20.9.09

Viagem às Nascentes
da Língua Portuguesa


Outros escritos

Fotos: Célia de Souza e Marcos Maurício de Sousa.

Por Emanuel Medeiros Vieira*

Para Victor Alegria e a todos os companheiros da
jornada às nascentes (de 21 de junho a 1° de julho de 2009)


Da minha língua vê-se o mar
(Vergílio Ferreira)

Nossa Pátria é a Língua Portuguesa. Ou melhor, as “línguas portuguesas”. Falar de uma viagem preciosa? Um encantamento ou deslumbramento meditado em breve reflexão.

Um personagem de Godard disse que as viagens formam a juventude.

Creio que elas formam a nossa vida toda: enriquecem, e dão uma dimensão maior do mundo, muito maior, inundam o nosso olhar de coisas belas. Não, não falarei em tudo, e serei fragmentário.

Resumindo? A gente buscou “olhar”, olhar muito, indo ao Portugal profundo, durante 10 intensos e inesquecíveis dias. Ah, Porto – que belíssima cidade! –, Rio D’Ouro (bate uma imensa vontade de voltar), Alcobaça, Sintra, Coimbra, Fátima, Braga, Almerim, Mafra, Vila do Conde, Viana do Castelo, Guimarães (berço da nacionalidade lusa).

Eu sei, não citei todos os lugares, nem segui a ordem geográfica.

Meu mapa é afetivo, do coração. Naquele maravilhoso dia passado em Coimbra – universidade fundada em 1° de março de 1290 –, pensava em todos os pés que ali pisaram antes de nós, os poetas românticos, os seres todos.

Pedras, mosteiros, rios, vidas. E seres humanos inesquecíveis, como o guia Carlos (sempre atento e disciplinado), sua terna esposa Inês, os também humanistas, cultos e amorosos professores Carlos Consiglieri e Fernando Murta, o generoso Felipe e a “brasileira” de Alagoas, a querida Manaíra. Não posso me esquecer do eficiente Rui e dos outros colegas escritores do Porto. E do jantar na UNICEPE, com declamação de poemas.

Não cito nominalmente os companheiros de viagem (mas todos estão no meu coração). Garçons, motoristas, gente dos hotéis, transeuntes a quem pedíamos informações, passeios variados, amigos queridos feitos na viagem – e não individualizarei para não cometer injustiças. Mas lembro de um emocionado Ligório declamando poemas de autores pernambucanos num inesquecível almoço em Alcobaça. Poderia falar sobre Sintra, pastéis de Belém, vinhos, bacalhau, café longo, paés deliciosos, a “sopa de pedra”, em Almerim…

Toda narrativa é um ato de escolha. Precisaria de um diário de viagem.

Queria dizer que voltamos “melhores”: mais enraizados em nossas nascentes – ah, nosso destino comum –, nessa Língua tão bela e plural. Voltamos (somos cidadãos do mundo, nossa pátria é o “exílio”…). Ah, Tejo.

Visita à Biblioteca Nacional, em Lisboa, à Missão do Brasil junto à CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), tão bem recebidos pelo embaixador Lauro Moreira. (Quem ler, dirá com razão: o cronista esqueceu tanta coisa! Mas o propósito não foi esgotar o assunto).

É verdade: sou apenas o redator de um telegrama. Recordar vem do latim “recordis” e significa “tornar a passar pelo coração”. E é por tantas razões que escrevemos. Para despistar a morte, deixar algo além da poeira do tempo, para amar e ser amado.

Escrevemos porque não sabemos por quê… Porque somos o único animal que eu saiba que vai morrer. Somos ontologicamente finitos. Mas nossa obra pode ser infinita. Eterna.

Como esquecer do “Livro na Rua” – ecumênico, plural e democrático – distribuído para o estudantes de Coimbra (e dialogamos com os moços), e em tantos outros lugares?

Não ficará no ouvido, a festa de São João, no Porto. O Café Majestic. As pontes. E chegamos à Galíza, na Espanha. Somos todos nós que construímos essa Língua, dia a dia.

Foi uma viagem fantástica, No fundo, o mero turista só “registra”. Nós não só registramos. Olhamos, vivemos. E, principalmente, amamos. Que saudade eu sinto agora olhando o mapa de Portugal!

Esta Língua… Como diz Eduardo Lourenço, “é ela que vive em nós e não nós que vivemos nela”.
Agradeço a todos os companheiros de viagem (um agradecimento especial ao Victor e à sua dedicada esposa Ises), à Célia, sempre companheira, ao Maurício, terno, humano, o filho que todo pai gostaria de ter.

Encerro: “Isso é coisa normal, /mas anormal, se me entendes, /se tu bem
me compreendes,/agora és de Portugal! Vê se então outrora/soou-te o sinal da sina/pondo-te na vida uma quina/Portugal, chegou a hora!“

* Emanuel Medeiros Vieira é romancista, poeta e advogado.
Nasceu em Florianópolis (SC, 1945), vive há 30 anos em Brasília (DF).
É autor, entre outros, de
Cerrado Desterro (memórias, vol. 1
e
Olhos Azuis (romance), pela Thesaurus Editora.

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POR QUE OS INCRÉDULOS
SEMPRE “QUEBRAM” A CARA?

Por Victor Alegria* e Menezes y Morais*

Há coisas que as pessoas não ligam, porque tudo aquilo que é aparentemente natural, eles não vêm o âmago. Uma dessas coisas foi a viagem feita por escritores e intelectuais brasileiros, de Brasília (DF), de cuja caravana o escritor Emanuel Medeiros Vieira fez parte.

Esta viagem é parte do projeto bilateral que nasceu dentro da Thesaurus Editora de Brasília, chamado “Portugal, Portugais/Brasil, Brasis”, no qual os descrentes apostavam na impossibilidade de ser realizado.

Mas os incrédulos sempre “quebram” a cara. Não somente o programa se realizou, como ainda vai gerar mais frutos, anotem. A caravana de escritores brasileiros se deliciou, por exemplo, com a mostra cultural das cidades de Almerim e Rivatejo (em Portugal).

E ainda em Patos de Minas (MG, Brasil), com a festa do milho e as danças afro-luso-brasileiras das congadas de Moçambique, na Embaixada de Portugal, em Brasília, coroando, finalmente, com a viagem às nascentes da língua portuguesa.

A viagem dos escritores brasileiros e seus familiares à Portugal transformou-se numa diplomacia paralela, de povo a povo, abrindo, assim, uma visão vivificante e comprovadamente certa do que pode ser o turismo cultural. Ou melhor: do intercâmbio cultural entre os povos, acima de quaisquer fossos de raça, crença ou ideologia. Do humano para o humano, como tem que ser.

* Victor Alegria é editor-geral da Thesaurus.
* Menezes y Morais é editor da Nós – Fora dos Eixos.

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Momentos literários em Portugal







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