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E S P E C I A L
E S P E C I A L
Rony Martínez,
jornalista na resistênciaEra o dia 27 de março de 1984. No pequeno povoado de Porvenir, Honduras, na fronteira com a Nicarágua, nascia um garotinho de boca carnuda e olhos de azeviche. O primeiro de uma família simples, camponesa, enredada na difícil tarefa de viver num país marcado pela exploração das empresas estadunidenses, pelos golpes de estado e pela pobreza extrema. Em Porvenir (que na língua espanhola significa “futuro”), naqueles dias não havia luz nem água tratada. Hoje, 25 anos depois, tudo segue igual. Mas o garoto não está mais lá. Ele agora é parte da história do país, junto com um heróico grupo de jornalistas da Rádio Globo Honduras.
Rony Jonathan Martínez Chavez desde cedo conheceu a história das gentes latino-americanas e sua saga de libertação. Seu pai não apenas tratava a terra para fazer nascer o alimento, mas desde sempre tratava a alma e o espírito, lendo sobre as lutas dos povos, acompanhando a batalha dos sandinistas que, ali, bem do ladinho, construíam uma revolução vitoriosa. Destas conversas ao pé do fogo, foi se forjando no agitado guri o desejo de enlaçar o futuro, o “porvenir” que se expressava como promessa no próprio nome do seu lugar. Então, com 14 anos, ele juntou umas roupinhas e se foi à capital.
Tegucigalpa – de um milhão de habitantes - era um universo gigantesco para o jovem camponês, que na bagagem, além dos trapinhos, só trouxera esperanças, simplicidade, lealdade e honradez, estas coisas que forjam as gentes campesinas de “nuestra América”. Foi morar com uma tia e logo saiu em busca de trabalho. O primeiro foi quase que como escravo em uma empresa comandada por chineses. Trabalhava das sete da manhã às sete da noite e seu corpinho franzino tinha de agüentar a fome e o esgotamento. Depois, andou por outros tantos empregos, sempre explorado, já que pouco estudo tinha.
Como a água que corre para o mar, Rony meteu-se na política. No colégio, onde resolveu seguir os estudos, envolveu-se com a luta e desde então não parou mais. Por conta da voz aveludada foi chamado pelos líderes do Partido Liberal para ser mestre de cerimônia do candidato Elvin Santos (este foi também candidato do partido agora em 2009, no processo que elegeu Pepe Lobo). Ele conta essas peripécias entre risadas. “Eu andava lá, com Elvin, metido na juventude liberal. Não imaginava que a vida iria dar uma guinada tão grande e eu iria me transformar num defensor de Mel Zelaya e do povo hondurenho”.
Para Rony Martínez o golpe levado a cabo pelo militares em Honduras, no mês de junho de 2009, fez nascer um novo país e um povo renovado. Ninguém poderia imaginar que aquela gente, que andava calada desde as grandes greves bananeiras dos anos 50, iria despertar com tanta força e com tamanha sede de transformação. Ele mesmo, em seus pensamentos mais revolucionários, jamais sonhara com o que aconteceu.
Por conta da bonita voz e do trabalho que já desenvolvia os amigos disseram: procura Dom David (David Romero, jornalista que estava na direção de uma rádio modesta, a Globo, mas que sempre fora crítica). Acreditavam que Rony pudesse ter chance de trabalhar na emissora, que tinha alcance nacional. Ele hesitou, pensou, e decidiu buscar o veterano jornalista. Este o escutou, percebeu que ali estava uma boa voz, um bom rapaz, um bom faro jornalístico e mandou que fosse ter com ele no programa da manhã, que começa às seis horas. Era já um teste. Se o guri resistisse, ficava. Rony resistiu. Por alguns meses ele ali ficava ao lado de Dom David, dando apenas a hora. “Em Honduras, seis horas e seis minutos”. Só mais tarde passou a produzir, buscar notícias pelo mundo afora, redigir, narrar. Então veio o golpe e tudo mudou. A Rádio Globo se converte no único espaço de resistência com alcance nacional, visto que o seu sinal estava em 16 das 17 províncias (estados) do país.
“No dia do golpe, chegamos à rádio e ali estavam os militares. Não nos deixavam entrar. Os demais veículos estavam no ar. Só nós estávamos impedidos. Então, conversamos e os convencemos que iríamos dizer o que nos mandavam, que aquilo era uma substituição constitucional. Mas, assim que entramos no ar passamos a dizer ao povo de Honduras e ao mundo que aquilo era um golpe de estado. Como chamar de substituição constitucional o seqüestro de um presidente, os tanques na rua, os militares por toda a parte? Era um golpe e assim noticiamos. Durou apenas 10 minutos a transmissão e nos cortaram”. Rony conta que, logo, ele, David e o técnico improvisaram uma antena e seguiram transmitindo para parte da capital. E continuavam denunciando pela internet. Só às cinco horas da tarde, os milicos voltaram e aí sim, levaram todos presos, menos Dom David, que fugiu pela janela.
A rádio Globo é uma rádio comercial como qualquer outra no país, pertence a um empresário chamado Alejandro Villatoro. Ele estava lá quando chegaram os militares, foi levado, humilhado. Aquilo o enfureceu. Por isso não hesitou em autorizar aos seus funcionários: “Que digam a verdade ao povo”. E assim foi. A rádio Globo se converteu no principal instrumento de informação de toda a gente em Honduras. De cada vila, povoado, cidade, das ruas, o povo ligava para a rádio a passar notícias. Os repórteres questionavam os golpistas, faziam perguntas impertinentes, mostravam as contradições. Saiam às ruas com as gentes nas gigantescas marchas. A programação da Globo passou a ser puro jornalismo. “Num espaço de poucos meses já éramos a rádio mais escutada em Honduras, e de todo mundo outras rádios se enlaçavam, divulgando o que acontecia por lá”.
Mais tarde a rádio foi fechada outra vez e então os jornalistas transmitiam desde a clandestinidade. Num pequeno quarto de uma desconhecida casa, informavam ao mundo, via internet, sobre cada ação da resistência. Nas cidades do interior, as rádios comunitárias se enlaçavam ao sítio da rádio e passavam pelas ruas, com um alto-falante, as notícias colhidas pelos jornalistas da Globo e os informes dados de toda a parte pelo povo convertido em agente de comunicação. “Foi uma coisa incrível, um ato histórico, jamais visto. Durante os meses todos que durou o golpe, o povo marchou pelas ruas, em atos gigantes, e sempre acompanhado pela rádio Globo”.
Na pequena ilha de Santa Catarina, em Florianópolis, o golpe militar em Honduras foi acompanhado via rádio Globo. A emissora passou a ser um ícone do jornalismo de resistência, transmitindo a verdade sobre os fatos, sem medo, sem meias palavras. Jornalismo de verdade. Quando ela foi fechada, por iniciativa do jornalista Raul Fitipaldi e logo encampada pelo Sindicato dos Jornalistas, foi-se para a rua, fez-se murais denunciando a situação, colheu-se assinaturas que posteriormente foram enviadas ao governo golpista. Nasceu um vínculo profundo entre Honduras e Florianópolis. Depois, o presidente deposto, Manuel Zelaya se abrigou na embaixada brasileira e Honduras passou a fazer parte do dia-a-dia nacional. O jornalista Celso Martins criou um blog específico sobre o tema, o Portal Desacato se converteu em espaço de debates, a Revista Pobres e Nojentas se juntou e assim surgiu a idéia de trazer o jovem jornalista Rony Martínez para conversar com os jornalistas locais sobre o golpe e sobre o jornalismo. E ele chegou em 14 de março de 2010.
A passagem de Rony por Florianópolis deixa marcas profundas. Organizadas pelo Sindicato dos Jornalistas, conferências realizadas nas três faculdades de jornalismo da capital colocaram os estudantes a par do que seja fazer jornalismo em tempos de cólera. Ao contrário dos colegas jornalistas, que, sintomaticamente, não apareceram em qualquer atividade, os estudantes aproveitaram ao máximo. Ouviram as experiências da rádio Globo, conheceram as histórias do golpe e da cobertura jornalística e, sobretudo, tomaram contato com um tipo de jornalismo que não conseguem vislumbrar aqui no Brasil, a não ser em poucos veículos alternativos: o que se compromete com a maioria. O que fica do lado das gentes, na alegria e na morte.
Rony contou sobre o golpe, sobre as lutas, sobre o jornalismo e falou ainda sobre as ameaças que sofrem os profissionais do jornalismo que insistem em dizer a verdade. Falou do medo, da dor de ver o povo sendo morto, assassinado, desaparecido. Contou das mulheres que tomam a dianteira nas marchas, dos jovens que arriscam a vida, dos professores que cumprem sua hora histórica, dos velhos militantes que retornam às ruas. Falou com paixão da luta do povo hondurenho para retomar sua dignidade, seu presidente constitucional. “O povo não reconhece esse governo que está aí. A eleição não teve povo, foi fraudulenta. A luta agora é pela instalação da Assembléia Nacional Constituinte. Ninguém mais quer a velha Honduras. Nasceu um novo país, há uma nova gente, consciente, capaz de dizer sua palavra”.
E assim é. Aquilo que provocou o golpe, que foi a decisão de Zelaya de ouvir o povo sobre uma nova Constituinte, é o que agora fará o povo organizado. A Frente Nacional de Resistência organiza um plebiscito, uma consulta nacional, e ninguém duvida dos resultados: a gente hondurenha quer outra forma de organizar a vida. Basta de bi-partidarismo, de mais do mesmo, de exploração. A luta hoje é prato do dia em Honduras. Essa gente que resistiu por meses, nas ruas, não dará passo atrás.
Rony Martínez também participou do II Encontro por Soberania Comunicacional, organizado pelo Portal Desacato, e ali conversou com lideranças comunitárias, jornalistas que atuam em sindicatos, povo do MST, mulheres organizadas, jovens, sindicalistas. Com eles refletiu sobre a necessidade de massificar o jornalismo de verdade, não esse, que propagandeia o poder instituído. Ainda recebeu o Premio Volódia Teitelboim, que o Desacato oferece a quem se destaca na prática do Jornalismo. Dividiu a honra com Miriam Santini de Abreu, da Pobres e Nojentas, Jilson de Souza, da Agência Contestado de Notícias Populares e com a escritora Urda Klueger.
E assim, de conversa em conversa, na conferência, em casa, no bar ou na rádio Comunitária Campeche, onde conversou com a comunidade do sul da ilha, o gurizinho serepele do povoado de Porvenir tocou o coração dos veteranos jornalistas que o acompanharam nos 10 dias que passou na ilha. Leal a seu “maestro” David Romero, ele nunca cansou de enfatizar que a rádio Globo e Dom David mudaram seu destino. “Estou vivendo um sonho pessoal e coletivo. Estou aqui no Brasil por conta do trabalho que fizemos e seguirei ao lado do povo de Honduras para a construção de um outro país. Nós vamos conseguir”. Para ele, o “porvenir” (o futuro) agora está mesmo é na mão do povo. Esse povo de Honduras que segue escrevendo com sangue e garra uma das mais belas páginas de sua história.
Rony Jonathan Martínez Chavez desde cedo conheceu a história das gentes latino-americanas e sua saga de libertação. Seu pai não apenas tratava a terra para fazer nascer o alimento, mas desde sempre tratava a alma e o espírito, lendo sobre as lutas dos povos, acompanhando a batalha dos sandinistas que, ali, bem do ladinho, construíam uma revolução vitoriosa. Destas conversas ao pé do fogo, foi se forjando no agitado guri o desejo de enlaçar o futuro, o “porvenir” que se expressava como promessa no próprio nome do seu lugar. Então, com 14 anos, ele juntou umas roupinhas e se foi à capital.
Tegucigalpa – de um milhão de habitantes - era um universo gigantesco para o jovem camponês, que na bagagem, além dos trapinhos, só trouxera esperanças, simplicidade, lealdade e honradez, estas coisas que forjam as gentes campesinas de “nuestra América”. Foi morar com uma tia e logo saiu em busca de trabalho. O primeiro foi quase que como escravo em uma empresa comandada por chineses. Trabalhava das sete da manhã às sete da noite e seu corpinho franzino tinha de agüentar a fome e o esgotamento. Depois, andou por outros tantos empregos, sempre explorado, já que pouco estudo tinha.
Como a água que corre para o mar, Rony meteu-se na política. No colégio, onde resolveu seguir os estudos, envolveu-se com a luta e desde então não parou mais. Por conta da voz aveludada foi chamado pelos líderes do Partido Liberal para ser mestre de cerimônia do candidato Elvin Santos (este foi também candidato do partido agora em 2009, no processo que elegeu Pepe Lobo). Ele conta essas peripécias entre risadas. “Eu andava lá, com Elvin, metido na juventude liberal. Não imaginava que a vida iria dar uma guinada tão grande e eu iria me transformar num defensor de Mel Zelaya e do povo hondurenho”.
O golpe
Para Rony Martínez o golpe levado a cabo pelo militares em Honduras, no mês de junho de 2009, fez nascer um novo país e um povo renovado. Ninguém poderia imaginar que aquela gente, que andava calada desde as grandes greves bananeiras dos anos 50, iria despertar com tanta força e com tamanha sede de transformação. Ele mesmo, em seus pensamentos mais revolucionários, jamais sonhara com o que aconteceu.
Por conta da bonita voz e do trabalho que já desenvolvia os amigos disseram: procura Dom David (David Romero, jornalista que estava na direção de uma rádio modesta, a Globo, mas que sempre fora crítica). Acreditavam que Rony pudesse ter chance de trabalhar na emissora, que tinha alcance nacional. Ele hesitou, pensou, e decidiu buscar o veterano jornalista. Este o escutou, percebeu que ali estava uma boa voz, um bom rapaz, um bom faro jornalístico e mandou que fosse ter com ele no programa da manhã, que começa às seis horas. Era já um teste. Se o guri resistisse, ficava. Rony resistiu. Por alguns meses ele ali ficava ao lado de Dom David, dando apenas a hora. “Em Honduras, seis horas e seis minutos”. Só mais tarde passou a produzir, buscar notícias pelo mundo afora, redigir, narrar. Então veio o golpe e tudo mudou. A Rádio Globo se converte no único espaço de resistência com alcance nacional, visto que o seu sinal estava em 16 das 17 províncias (estados) do país.
“No dia do golpe, chegamos à rádio e ali estavam os militares. Não nos deixavam entrar. Os demais veículos estavam no ar. Só nós estávamos impedidos. Então, conversamos e os convencemos que iríamos dizer o que nos mandavam, que aquilo era uma substituição constitucional. Mas, assim que entramos no ar passamos a dizer ao povo de Honduras e ao mundo que aquilo era um golpe de estado. Como chamar de substituição constitucional o seqüestro de um presidente, os tanques na rua, os militares por toda a parte? Era um golpe e assim noticiamos. Durou apenas 10 minutos a transmissão e nos cortaram”. Rony conta que, logo, ele, David e o técnico improvisaram uma antena e seguiram transmitindo para parte da capital. E continuavam denunciando pela internet. Só às cinco horas da tarde, os milicos voltaram e aí sim, levaram todos presos, menos Dom David, que fugiu pela janela.
A rádio Globo é uma rádio comercial como qualquer outra no país, pertence a um empresário chamado Alejandro Villatoro. Ele estava lá quando chegaram os militares, foi levado, humilhado. Aquilo o enfureceu. Por isso não hesitou em autorizar aos seus funcionários: “Que digam a verdade ao povo”. E assim foi. A rádio Globo se converteu no principal instrumento de informação de toda a gente em Honduras. De cada vila, povoado, cidade, das ruas, o povo ligava para a rádio a passar notícias. Os repórteres questionavam os golpistas, faziam perguntas impertinentes, mostravam as contradições. Saiam às ruas com as gentes nas gigantescas marchas. A programação da Globo passou a ser puro jornalismo. “Num espaço de poucos meses já éramos a rádio mais escutada em Honduras, e de todo mundo outras rádios se enlaçavam, divulgando o que acontecia por lá”.
Mais tarde a rádio foi fechada outra vez e então os jornalistas transmitiam desde a clandestinidade. Num pequeno quarto de uma desconhecida casa, informavam ao mundo, via internet, sobre cada ação da resistência. Nas cidades do interior, as rádios comunitárias se enlaçavam ao sítio da rádio e passavam pelas ruas, com um alto-falante, as notícias colhidas pelos jornalistas da Globo e os informes dados de toda a parte pelo povo convertido em agente de comunicação. “Foi uma coisa incrível, um ato histórico, jamais visto. Durante os meses todos que durou o golpe, o povo marchou pelas ruas, em atos gigantes, e sempre acompanhado pela rádio Globo”.
O Brasil
Na pequena ilha de Santa Catarina, em Florianópolis, o golpe militar em Honduras foi acompanhado via rádio Globo. A emissora passou a ser um ícone do jornalismo de resistência, transmitindo a verdade sobre os fatos, sem medo, sem meias palavras. Jornalismo de verdade. Quando ela foi fechada, por iniciativa do jornalista Raul Fitipaldi e logo encampada pelo Sindicato dos Jornalistas, foi-se para a rua, fez-se murais denunciando a situação, colheu-se assinaturas que posteriormente foram enviadas ao governo golpista. Nasceu um vínculo profundo entre Honduras e Florianópolis. Depois, o presidente deposto, Manuel Zelaya se abrigou na embaixada brasileira e Honduras passou a fazer parte do dia-a-dia nacional. O jornalista Celso Martins criou um blog específico sobre o tema, o Portal Desacato se converteu em espaço de debates, a Revista Pobres e Nojentas se juntou e assim surgiu a idéia de trazer o jovem jornalista Rony Martínez para conversar com os jornalistas locais sobre o golpe e sobre o jornalismo. E ele chegou em 14 de março de 2010.
A passagem de Rony por Florianópolis deixa marcas profundas. Organizadas pelo Sindicato dos Jornalistas, conferências realizadas nas três faculdades de jornalismo da capital colocaram os estudantes a par do que seja fazer jornalismo em tempos de cólera. Ao contrário dos colegas jornalistas, que, sintomaticamente, não apareceram em qualquer atividade, os estudantes aproveitaram ao máximo. Ouviram as experiências da rádio Globo, conheceram as histórias do golpe e da cobertura jornalística e, sobretudo, tomaram contato com um tipo de jornalismo que não conseguem vislumbrar aqui no Brasil, a não ser em poucos veículos alternativos: o que se compromete com a maioria. O que fica do lado das gentes, na alegria e na morte.
Rony contou sobre o golpe, sobre as lutas, sobre o jornalismo e falou ainda sobre as ameaças que sofrem os profissionais do jornalismo que insistem em dizer a verdade. Falou do medo, da dor de ver o povo sendo morto, assassinado, desaparecido. Contou das mulheres que tomam a dianteira nas marchas, dos jovens que arriscam a vida, dos professores que cumprem sua hora histórica, dos velhos militantes que retornam às ruas. Falou com paixão da luta do povo hondurenho para retomar sua dignidade, seu presidente constitucional. “O povo não reconhece esse governo que está aí. A eleição não teve povo, foi fraudulenta. A luta agora é pela instalação da Assembléia Nacional Constituinte. Ninguém mais quer a velha Honduras. Nasceu um novo país, há uma nova gente, consciente, capaz de dizer sua palavra”.
E assim é. Aquilo que provocou o golpe, que foi a decisão de Zelaya de ouvir o povo sobre uma nova Constituinte, é o que agora fará o povo organizado. A Frente Nacional de Resistência organiza um plebiscito, uma consulta nacional, e ninguém duvida dos resultados: a gente hondurenha quer outra forma de organizar a vida. Basta de bi-partidarismo, de mais do mesmo, de exploração. A luta hoje é prato do dia em Honduras. Essa gente que resistiu por meses, nas ruas, não dará passo atrás.
Rony Martínez também participou do II Encontro por Soberania Comunicacional, organizado pelo Portal Desacato, e ali conversou com lideranças comunitárias, jornalistas que atuam em sindicatos, povo do MST, mulheres organizadas, jovens, sindicalistas. Com eles refletiu sobre a necessidade de massificar o jornalismo de verdade, não esse, que propagandeia o poder instituído. Ainda recebeu o Premio Volódia Teitelboim, que o Desacato oferece a quem se destaca na prática do Jornalismo. Dividiu a honra com Miriam Santini de Abreu, da Pobres e Nojentas, Jilson de Souza, da Agência Contestado de Notícias Populares e com a escritora Urda Klueger.
E assim, de conversa em conversa, na conferência, em casa, no bar ou na rádio Comunitária Campeche, onde conversou com a comunidade do sul da ilha, o gurizinho serepele do povoado de Porvenir tocou o coração dos veteranos jornalistas que o acompanharam nos 10 dias que passou na ilha. Leal a seu “maestro” David Romero, ele nunca cansou de enfatizar que a rádio Globo e Dom David mudaram seu destino. “Estou vivendo um sonho pessoal e coletivo. Estou aqui no Brasil por conta do trabalho que fizemos e seguirei ao lado do povo de Honduras para a construção de um outro país. Nós vamos conseguir”. Para ele, o “porvenir” (o futuro) agora está mesmo é na mão do povo. Esse povo de Honduras que segue escrevendo com sangue e garra uma das mais belas páginas de sua história.
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