19.8.09

Não há apenas obscenidades


Por Amílcar Neves*

Numa tarde esplendorosa como a do último sábado, com um sol luminoso, um ar límpido, um clima agradabilíssimo de primavera e um céu azul fulgurante como a cor de poucas camisas de futebol neste país, até as obscenidades acabam forçadas a se recolher a um silencioso segundo plano.

Como pensar em Sarney, Collor e Renan, e no apoio oportunista que lhes empresta Lula (empréstimo que, certamente, será cobrado com os mesmos juros que o PMDB aplica às suas transações e negócios que nada têm a ver com princípios ideológicos e programas políticos, esse mesmo PMDB que incorpora a tradição do velho PFL, antiga ARENA, o partido civil criado para comprazer à ditadura militar de 1964 a 1985 em troca de benesses e impunidades, essa infame tradição de cultivar a amorfia para tornar-se poder independente de quem detenha o comando do Executivo), como pensar nessa gente de escasso ou nenhum respeito, nessa promiscuidade toda de interesses escusos, mesquinhos e afrontosos a um povo trabalhador - e pagador dos impostos que alimentam quadrilhas ao invés de reverterem em benefícios à cidadania -, como pensar nessas obscenidades sem conta e sem fim numa tarde como a do sábado que passou?

A vida, afinal, é muito mais isto que está aqui, ao alcance das mãos e dos olhos, coisa para fruir e gozar, do que aquilo que vai por lá, putrefato, nojento, repugnante, que desce viscoso de Brasília até os níveis mais baixos - baixos - de governo, e chega até os estados e municípios, até este Estado e este município, emporcalhando muito mais do que uma gripe suína todas as esferas de governo, todos os poderes republicanos, assim como muitas relações profissionais e pessoais que se queriam sérias e decentes.

Isso é obsceno neste País, tanto quanto tudo aquilo que deveriam combater aqueles senhores (distância deles!) que arrogantemente se intitulam homens respeitáveis, preocupados com a população mais necessitada e repletos de história (com minúscula) nas costas. Como desafia nosso grande Rubem Fonseca em seu conto Intestino grosso:

“Já ouvi acusarem você de escritor pornográfico. Você é?”

“Sou, os meus livros estão cheios de miseráveis sem dentes.”

Por sorte, ainda temos tardes radiosas como a deste sábado, ainda temos sábados assim, ainda nos resta um enorme estoque de esperança - ao lado de outro tanto de indignação. Acreditem nisto, senhores.

*Amilcar Neves, escritor.
Crônica publicada na edição de hoje (19.8.2009) do jornal Diário Catarinense.
Reprodução autorizada pelo autor.
Ilustração: Uelinton Silva.

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