24.6.09

Curió fala


Por Amílcar Neves*

Transcorridos 34 anos dos acontecimentos, o senhor Sebastião Rodrigues de Moura decide abrir uma mala vermelha de couro e entregar incondicionalmente a O Estado de São Paulo uma enorme quantidade de documentos históricos ali guardados esse tempo todo. De domingo a terça-feira (ontem), o jornal paulista vem divulgando partes desse material juntamente com entrevistas concedidas pelo citado senhor, amplamente conhecido como Major Curió. Tudo indica que dali saia material para muitas edições mais do Estadão.

Os acontecimentos, ocorridos de 1972 a 1975, foram os lances da Guerrilha do Araguaia, no período mais sanguinário e intolerante da ditadura brasileira, encabeçada à época pelos generais Médici e Geisel, que ordenaram e mantiveram a determinação de exterminar, pura e simplesmente, os guerrilheiros feitos prisioneiros.

Informa Bernardo Joffily, em Osvaldão e a Saga do Araguaia (Editora Expressão Popular, São Paulo, 2008), que Curió, então capitão, foi um dos dois subcoordenadores da "Operação Sucuri", cuja missão "é levantar toda informação que puderem sobre os 'terroristas': quantos são, quem são, onde estão, que armas têm. E mapear todos os moradores que ajudam o povo da mata." Cada integrante da operação "deve agir como um elemento da região", vestindo-se, comportando-se e vivendo como um civil local, num trabalho exclusivo de informações, sem qualquer confronto com o inimigo.

Acrescenta Joffily: os 53 agentes da missão "não usam documentação e os comandantes usam documentos frios. O regime todo-poderoso age na ilegalidade."

Os documentos de Curió confirmam a ilegalidade do regime. Deles conclui o jornal: "Dos 67 integrantes do movimento de resistência mortos durante o conflito com militares, 41 foram presos, amarrados e executados, quando não ofereciam risco às tropas". 61%. Pior ainda: o próprio Curió identifica ao menos quatro campos de execução na região, para onde eram levados os prisioneiros após os interrogatórios. Para "fugir"...

E como o Major Curió via e vê os guerrilheiros? "Percentual considerável era de jovens idealistas que lutavam por uma sociedade mais justa, cujos objetivos não se diferenciavam dos objetivos das Forças Armadas. Só que fizemos caminhos ideologicamente diferentes para atingi-los. Não eram bandidos. Não eram mesmo."

Não os chama nunca de terroristas. Mas alguém mandou matá-los. A sangue-frio.

*Amilcar Neves, escritor. Crônica publicada na edição
de hoje (24.6) do jornal Diário Catarinense. Reprodução autorizada pelo autor.


Ilustração extraída do livro Guerrilha do Araguaia
(São Paulo: Editora Anita Garibaldi, s.d.
)

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