21.6.10



CHE AOS 80

Por EMANUEL MEDEIROS VIEIRA

A cadeira de balanço,
olhar fixo,
haverá um neto para o massacre da velhice?,
a sopa, o comprimido, a boina no guarda-roupa.

Não, não sabem de ti,
mas tua fina estampa, cavalheiro, está nas camisetas,
de torcedores, traficantes, dondocas.
A solidão é tua: duramente intransferível.
Vista ruim, pernas doendo, charutos proibidos.
Cuba está longe,
Argentina é memória,
Lutar na África não é mais possível,
o mundo te preferiu morto em hagiografias,
como santo laico

O olhar fixa-se num ponto,
Bolívia?
passou,
o pássaro da juventude na soleira da porta.
Sonhos, igualdades?
Viraram gritarias nas Bolsas, corporações.,

Não, velho, as ditaduras são outras:
corporações, um clique e tudo se transfere num piscar de olhos.
(E os teus, insisto, estão velhos.)

Acabou a aventura no mundo.,
Restou cinismo ou cristalizada resignação.
Um vento sopra na tarde,
janela aberta, um velho espera o anoitecer.

(Brasília, junho de 2008,
quando Ernesto Che
Guevara faria 80 anos)

*

HOMEM DIANTE DO MAR

Por Emanuel Medeiros Vieira

Homem diante do mar
(instância interrogativa).
Precária caravela.
E finita: a vida

Trapiche:
o homem só contempla
(desembarcado).

No estatuto da memória:
ele se interroga, nunca mais a ação.

No porto: a rapariga rosada estendeu um lenço.
Limo: foram-se a juventude, o trapiche, a rapariga, o lenço.

(Mátria: sou apenas um homem diante do mar.)

Desterro: instante convertido em sempre.

O homem desembarcado só pode viver de memória: diante do mar.

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