2.9.09

Um americano na Armação


Por Amílcar Neves*

Ganchos, SC - Do lado norte da praia de Palmas das Gaivotas avista-se no mar, bem à frente, a ilha do Arvoredo, a maior e uma das mais importantes ilhotas que circundam a Ilha de Santa Catarina. Reserva ecológica terrestre e submarina de importância vital para muitas espécies, nossa modesta Galápagos não recebe turistas nem pescadores. Sequer em suas águas são permitidas as presenças desses visitantes, habitualmente predadores - até pelo simples fato de respirarem sua atmosfera.

O Arvoredo só não é mais importante do que a ilha de Anhatomirim, onde, sob o governo federal do marechal Floriano Peixoto, foram presos e posteriormente fuzilados, na fortaleza setecentista ali existente, quase duzentos cidadãos de destaque político e social da cidade de Nossa Senhora do Desterro - fato que levou o governo catarinense do engenheiro Hercílio Pedro da Luz a propor com sucesso, em 1894, a mudança do nome da cidade para Florianópolis.

Anhatomirim cose-se à costa do Continente justamente na Ponta de Ganchos, reduto de inúmeras vilas de pescadores e sede outrora de uma grande armação construída para dar suporte à intensa pesca de baleias que houve na região. Dezenas de praias bordam-se nos contornos recortados do promontório montanhoso. Uma delas é Palmas. Por algumas outras, ali perto, esparrama-se a pequena e acolhedora cidade pesqueira de Ganchos, que o mesmo espírito republicano de fins do século 19 rebatizou, na segunda metade do século 20, de Governador Celso Ramos.

O lado sul da praia de Palmas, já subindo umas encostas, é constituído por terras que abrigam ruínas de construções antigas, de paredes grossas de pedra e óleo de baleia: uma enorme senzala e uma casa-grande. A área foi propriedade de um certo Robert Suens Cathcart, que ali se estabeleceu precisamente dez anos após a Independência do Brasil e, ou chegou com o título ou o recebeu depois, de cônsul dos Estados Unidos. Um funcionário público americano vizinho à Armação da Piedade, à frente de uma ilha estratégica no meio do caminho marítimo entre Rio de Janeiro e Buenos Aires, as capitais do Brasil e da Argentina...

Onde estarão essas histórias todas, grandiosas e emocionantes, que reúnem a dramática caça de baleias no nosso mar, e o seu agitado processamento, a estrangeiros que por aqui passaram, para todos os efeitos, como armadores e traficantes de escravos?

*Amilcar Neves, escritor.
Crônica publicada na edição de hoje (2.9.2009) do jornal Diário Catarinense.
Reprodução autorizada pelo autor.


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