31.8.09

O ponto crítico
da civilização



Por Lester Brown*


Tem aumentado a preocupação com os pontos críticos da natureza. Cientistas já questionam, por exemplo, a capacidade de recuperação das espécies em risco de extinção. Biólogos marinhos, por sua vez, estão preocupados com o fato de que a pesca excessiva dará início ao colapso dessa indústria.

Sabemos que existiram pontos críticos em civilizações antigas, pontos em que a população foi dominada pelas forças naturais que as ameaçavam. Por exemplo, em algum ponto, o acúmulo de sal relacionado à irrigação do solo esgotou a capacidade agrária dos Sumérios. Com os Maias, os efeitos danosos do desmatamento associados à perda da fertilidade do solo tornaram-se irreversíveis.

Porém, os pontos críticos que levam ao declínio e ao colapso de uma sociedade nem sempre são facilmente previstos. De forma geral, os países desenvolvidos podem lidar com novas ameaças de forma mais efetiva do que os países em desenvolvimento. Por exemplo, enquanto os governos de países industriais têm sido capazes de manter os índices de infecção do HIV entre adultos abaixo de 1%, muitos governos de países em desenvolvimento têm falhado nesse controle e agora estão lutando com altos índices de infecção. Isto é mais evidente em alguns países sul-africanos, onde 20% ou mais adultos estão infectados.

Uma situação semelhante existe com o crescimento populacional. Enquanto a taxa se mantém estável em quase todos os países industrializados, exceto os Estados Unidos, observa-se o contrário em quase todos os países da África, Oriente Médio e do subcontinente indiano - onde a taxa populacional é crescente. Esses 80 milhões de pessoas a mais no mundo por ano nascem, exatamente, em países onde os sistemas naturais já estão se deteriorando, em face da excessiva pressão populacional. Nestes países, o risco de falência do Estado também está crescendo.

No entanto, alguns assuntos parecem superar até mesmo as habilidades de governança das nações mais avançadas. Quando alguns poucos países detectaram a redução nos níveis de água dos lençóis subterrâneos, era lógico esperar que seus governos rapidamente elevassem a eficiência racional do recurso e estabilizassem o crescimento da população, para estabilizar os aqüíferos. Infelizmente, nenhum país - desenvolvido ou em desenvolvimento - o fez. Dois Estados em falência, onde o resultado da extração excessiva da água soma-se à falta de uma política de segurança hídrica, são o Paquistão e o Iêmen.

Embora a necessidade de cortar as emissões de carbono seja evidente já há algum tempo, nenhum país conseguiu se tornar uma nação “carbono-neutra”. Até mesmo as sociedades tecnologicamente mais avançadas enfrentam muita dificuldade política para isso. Poderiam, assim, os crescentes níveis de dióxido de carbono na atmosfera, provarem-se tão incontroláveis para a nossa civilização quanto os níveis de sal no solo foram para os Sumérios no ano 4.000 A.C.?

Outro ponto de pressão sobre os governos é a redução da oferta de combustível fóssil. Embora a extração mundial de petróleo tenha excedido, em 20 anos, a descobertas de novas reservas, somente a Suécia e a Islândia possuem algo que remotamente assemelhe-se a um plano para lidar efetivamente com uma retração da oferta.

Este não é um inventário exaustivo de problemas não resolvidos, mas apresenta uma noção da quantidade deles. Analiticamente, o desafio é avaliar os efeitos de pressionar cada vez mais o sistema natural global. O resultado desse estresse ficou evidente na atual questão da segurança alimentar, o ponto fraco de muitas civilizações antigas que entraram em colapso.

Além da dificuldade de adaptação ao crescimento constante da demanda por alimentos, várias tendências convergentes estão tornando as coisas ainda mais difíceis para agricultores ao redor do mundo. Os pontos críticos delas são a queda dos níveis dos lençóis freáticos, o uso indevido de terras cultiváveis e ocorrências climáticas extremas, incluindo ondas de calor, secas e enchentes. Como os problemas não resolvidos se acumularam, os governos mais fracos estão começando a sucumbir.

Para agravar a situação, os Estados Unidos, maiores produtores mundiais de trigo, aumentaram dramaticamente sua participação na safra de grãos utilizando o etanol como combustível - saltando de 15%, em 2005, para mais de 25% em 2008. Esse esforço mal orientado para reduzir a dependência do petróleo ajudou a conduzir os preços mundiais de grãos a elevações constantes até meados de 2008, criando uma insegurança alimentar mundial sem precedentes.

Os riscos desses problemas acumulados (e suas conseqüências) dominarão cada vez mais os governos, levando à falência generalizada do Estado e, finalmente, ao fim da civilização. Os países que estão no topo da lista de Estados em falência não são particularmente uma surpresa. Incluem, por exemplo, Iraque, Sudão, Somália, Chade, Afeganistão, República Democrática do Congo e o Haiti. E a lista cresce cada vez mais a cada ano, levantando questões perturbadoras: quantos Estados em falência serão submetidos a isso antes do fim completo da civilização? Ninguém sabe a resposta, mas é uma pergunta que precisamos fazer.

Estamos numa corrida entre os pontos críticos da natureza e nossos sistemas políticos. Podemos desativar poderosas usinas de carvão antes que o derretimento da calota de gelo da Groelândia se torne irreversível? Podemos reunir vontade política pelo fim do desmatamento na Amazônia antes que as crescentes queimadas cheguem a um ponto sem retorno? Podemos ajudar os países a estabilizarem a população antes que se tornem Estados em falência?

Temos tecnologias para restaurar os sistemas naturais de suporte da Terra, para erradicar a pobreza, para estabilizar a população, para reestruturar a economia energética mundial e o clima. O desafio agora é construir vontade política para fazê-lo. Salvar a civilização não é um esporte para espectadores. Cada um de nós possui um papel de liderança a representar.

*Adaptado do Capítulo 1, “Entering a New World”, Lester R. Brown, Plano B 3.0: Mobilizing to Save Civilization (Nova Iorque: W.W. Norton & Company, 2008), disponível para download gratuito e para compra no site do Earth Police Institute.
Lester R. Brown é considerado um dos mais influentes pensadores mundiais. Formado em ciências agrícolas, dedica-se à pesquisa e ao debate dos grandes temas ambientais e econômicos desde os anos 70, quando fundou o World Watch Institute. É também fundador do Earth Policy Institute.


Tradução: Leticia Freire, do Mercado Ético (Envolverde/Mercado Ético)

© Copyleft - É livre a reprodução exclusivamente para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados e esta nota seja incluída.

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NÃO SAI DA RETINA,
A IMAGEM DO
CASEIRO FRANCENILDO
SAINDO DO STF


Por Emanuel Medeiros Vieira

Alguns qualificaram de demagógica e populista, a crítica à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) - do último dia 27 de agosto -, que absolveu o deputado Antonio Palocci pela quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa.
Não é.
O sigilo bancário é um direito fundamental e só pode ser quebrado com ordem judicial.

Foi uma absolvição indevida.
Meus tempos de faculdade de Direito na UFRGS (1965-1969) ensinaram que os ministros discutiram o mérito da denúncia ao apontar a ausência de provas no envolvimento da quebra do sigilo bancário.
O tribunal só deveria apreciar a existência de indícios.
Como avaliou um jurista, a certeza sobre o caso seria discutida durante o processo.
Alguém observou que é "triste" ver o Supremo antecipar a produção de provas e discutir a abertura de uma ação como se fosse um julgamento.
"No recebimento de uma denúncia, exige-se que a autoria e a materialidade do crime estejam, presentes. Depois, no curso do processo, discute-se se há provas suficientes."
O STF discutiu se o então ministro sabia ou não da quebra do sigilo.
Tanto Palocci sabia que, na época, ele perdeu o cargo de ministro...
FOI UMA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA E INDEVIDA.

Eu sei, as notícias evaporam. O ontem já ficou velho.
Mas, nas minhas retinas tão fatigadas - parodiando um poema de Drummond -, ainda vejo o ar de desamparo do caseiro saindo do suntuoso prédio do Supremo.
Como um leitor de jornal observou, no final ele estava "triste, desiludido, ferido. Exatamente como todo o Brasil deveria estar."

Outro interpretou: "Essa votação no Supremo mostrou que neste nosso país existem dois Brasis. Um, o desses senhores feudais: o outro, dos miseráveis, que é o nosso."

Antes, ministro, Palocci já havia sido "absolvido" pela imprensa neoliberal, devido à adesão simbólica do governo Lula à política do governo FHC (o nosso "Patriarca da Dependência"), como percebeu Jânio de Freitas.
Afirma o jornalista que "há uma particularidade especialmente abjeta na difamação difundida contra Francenildo Costa. É que Antonio Palocci tinha plena consciência de ser verdadeira a afirmação do caseiro de que o vira na caverna brasiliense da república de Ribeirão Preto."
(Casa frequentada por lobistas, empreiteiros, jogadores e prostitutas de luxo.)
O deputado também sabia que os dois depósitos na conta do caseiro provinham de remessas feitas por seu pai.
"No primeiro caso, mentiu deslavadamente. No segundo, não emitiu uma só palavra em favor da verdade."

A falta de afeto, a agressividade deste cotidiano, e a renúncia à verdade, só desvalorizam a vida - tão degradada nestes trópicos, de concentração de renda abjeta, onde a perfumaria e os botoxs da futilidade inundam a TV para que esqueçamos o que acontece ao nosso redor.

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