17.6.09

O bairro


Por Amílcar Neves*

A manhã ensolarada de domingo é um estímulo adicional a suas caminhadas diárias de exatos 60 minutos de duração pelo passeio ao longo do que resta do manguezal. Como tudo na Ilha, na cidade e no Estado, aquele resíduo de natureza vive sendo constantemente agredido em nome da corrida desenfreada ao caos e ao fim a que se dá os nomes de progresso e desenvolvimento.

Mas o dia é de sol e céu muito azul, circunstâncias que induzem a supor que a vida é bela e eterna. Valia bem deixar-se levar pelo ar fresco e pela atmosfera límpida de final de Outono. Assim, como em quase todos os dias do ano, empreendeu o sagrado compromisso consigo mesmo de sair em marcha batida por uma hora inteira.

O exercício revela-se, para ele, um momento de intensa atividade intelectual. Durante o trajeto avalia situações, analisa alternativas, traça estratégias, esboça diálogos, faz contas, desenvolve soluções, constrói planos, toma decisões, gera ideias e escreve muito. Sim, escreve um bocado durante as caminhadas, tanto que lhe doem por vezes as pernas na ânsia de chegar depressa a casa e passar tudo para o papel. Há ocasiões em que perde pelo caminho ideias brilhantes que não consegue jamais recuperar. Ou que recupera muito mais tarde, porém sem o brilho e as cores originais...

Por isso tudo, muitas vezes nem repara nas pessoas com as quais cruza, eventualmente conhecidos seus e até mesmo amigos. Por isso, foi tomado de surpresa quando o homem, um completo desconhecido, em voz clara e palavras nítidas perguntou-lhe à queima-roupa:

- Qual foi a alegria de ontem?

Lembrou-se de imediato que vestia uma camiseta com o distintivo do Avaí e riu a gosto. Por associação de ideias, recordou o único momento que viu do jogo exibido pela televisão no sábado, quando o juiz marcou um pênalti a favor do Figueirense aos 42 minutos do segundo tempo - o grande rival perdia por 3 a 2 para o Atlético Goianiense - e matou a charada na bucha:

- O pênalti perdido!

O outro fez com os dedos o sinal de positivo e ambos se afastaram, retomando o caminho em sentidos opostos. Depois ele cumprimentou o Valdir que conserta bicicletas, surpreendeu-se com uma sala para alugar, viu a moça de enormes seios com a barriga flácida à mostra, leu as palavras HARD ROCK em um shortinho, informou a um jovem casal onde havia uma cafeteria...

Pena que o bairro é muito maior do que este modesto espaço.

*Amilcar Neves, escritor.
Crônica publicada na edição de hoje (17.6) do jornal Diário Catarinense.
Reprodução autorizada pelo autor.


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CINEARTH NO MUSEU
Apresenta
Ciclo de cinema “América latina, espelho da utopia”
VIVA ZAPATA!

Um grupo de lavradores vai até o Presidente do México afimando que suas terras foram roubadas. Entre eles está Zapata, que se torna guerrilheiro e tem grande importância na vida política do país. Dirigido por Elia Kazan, com Marlon Brando e Anthony Quinn.

Dia 20.6.2009, sábado, 18 h.
Museu da Escola Catarinense (antiga FAED), rua Saldanha Marinho, 196 (Centro).
Entrada Franca
Apoio: Udesc e Museu da Escola Catarinense

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Participe!

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