

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