17.2.11

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FRAGMENTOS SOBRE
UMA IDEIA DE DEUS


Ponta do Sambaqui. Foto: Celso Martins

Por EMANUEL MEDEIROS VIEIRA


EM MEMÓRIA DO MEU QUERIDO SOBRINHO E AMIGO GIUSEPPE (PEPE) LUCHINI VIEIRA


O poeta catalão Joan Brossa (1919-1998) escreveu:

(...) Há coisas que vistas/são mais simples que explicadas./As bandeiras são da cor do caos,/E a serpente é a senhora dos viventes.”

Ele proclama:”E continuo escrevendo, não tenho tempo a perder.”

Não consigo esquecer o verso: “E a serpente é a senhora dos viventes.”

Em catalão: “I la serp és la matressa dels vivents.”

Falta-me clareza?

Creio que sim.

É que alguém me perguntou qual era a minha ideia de Deus.

(E também me indagaram sobre a genética do Mal.)

O que se passa em nosso momento derradeiro?

Quando chegamos ao final da estrada?

Depois da morte, nada mais pode ser compensado.

Os mortos já não têm problemas.

Os mortos são problema dos vivos.

Qual a genética da dor?

Do caminho sofrido daqueles que nunca encontram a paz?

Daqueles que tentam, tentam, tentam: e não encontram.

Não encontram?

Precisaria falar sobre os limites do livre arbítrio.

Deus seria o oceano do esquecimento “para onde fluem nossas lembranças, nossos sonhos, nossas realizações, as imagens que guardávamos, os odores, os sons, os gostos.”

Deus?

Existe, Não Existe. Essa questão a mim não importa.

Algo internalizado no teu coração não depende da “razão”.

Quando sabemos qual o nosso Eixo, a vaidade, a notoriedade e a riqueza já não têm sentido.

Quem esteve à beira da morte, quem recebeu a unção dos enfermos talvez me entenda.

(E que continuou vivendo...)

Para o oceano do esquecimento escorreria tudo o que já soubemos e perdemos, os nossos princípios morais, a nossa ética, as amizades, os amores, os conhecimentos dos vencidos, religiões que há muito deixaram de consolar, dúvidas jamais esclarecidas.

Deus – crê Rodolfo Konder – “talvez seja mais nossa inexistência, nossa ignorância do que nossos pálidos feitos e nossa enlouquecida aventura.”

Somos tão vulneráveis, tão finitos – e convivemos com a soberba.

E a morte?

Morre alguém que amamos.

Internalizado o nosso luto, o que fazer?

Para os que ficaram?

Pai, mãe, irmãos, tios, amigos, ex-companheiras?

O que foi feito daquele sorriso largo, da voz alta, da hospitalidade, da vontade de preparar um bom churrasco, do sonho de viver num mundo verde, distante das cidades enlouquecidas, onde a prevalecessem a amizade sincera e a lealdade?

O que esta morte fará com tanta vida?

Às vezes parece irreal, que não aconteceu.

Ele certamente queria que continuássemos.

O Pepe está dentro de nós – de cada um de nós.

Creio que ele gostaria que continuássemos lutando pelos seus sonhos

em favor de um mundo justo, fraterno e generoso.

Sábio, Guimarães Rosa nos ensinou: (...) “O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.”

(Salvador, fevereiro de 2011)

Um comentário:

Anônimo disse...

Grande Emanoel.
Teu nome não foi escolhido por acaso. Os velhinhos souberam o que fazer. Tua missão foi pré-estabelecida há muitos anos atrás.
Teu mano, o Eduardo e toda a família, ficarão emocionados com o teu artigo.
Voce consegue expressar, o que a gente internaliza. Apesar de haver algumas polëmicas normais, na comunicação e na visão particular, entre as pessoas, você foi muito feliz no que escreveu.
Grato por disponibiliza (em conjunto com teu amigo jornalista Celso Martins) tua visão filosófica, e humanística para toda a gente.
Um abraço, do amigo, César
Em 19/2/2011 – Trindade/Floripa/SC